sexta-feira, 15 de junho de 2012

As 180 do cuco


O cuco era verde. Ou azul-esverdeado cor de céu à beira-bolor. A caixa-casa era castanha. Ou vermelha-acastanhada cor de sangue-seco. O relógio-parede não tinha cor. 

Era uma vez um cuco que sofria de bichos de carpinteiro e de cancro nos pulmões. 

 Ao canto da sala na caixa-casa do relógio-parede tossia horas e meia horas em tom expecturado-serradura e lamentava-se da lentidão do pêndulo, o qual já se encontrava metastizado pelo enjoo do vaivém. A corda, essa, já rangia velhice quando se puxavam os pesos que não passavam daqueles que a consciência às vezes tem. 
Mas sem mais demora, o cuco era paliativo e as 180 vezes angustiavam todos os minutos do dia que se situavam entre as entradas e as saídas, entre a comichão do caruncho e as pinças do seu caranguejo e por isso começou a fumar a serradura que expelia. Se o mal que saiu voltar a entrar deixa-se de ter espaço para novos males e assim, ao menos, o mal faz-nos sentir bem pela familiaridade. 
Hoje, finalmente e sem muito para contar, o cuco que sofria duplamente rebentou com os foles e esvaziou o cancro pelo chão da sala. A sorte é que ao canto a morte se dá bem por ter visibilidade reduzida e ao fazer-se de cega pisou todos os bichos de carpinteiro. Foi como se tudo fosse pó de fada madrinha. 
Só tenho pena de não ter chegado a tempo para assistir à sua morte de passarinho. 
De certeza que o cuco teve pele de não ter-me visto a dar corda quando os pesos tocaram no chão, canto, sala de estar.

terça-feira, 5 de junho de 2012

ENTRE A LUZ E A ESCURIDÃO

Quando nascemos somos abençoados pela luz e amaldiçoados pela escuridão.


- Ouvi falar de uma mulher cujo Dom é o de conseguir apaixonar-se de verdade. Mas a sua maldição é apaixonar-se sempre por homens tristes.

- Isso não é um Dom, isso é pura estupidez. Qualquer bruxa o sabe. Há melhores maneiras de passar o tempo. E já agora qual é o interesse dos homens tristes?

- Não sei. Pelos vistos a mulher também não sabe. Acha que lhe rogaram uma praga, que foi amaldiçoada quando nasceu. Que é kármico. Que a nuvem negra por cima das cabeças é um presságio de grande profundidade filosófica, de algum tipo de sabedoria das coisas do mundo que lhe está vedado, que só através desses homens conseguirá ascender a um plano superior do conhecimento...

- Tretas. Cá para mim a mulher devia olhar-se ao espelho e apaixonar-se pela vida, que só é triste se deixarmos. Podemos sempre escolher a alegria ou a tristeza, depende da nossa vontade.

- Vai lá dizer-lhe tu isso, pode ser que ela se convença e deixe de gostar de sofrer...

- Mas eu nem a conheço, e além disso tu é que ouviste essa história.

- Dela só sei que lhe comeram o coração, nem lhe vi a cara, mas creio que era bela. Alguns homens perderam-se no seu olhar, sonharam com o seu sorriso. No entanto, o último homem por quem se apaixonou escolheu deixá-la sozinha no deserto, enquanto se atirou para dentro de um poço no primeiro oásis que encontrou depois de ter desisitido de viver na floresta. Mas como o poço não tem fundura suficiente, está lá ainda, há-de lá ficar eternidades, num limbo entre o afogamento e a insanidade, e tão cedo parece que não sairá.

- E ela? Não fez nada?


- Fez. Sugeriu arrastá-lo para longe das margens do poço. É óbvio que não teve sucesso. Depois quis puxá-lo com todas as forças. Mas não tinha corda que chegasse, nem braços. Com a chegada da seca, caíram-lhe também os braços. Sabes, a mulher não soube como ajudá-lo. Atrapalhou-se, desesperou, tentou que um fio da sua voz chegasse até ele e o pudesse suster. Mas quando alguém cai dentro de um poço esses murmúrios são vãos, não atingem o fundo, soam a nada, longínquos. E além disso, as paredes são lisas e só uma vontade superior e muito forte, que brote das entranhas de quem caiu, as consegue transpor. Se o homem não se quiser levantar, não há auxílio que venha de fora que lhe valha.


- Então a mulher desistiu?


- Não, o homem é que desistiu de si mesmo. Esqueces-te que foi ele quem se atirou ao poço? Quis voltar a casa, mas como se esqueceu de onde fica, entregou-se à dormência, confundido pelo bolor e acidez das águas paradas. Para ele, assim que espreitou ao poço, quase instantaneamente a mulher tornou-se uma memória pouco consistente, desprezível até, quando comparada com o abraço frio do silêncio das paredes de pedra. Longe do mundo, é mais fácil entregar-se, sem ninguém a ver. O oblívio é uma companhia bastante dócil.


- E as árvores? Ele não tem saudades do cheiro do húmus da terra molhada? Do calor da madeira queimada, do abraço robusto dessa mulher? Não gostou de viver à sombra fresca, da abundância de comida, na quentura do carinho? Preferiu o deserto por que razão? Por ter mais luz?


- Não. A claridade do deserto faz parte da miragem que confunde os homens desperdiçados. É um dos enganos da escuridão, tanto mais tentador quando mais procuram um refúgio onde se esconder da vida. A existência de lenhador é pesada, cansou o homem. Por uns tempos, depois de voltar vitorioso da batalha, orgulhou-se por conseguir carregar o fardo. Os troncos chegaram até a ficar mais leves. Mas com o passar dos anos, um dia acordou tarde, e os seus olhos deixaram de conseguir ver as árvores. Esqueceu-se como era mau viver numa gruta, e teve saudades dos dias antes da guerra. Carregar madeira para se poder aquecer deixou de lhe fazer sentido. Achou que a vida dos outros lenhadores era pequena, e que a sua se tornara minúscula, quando tudo o que merecia era a imensidão. Quis fugir da razoabilidade duvidosa do seu quotidiano.


- Fugir novamente. Para onde?


- Fugir de si próprio. Não ter de se olhar ao espelho.


- Se se sentia tão miserável, não poderia ter-se tornado noutra coisa qualquer? Jardineiro, plantador de flores e frutos...


- Podia, mas não quis. Como não se recordava de ter plantado nada, apenas de colher os frutos, muitos deles azedos e bichados, achou que não sabia. E que não valia a pena. Mas na fuga, por acaso mirou-se num espelho de água. Quando se viu, nu e arranhado pelas silvas, não vislumbrou o presente, nem o futuro, apenas o passado. Viu-se novamente dentro do poço, coberto de musgo e lodo, parado. Achou que era esse o seu destino imutável, que não poderia contrariá-lo, que um dia, por mais que se escondesse, o poço viria até si. Viver um dia de cada vez, à espera do inevitável, era tão inútil como querer arrancar a pele.


- E onde estava a mulher? Não lhe mostrou que estava errado? Não lhe disse que ele era bonito e forte? Que a sua voz lhe fazia lembrar o marulhar do mar? Não lhe mostrou coisas belas? Não lhe ofereceu todos os seus beijos? Não lhe fez sentir que era um homem bom, destinado a amar e ser amado? Não o amparou?


- Sim. E também lhe disse que não tinha de viver na floresta, se assim não quisesse. Que conhecia outros sítios, que poderia ser pescador, ou pintar o mar, cantar os pássaros, ou voar nos céus. Que o mundo é grande e generoso. Que poderia ser tudo o que quisesse, onde quisesse, quando quisesse. Sozinho ou acompanhado. Ofereceu-se para caminhar a seu lado. Explicou-lhe que todos os homens e mulheres são livres de escolher e fazer a sua viagem.


- Se foi assim, o que sucedeu? Ele não quis a companhia? A vida dos humanos não é mais leve se se puder dividir as tristezas e partilhar as alegrias com alguém?


- As mulheres são mães de todos os homens, especialmente daqueles que nunca terminam de crescer. Alguns homens que se habituam a caminhar sozinhos e se sentem confusos com o rumo a tomar, dificilmente mostram que duvidam, e por isso não aceitam companhia. A confiança tem de ser superior ao medo.


- E o amor? Não é mais forte do que o medo? Não se pode amar sozinho.


- Quem nunca amou, dificilmente reconhece o amor, e muito menos acredita que o amor é o que de mais forte e melhor existe. Que o amor pode mudar o mundo e a vida das pessoas.


- Esse homem nunca amara?


- Talvez. Mas quando um homem deixa de se amar a si próprio, não consegue amar mais ninguém. É da troca, do dar e receber que nascem novos ramos. Sem isto a árvore seca, as folhas encarquilham-se, voltam-se para dentro. Parece que por momentos, ele se sentiu inteiro, feliz e grande, ao tomar aquela boa mulher nos braços. Mas, por falta de hábito, no seu pânico de se perder no seu corpo, os abraços persistentes sufocaram-lhe a garganta.


- O amor quando é demais sufoca?



(O amor e a sua ausência: o que nos move e o que nos mata.)


- Não, o amor nunca é demais e nunca sufoca. O que estrangula é o medo, a dúvida, a carência, a incerteza. São todas as formas de opressão e a ideia errónea de que algo no amor pode estar errado, não ser totalmente bom. Essa é uma das armas mais poderosas e pérfidas da escuridão: a disseminação da ideia de que o amor pode ser mau, que ao viver um grande amor, se perdem outros pedaços importantes da vida. Que o egoísmo, o interesse, a desunião são coisas necessárias. Que as pessoas tem de se proteger desse sentimento tão forte a que chamam amor! E o pior é que elas acreditam.


- É por isso que muitas pessoas são tão infelizes?


- Sim, é essencialmente por isso.


- Esquecem-se de que são irmãos e todos iguais?


- Claro. Deixaram de agradecer e de dar valor à amizade. Acham que a paixão é despojada de essência e um estado efémero, um devaneio transitório, um mal necessário para atingir fins pessoais. E que o amor…esse, muitos nem acreditam…


- Desculpa interromper-te, mas parece-me que esse homem perdeu a fé. Quando se perde a fé, perde-se a si mesmo. Pior do que nunca ter tido fé, é perdê-la, não achas?


- Tenho a certeza.


- E a mulher, também perdeu a fé?


- Não, a mulher, ao pensar perder o homem, encontrou-a.

- ...

- Antes, havia entregue ao homem o coração numa bandeja de prata.

- E ele? O que fez ao coração dessa mulher?

- Penso que foi ele quem o comeu. Nem percebeu que o comera, e soube-lhe bem na altura. Alimentou-o por uns tempos, manteve-o à tona. Pelo menos a mulher acreditou que sim...sabes que lhe nasceu outro coração ainda maior, onde anteriormente havia estado o primeiro?...E mais tarde, o homem acabou por confessar à mulher que, mesmo antes de a ter conhecido, andava a ser tentado por pensamentos de se jogar dentro do poço.

- Então não foi uma coincidência, terem-se conhecido naquela altura precisamente?

- Sabemos bem que não existem coincidências...adivinhas o que aconteceu a seguir?

- Não faço ideia.

- O homem enganou a mulher. Por piedade, para se livrar do peso da bandeja de prata, para não se sentir culpado por fazê-la sofrer.

- Mentiu-lhe?

- Ele achou que não. Apenas que lhe omitiu coisas irrelevantes. Disfarçou o poço com ramos de árvore tenros, e contou-lhe uma história. Disse-lhe que o poço era uma fonte, onde necessitava de ir beber todos os dias, para que nunca mais voltasse a perder-se no caminho e passasse para o lado de lá, para o deserto, onde existem muitos poços onde cair. Explicou-lhe ainda que os troncos que carregava quase sempre às costas lhe estavam colados à pele, e que só a água dessa fonte os impedia de lhe furar os ossos e cair esmagado no chão.

- E ela acreditou? Era tudo mentira?

- A mentira e a verdade são irmãs siamesas. Onde começa uma e acaba a outra? Ninguém sabe, mesmo que as consigam separar, não serão sempre gémeas? O homem de facto foi várias vezes beber à fonte. Mas quando quis que a mulher se fosse embora, já não era a fonte que o chamava, apenas o poço. Mas sim, ela acreditou.

- Quis acreditar, ou não quis ver?

- Ambas. Mas acreditou sempre em tudo o que ele lhe disse, até ao dia em que ele assumiu que lhe mentira. E que a queria longe dessa mentira. Foi quando o buraco no peito se lhe convulsionou, e sem saber como, começou a nascer o novo coração.

- A linha que separa a floresta do deserto é muito ténue e irregular; quase transparente.

- Sim, tem contornos variáveis, e a mulher nunca antes estivera naquele lugar; para lá chegar limitou-se a seguir os passos erráticos do homem.

- Achas que ele fez de propósito?

- Não. Na realidade, ele também nunca havia estado naquele lugar. Quis contar-lhe uma história bonita, para não a magoar. Sempre apreciara tudo o que a mulher lhe deu, não queria perdê-la, embora o seu positivismo esforçado e a persistência do seu carinho lhe começassem a pesar em cima do fardo de madeira.

- E a mulher, não podia afrouxar, ajudá-lo a carregar o fardo em vez de o carregar ainda mais?

- Podia, e tentou. Mas não sabia bem porquê nem como. Por vezes dava-lhe um desespero, ficava como que possúída por mil demónios, queria à viva força que o homem aceitasse a sua ajuda. Não se apercebeu de que cada vez que o fazia, o fardo se tornava ainda mais pesado. Então o homem afirmou que o fardo era só seu, que ninguém o podia aliviar e que tinha de o carregar sozinho.

- Esse fardo tinha a forma de uma cruz?

- Sim. Todos o homens e mulheres tem o seu. Há quem aceite um ombro amigo, há quem nem se aperceba de que o peso pode ser aliviado se houver confiança entre irmãos.

- Então o homem foi mau?

- O homem foi orgulhoso, mas fez mal sobretudo a si mesmo. Não te esqueças de que foi amaldiçoado à nascença.

- Mas também foi abençoado.

- Sim, também o foi. A luta entre as trevas e o sol é a mais antiga que existe, e a mais desgastante quando se trava dentro da alma de um ser. O homem está a travar uma luta muito dura. E quando se perde a fé, a força de vontade também acaba....a não ser...

- O quê?!

- Que o amor pervaleça.

- Outra vez o amor. Mas neste caso não foi suficiente?

- Talvez. Não sei.

- O homem não amou essa mulher?

- Não sei.

- E ela?

- Não sei.

- E eles?

- Não sabem.

- Quem saberá?

- O tempo trará todas as respostas. O problema é que por vezes, elas chegam muito tarde.

- Tarde demais?

- Não. Só a morte é irreversível.

- Então tarde de mais não é assim tão mau?

- Significa que se perde tempo, que poderia ter sido preciosamente vivido. Mas a vida é assim. Por vezes é mesmo preciso perder as coisas, para depois, um dia as voltar a encontrar e finalmente vê-las com olhos de ver. Apreciá-las, valorizá-las e guardá-las no único local onde nunca poderão ser perdida ou roubadas.

- Onde?

- Creio que consegues descobrir.

- Dentro do coração?

- Sim. Como um ovo que só se consegue abrir e nunca fechar, o que entra no coração das pessoas nunca mais de lá sai.

- De certeza que só a morte é irreversível?

- Sim.

- Então há esperança?

- Sim, é a última a morrer.

- E o amor?

- Nunca morre.

- Nunca?

- Jamais.

- O que acontecerá a essa mulher e a esse homem?

- Há tantas possibilidades e caminhos...É uma incógnita.

- Será que ela poderá descer ao fundo o poço e resgatá-lo?

- Não, isso nunca. Ficariam os dois no fundo. E nem seria no mesmo poço. Tal como as cruzes, cada qual tem o seu próprio poço....

- Ela também carrega uma cruz?

- Naturalmente. E durante algum tempo quis fazer de conta que a sua não lhe pesava tanto...que se ajudasse outros, a sua lhe pesaria menos...também se enganou a si mesma, essa mulher.

- E agora? O que farão?

- Esperar. Acreditar. Lutar.

- Ela ainda continua no deserto?

- Não, está na praia, a olhar o mar, a banhar-se nele, tentando que o novo coração que lhe brotou no peito não salte para fora ao pensar no seu homem-anfíbio debatendo-se sozinho no fundo do poço. Vê as plantas florir nas areias móveis, mede o tamanho do seu caule, como se organizam em torno umas das outras, conta a sua história.

- Abandonou-o à sua sorte?

- Não. Deixou de forçar uma parede. Ele pediu-lhe tempo. Para se recompor, voltar a encontrar-se a si mesmo, tornar-se mais forte. ter orgulho em si mesmo. Ela recomeçou o seu caminho. Só andando o caminho se faz, só fazendo a carga se torna mais leve. O homem sabe onde a encontrar. Se quiser, no areal. Terá de escalar as paredes lodosas da sua prisão. Se ele quiser.

- E ele? Continua no poço?

- Sai de vez em quando, mas apenas em pensamento. Enquanto não encontrar a casa onde quer viver, penso que não conseguirá afastar-se desse túnel. Mas ele é forte, é um bom homem, vai descobrir a resposta dentro de si.

- Encontrar uma casa para voltar. Onde fica?

- Fica em qualquer lugar onde alguém que nos ama nos espera.

- Ela espera-o?

- Não sei. Mas ela quer aprender a viver. Sabe que aquele que a amar irá sair-lhe ao caminho, mais cedo ou mais tarde. Nada é eterno. A não ser o amor.

- Ele espera-a?

- Ela não sabe. Mas não quer sofrer a incógnita. Afinal acredita ter alcançado um nível de conhecimento superior por ter conhecido esse homem. Não pode voltar atrás.

- Em que consiste? O que aprendeu ela?

- Não to consigo explicar, é preciso que percebas. Tudo o que é verdadeiro é uma aprendizagem. Uma redescoberta. Entre o bem e o mal, a certeza e a dúvida, é a aí que vivem os humanos. Quando as almas se tocam, dá-se o início da renovação.

- Haverá mais homens e mulheres na vida de cada um? Amarão outros?

- Possivelmente. O rio nunca pára de fluir. Há muitos caminhos. Tudo depende da convergência das vontades.

- Então e eles? Perder-se-ão um do outro?

- Já me havias perguntado isso anteriormente. És uma feiticeira muito curiosa. Agora pertecem-se. Mesmo que nunca mais celebrem o seu amor, nunca se esquecerão.

- Mas ainda há esperança?

- O homem tem de se amar primeiro. E a mulher tem de se amar primeiro. Só assim não pesarão tanto. E depois da tempestade a bonança pode vir de muitas formas. Conversas, abraços. Ou apenas sorrisos. Poderão reencontrar-se novamente, como novos seres, renovados e livres. Quem sabe amar e cuidar um do outro. Ou não.

- Valeu a pena?

- Não sou eu quem te pode responder. Mas tudo o que é puro é válido. Apenas eles saberão se o foi, se o é. Mas é certo que o resultado em tudo depende das suas escolhas e da suas vontades.


O homem jaz em agonia, lembra-se do afago terno, desdiz-se a si mesmo, escava na água terrosa, abre os olhos dentro da lama em busca de uma fonte límpida onde beber o remédio que o cure por fim da sua insanidade.

A mulher olha além da linha do horizonte, à procura de respostas e de alento, recorda-se do cheiro da pele ao encostar a sua cabeça no ombro do homem amado, semicerra os olhos contra o sol, em busca de uma fonte límpida onde beber o remédio que a cure por fim da sua insanidade.


Um homem triste pode tornar-se feliz. Uma mulher também.

Num dado momento, a saudade é o sentimento mais forte. Aparece repentinamente como uma vespa, uma lança, brisa ou rajada de vento.

No mesmo segundo, entre o céu e a terra, os seus pensamentos-olhares cruzam-se novamente.

Recomeça então o início de todas as coisas, secular e incorpóreo, que vem sempre muito antes de qualquer fim, e contido no qual se conseguem situar as pessoas realmente importantes nas vidas de cada um, as mesmas que lhes garantirão memória, que os farão sentir que ainda estarão vivos (e não somente sobrevivos) antes de morrer.


Afinal, o mistério da vida não se resume a uma benção ou a uma maldição. O maior Dom oferecido a cada um de nós é a própria vida. Podermos sonhar e lutar pela felicidade, ter a capacidade real de amar o próximo, a nossa missão.

E é nos espaços intermédios, nos interstícios soltos entre o chão duro, que toda a água enfim, corre.


MM' 31 Maio 2012

Impossibilidades

É onde a cabeça de uma sweet little sixteen cai, frequentemente. Rola, desespero abaixo e, pum, estilhaça-se no vazio. Foge, acelerada, do...