Alone in The Dark - A Experiência Escrita
AitD-txt_Tu_(não)_és_aquilo_que_escreves
quinta-feira, 19 de maio de 2022
Impossibilidades
É onde a cabeça de uma sweet little sixteen cai, frequentemente.
Rola, desespero abaixo e, pum, estilhaça-se no vazio. Foge, acelerada, dos clichés que fixam a mulher no bom gosto e bom senso, na arrumada, ainda que complexa, mente, e esparrama-se plana, no chão, sem conteúdo, devastada pela inconsistência das suas jovens redes cerebrais.
É certo que o seu tempo de vida para trás lhe reserva uma vasta gama de possibilidades no tempo de vida pela frente. Menos dezasseis. Mais setenta e cinco, por aí.
Mas o potencial não se define pelo tempo, senão pelo que se faz dele.
quinta-feira, 15 de julho de 2021
Ínfimo
sem esforço, voar
sem querer, sonhar
sem nada saber, criar
sem compreender, nada explicar
sem ver, derivar
sem sentir, magoar
sem nada agarrar, segurar
sem reconhecer, nada demonstrar
sem sofrer, caminhar
sem preencher, completar
sem nada tocar, oferecer
sem ter, nada desejar
sem direção, virar,
sem provar, ofender,
sem mais nada entender
nada mais a acrescentar
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quarta-feira, 21 de março de 2018
NOCTURNO
Apartemo-nos, pois não andamos mais que a fingir passos em frente, olhando de lado em espelhos baços, apartemo-nos pois aqui não mora o desassossego.
Desconjunta-me, necessito de fontes mais precisas de prazer, a languidez do teu corpo já não oferece o tal abrigo merecido. Deixa-me. Prescindo do teu brilhante intelecto para me dedicar ao estudo das coisas mundanas.
Fingimento. É este o constrangimento que me faz neste momento avançar para a dissolução. Prefiro dissolver-nos do que ver-me diluído na pasmaceira dos dias. Não sou poeta, não faço rimas, não ouço a lua, faço da noite apenas uma passagem, como se fosse um túnel para reencontrar de novo o sol.
Fazes-me lembrar a noite, por isso desdenho continuar a alimentar a tua deslumbrante beleza lunar.
Passo a vida embriagado por palavras. Perdido no emaranhado de abraços em que me teimas prender. Quero ser livre. Quero ser Ícaro e se necessário voar direito ao sol. Se for esse o preço, fá-lo-ei. Não duvides! A minha existência já meio amadurecida está para além de quaisquer dúvidas ou incertezas.
Ris.
Eu sei que te ris aí ao fundo no escuro, no teu nicho de prazer, brincas neste momento com as tuas mãos, sinto-o.
Ris porque sabes o destino de Ícaro. Ris porque a noite volta sempre. E eu como a maré, volto ao mar, ao teu mar.
Sorris pacientemente porque sabes que volto. Permites-me estes assomos de rebeldia, jogas com tudo isto para aumentares o teu jogo de prazer, sei-o bem, demasiado bem para a minha própria sanidade.
Tens razão.
Sempre a maldita razão, volto ao teu conforto lunar, à tua poesia erótica, ao teu romantismo obscuro. Volto porque sei-me feito da mesma massa embora iludido que poderia ser de outra, mais solar, mais brilhante.
Não nos apartemos mais então, que termine esta farsa. Entrega-me o teu corpo para dele fazer vaso da minha paixão. Isso. Liberta-me dos sonhos pois deles não preciso. Liberta-me da ilusão pois ela sempre me traiu.
Sim, é o teu corpo que desejo, os teus braços lunares e os teus olhos de inocência.
Julgava eu não ter em mim a poesia, a rima certa que compõe o soneto, enganado de novo pelo sufoco de querer ser diferente.
Amordaça-me com o teu fogo, prende-me aos grilhões e dá-me prazer, lê-me Sade pois a noite é ainda apenas uma criança inocente.
Continuamos a olhar de lado em espelhos baços certos que deles nada vislumbramos. É melhor assim, dar passos falsos em frente do que morrer parado entre a noite e a madrugada.
Bruno:Carvalho
quinta-feira, 11 de janeiro de 2018
"Ânsia de Partir"
A falsa imortalidade da alma
Falsos discursos, palavras apagadas pelo tempo
Amores destroçados pela minha incerteza
Quero apagar-me deste discernimento incoerente
Falsos discursos, palavras apagadas pelo tempo
Amores destroçados pela minha incerteza
Quero apagar-me deste discernimento incoerente
A falsa verdade do amor
Quero distanciar-me desta dor inane
Este desejo que me estremece
Esta ânsia de partir, como se ao partir pudesse esquecer
Quero distanciar-me desta dor inane
Este desejo que me estremece
Esta ânsia de partir, como se ao partir pudesse esquecer
Algures por entre a primeira e a segunda hora
Por entre a escuridão que escarnece da minha bravura
O meu reflexo esconde-se por entre espelhos partidos
Quero arrancar de mim este torpor, este medo obscuro
Por entre a escuridão que escarnece da minha bravura
O meu reflexo esconde-se por entre espelhos partidos
Quero arrancar de mim este torpor, este medo obscuro
A falsa moralidade do desejo
Quero esquecer-te mesmo que deseje lembrar-te
Afogar por fim estas mágoas, estas saudades
Quero enterrar-te por fim no passado
Quero esquecer-te mesmo que deseje lembrar-te
Afogar por fim estas mágoas, estas saudades
Quero enterrar-te por fim no passado
segunda-feira, 8 de janeiro de 2018
Desafio: Reminiscência rasgada
A taberna tinha as paredes forradas com pequenas tábuas obliquas. De nome completo Jorge Libério Tadeu, como gostava de dizer sempre que alguém o chamava sem algum dos outros dois, estava paralelo às “tabuinhas” da parede e obliquamente encostado ao balcão.
Jorge Libério Tadeu, nem baixo nem alto, era muito mais magro
do que a maioria e tinha um farto cabelo despenteado. Na rotina dos dias
caminhava sempre de costas encurvadas e com passo acelerado e nervoso até parar
frente à porta da taberna da rua empedrada.
As calças de ganga largas eram curtas e deixavam ver as
raquetas bordadas nas meias, e não dispensava uma das suas camisolas de cavas
brancas, mesmo em pleno Inverno, de forma a exibir uma tatuagem imperceptível
feita a tinta-da-china.
Tinha o braço direito engessado há três anos, mas como era
destro só conseguia levar o copo de tinto à boca com a mão direita. A cada
“penalti” tirava o gesso do braço direito, despejava o copo de vinho
directamente para o estômago sem tocar no interior da boca ornamentada dente-sim-dente-não.
Claro está, o braço direito há três anos que não via luz do
sol e estava mais branco do que o gesso que o tapava, era o reflexo perfeito
das sete cores do espectro visível. Era mais branco do que qualquer objecto
branco que um dia tenhamos visto na vida e contrastava com o escuro braço
esquerdo, negro, queimado por dias inteiros exposto ao sol em mangas cavas.
– Oh Jolita! - como todos na vila o chamavam - Vai mais um?
Para o caminho!
– Espera. Estás a ver? Esta é a minha filha.
Num gesto repetido diariamente, retirava do bolso de trás das
calças a carteira preta deserta, abria-a e exibia com ar orgulhoso o recorte
de uma revista da socialite, gasto pelo passar dos dedos, onde se via
uma criança que não teria mais do que 6 anos.
– Esta é a minha filha! - repetia todos os dias - A Luísa é a
melhor aluna da escola. Quer ser médica quando crescer. Vai ser médica quando
crescer!
Jolita era um filho da vila e todos o conheciam, mas ninguém
lhe conhecia qualquer família, ninguém alguma vez tinha visto a sua filha ou
sabia se teria sido alguma vez casado. É verdade que aos 18 anos cumpriu o
serviço militar em Mafra e depois emigrou.
Regressou à vila 20 anos depois de partir, com apenas um
lençol às costas onde, presos com um nó cego, embrulhou todos os seus
pertences: três pares de calças de ganga, dez camisolas de cavas brancas e
cinco dezenas de revistas cor-de-rosa de diferentes décadas.
Na carteira preta trazia sempre um recorte de uma das
revistas que fazia questão mostrar a todos que acabassem, mais ou menos
interessados, por parar ao seu lado, mesmo que por breves instantes.
Quando regressou à vila a Beatriz era um bebé de olhos azuis
de uma revista de 1974 e disse a primeira palavra; dois anos depois chamava-se
Ana, tinha caracóis, corria e saltava, não parava; aos três anos a Teresa, uma
menina morena de olhos rasgados, vestia um tutu branco e queria ser bailarina.
Estava um frio invernal no Outono de Novembro, num pequeno
barril que serve de banco estava o barbeiro Justino Correcto, com longa barba,
óculos aviador escuros e bata vestida, que quando não estava a barbear estava a
alcovitar:
– Aí vem o Jolita. Quem será a filha hoje? Dizem na vila que
a mulher fugiu com a filha por causa da bebida. Ele não sabe onde elas estão.
Não faz a mínima ideia. Parece que ela até mudou de nome e também mudou o nome
da filha. Ele nem sabe como elas se chamam. Pelas minhas contas a filha já deve
ser uma mulher.
Manel Paulo Anca, sapateiro de profissão, sentado de pernas
cruzadas mostrava o buraco na sola do sapato esquerdo. As calças, de
imperceptível cor, são as mesmas que usou em Janeiro, depois das primeiras
gotas de chuva que lhe deram o último banho.
– Qual quê! Já não
posso ouvir o Jolita e as histórias da filha que não existe. O excesso de
“jolas” fritaram-lhe os miolos é o que é. Que mulher iria querer ter um filho
com aquela triste figura? Com aquele bêbado? É um pobre diabo que inventa estas
histórias para não se sentir sozinho. Eu já nem o oiço.
Luís Lentinho, conhecido por Sôr Professor por andar sempre
com livros debaixo do braço, que na verdade nunca ninguém o viu algum dia
realmente ler, levantou-se bamboliante, tentou coloquialmente colocar a voz,
mas acabou a discursar numa linguagem que só os que beberam os mesmos litros
entenderiam:
– O Jorge nem sempre foi assim. Nem sempre foi assim. É uma
história muito triste. Triste. A filha do Jolita é um anjinho no céu. Ouviram!
Respeitinho! Ouviram! Morreu à nascença. Coitadinha. Está enterrada num
cemitério em Genève. No túmulo não há fotografia. Nenhuma fotografia.
Mas o Jolita mandou escrever. Está escrito lá:
“Beatriz, Ana, Luísa, Teresa, Maria. És a minha filha.
Presente do verbo ser. Para sempre e enquanto eu pisar o chão deste inferno
estarei ao teu lado a ver-te crescer.”
Os anos passaram, o recorte de revista mudou na mesma
carteira preta, a criança cresceu e ficou menina e depois ficou mulher.
– Viva pessoal! A minha Maria vai casar! Vai dar-me netinhos.
Vou tatuar o nome deles neste braço.
De sorriso rasgado rodopiou em torno de si mesmo exibindo um
recorte de um catálogo de vestidos de noiva.
– Parabéns Jolita! Vai um para festejar?
– Enche.
– Enche.
Bebeu num trago. Depois do último de muitos Jorge Libério
Tadeu seguiu feliz para casa.
Foto: Fernando Vianna |
segunda-feira, 18 de dezembro de 2017
Acho que a única coincidência
era que ambos tínhamos o esqueleto delicado e leve. Era assim que me via: um sortido
de ossos que se encaixavam perfeitamente, tal como as bolachas de manteiga
naquelas latas cilíndricas achatadas com desenhos requintados.
Uma repetição de sabores do início
ao fim, assim como as minhas horas que passavam na mesma cadência crocante da cal
nas paredes. Às vezes, até podia afirmar que as paredes pareciam casca de ovo,
de onde eu queria nascer mas nunca conseguia mais do que abrir uma simples
fenda. Era ali que eu manifestava a minha força, nas fendas ramificadas que se
alimentavam de raízes gulosas por sol. Foi exactamente por isso que eu me desenraizei
do meu chão. Sentia que o que estava à mostra era menos importante que o que
estava enterrado. O que estava à mostra sofria com queimaduras solares, o que
estava enterrado sofria com o escuro húmido.
Consegui inverter a situação.
Consegui inverter a situação.
Consegui inverter a situação
mas ainda não decidi se sou mais feliz agora. Até porque ainda não decidi se
quero sentir-me feliz. Felicidade não me cai bem, deixa-me com refluxo fantasma
de memórias.
Agora no meu canto, ao menos
não tenho que me preocupar, nem sentir a pressão craniana de quem quer ir longe
mas não está no mundo certo, nem na época certa. Da minha cabeça aberta podem
emergir todos os instantes confeccionados em lume brando, subindo através de
sonhos em vapor e ficando condensados nos rostos de quem me visita, de quem
deseja-me visitar, de quem tem a chave deste jazigo, de quem já forçou a
fechadura, de quem traz flores, de quem não entende porque quero estar aqui.
quarta-feira, 15 de novembro de 2017
Desafio: Reminiscência rasgada
Desafio com fotografia de partida… ou chegada. Até onde irá e
como termina é convosco.
Foto: Fernando Vianna |
Não se esqueçam de associar uma música à vossa prosa ou poesia (ou ambas) e de colocar a etiqueta “Desafio: Reminiscência rasgada”.
O prazo de entrega é dia 31 de Dezembro, 2017.
Até breve!
quinta-feira, 22 de junho de 2017
ovelhas que já não me balem
caminhava eu meio desligado pelo campo quando
me apareceu pela frente um velho pastor que com voz de tenor
se meteu a cantar assim que me viu aproximar
de repente, com o ruído, a frequência, e o canto
todo o rebanho balou e som tornara-se tanto que eu me adensava de espanto
preso ainda à imagem do velho pastor sentado e resignado
à estatia do passar do dia, que cantava enquanto versava a sua poesia
perco-me em campos e campos, e verdes e verdes
e solidões e solidões, e multidões e multidões
de nada, de tudo, faço-me à estrada para ver se me acudo
e chego ao campo e denoto que o pastor está agora mudo
fico confuso, salta mais um parafuso e os pés andam cada vez mais tortos
sem saber se é campo, se é vida, se é hora de desviver no tempo dos mortos
segunda-feira, 1 de maio de 2017
terça-feira, 7 de fevereiro de 2017
São Morte
Ondulado
Do lado que a menos favorecia
Parecia uma pasta prensada contra a almofada
Fadada de durões de esponja e algodão
Algo de cordão que apertava como a angústia
Tia da opressão e mãe da depressão
Depressa São percebeu que ondulado marcava cada vinco
Com afinco na orelha daquele lado envolvido
Olvido de perguntas existenciais e de toques no ombro com
suavidade
Pois a sua idade era como um copo cheio de limonada
Nada doce mas apetecível à morte
Corte forte na sorte
Suporte de coração pendurado à cabeceira
Mas cabe na feira de almas escolher
A colher que vai mexer o copo até transbordar
O bordar de uma assistolia
Assim lia São na iris enquanto soprava
Só p’ra afastar o cabelo ondulado
Do lado que primeiro se trasladava
E dava um abraço no vinco, na dobra, na sobra
Da obra com mão de bola de sabão.
~
~
domingo, 4 de dezembro de 2016
(...) E a belíssima melancolia das estreitas ruas Lisboetas que atravesso nesta noite enchem-me outro copo de vinho que acompanho com um cigarro. E menos uns anos de vida que perdi por cinco minutos de saborear este mesmo cigarro que tanto ansiei. O vinho nunca me soube melhor. Eu, sinceramente, não sei o porquê. Pensando sobre isso... diria que é pela saudade. Não do vinho, porque essa nunca existe... e dos cigarros muito menos, pois fumo um a cada hora ou menos. Mas a saudade de deambular por Lisboa, a saudade de ver a noite cair sobre os prédios arruinados, a calçada que na turva bebedeira se torna o maior obstáculo a alcançar, as luzes que avistamos de cada miradouro, a poesia do vento que por aqui atravessa. A saudade disso tudo faz com que tudo pareça melhor, o vinho, os cigarros, as pessoas... até mesmo as ruínas históricas de cada rua parecem ter uma beleza impossível de traduzir. E mais uma vez... pergunto-me, como? Como é que num país onde se respira melancolia em cada esquina se pode encontrar tanta beleza que em mim eu não vejo?!
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Desta vez o desafio é para maiores de 18. A proposta é tomar de assalto os espaços mais velados da consciência, desgrilhoar o proibido, visi...
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Passaram 2 anos, 6 meses e 28 dias que um dia não me consegui levantar da cadeira. Estranho pensei, nada de especial, horas a mais à frente ...