Acho que a única coincidência
era que ambos tínhamos o esqueleto delicado e leve. Era assim que me via: um sortido
de ossos que se encaixavam perfeitamente, tal como as bolachas de manteiga
naquelas latas cilíndricas achatadas com desenhos requintados.
Uma repetição de sabores do início
ao fim, assim como as minhas horas que passavam na mesma cadência crocante da cal
nas paredes. Às vezes, até podia afirmar que as paredes pareciam casca de ovo,
de onde eu queria nascer mas nunca conseguia mais do que abrir uma simples
fenda. Era ali que eu manifestava a minha força, nas fendas ramificadas que se
alimentavam de raízes gulosas por sol. Foi exactamente por isso que eu me desenraizei
do meu chão. Sentia que o que estava à mostra era menos importante que o que
estava enterrado. O que estava à mostra sofria com queimaduras solares, o que
estava enterrado sofria com o escuro húmido.
Consegui inverter a situação.
Consegui inverter a situação.
Consegui inverter a situação
mas ainda não decidi se sou mais feliz agora. Até porque ainda não decidi se
quero sentir-me feliz. Felicidade não me cai bem, deixa-me com refluxo fantasma
de memórias.
Agora no meu canto, ao menos
não tenho que me preocupar, nem sentir a pressão craniana de quem quer ir longe
mas não está no mundo certo, nem na época certa. Da minha cabeça aberta podem
emergir todos os instantes confeccionados em lume brando, subindo através de
sonhos em vapor e ficando condensados nos rostos de quem me visita, de quem
deseja-me visitar, de quem tem a chave deste jazigo, de quem já forçou a
fechadura, de quem traz flores, de quem não entende porque quero estar aqui.