Tudo aqui é branco; as paredes, as cortinas, o edredão da cama alta e larga onde só eu durmo, as orquídeas japonesas, o tapete de lã virgem, a cama de dossel comprada num antiquário (disseram-me que pertenceu a uma raínha-por-ser, suicida).
Tenho um armário para a roupa de Inverno (que é toda preta), outro para a roupa de Verão (que é toda branca).Tenho um jardim de Inverno com Aves do Paraíso e begónias e estrelícias e outras flores alienígenas e hera a trepar pelas paredes e aranhas a fazer ninhos entre ela.
E um gato persa que vê fantasmas.
Tenho este espaço todo só para mim. Tenho silêncio. O silêncio é branco, sempre achei, e feito da luz das manhãs de Inverno, quando te enrolas na cama e cegas de tanto sol.
Não como carne nem peixe. Só sementes, como os pássaros. Só vegetais e fruta que caiu dos ramos. Como Newton.
Mas, ao contrário dele, engano a gravidade. Engano os anos. A minha pele é alabastro. Não apanho sol. Não fumo, não bebo, não reparto fluidos, não rezo. (Deus morreu. Deus sou eu.) Prezo muito a minha espitualidade. Cultivo-a como um bonsai. (Vou podando... podando... podando...) Mil cuidados.
Os homens são máquinas movidas a raiva e sangue e sémen. Poluem tudo. Poluem o silêncio. Ocupam espaço. Por isso sei estar comigo. Por isso aprendi a amar-me. O maior amor de uma mulher deve começar nela.
A minha vida é um poema Zen.
A minha vida é caligrafia japonesa: requer todo um ritual, horas de concentração e depois faz-se num só suspiro, numa exalação apenas. O resultado final está sempre a um passo da perfeição, negro sobre o branco. Irrepreensível, organizada. Pontual ao passo dos ponteiros. Uma bailarina numa caixa de música, numa redoma. Virem-me ao contrário, agitem-me e cairá neve.
Branca e silenciosa