Sabes, quanto mais penso nisso, mais sentido acho que faz. Se não, repara bem e diz que estou errado.
De tanto acreditar que é indestrutível, o mancebo ergue a bandeira e desfila entre rugidos de artilharia e assobios de metal incandescente, desafia o perigo e arremata toda a razão com um novo volteio da haste de ferro, ondula o estandarte e marca o seu nome na história. Assim pensa, entre o casco impenetrável da sua arrogância juvenil, envolto no kevlar da doutrina militar, imunizado pelo rito do exorcista. Acredita o bravo soldado, acredita piamente que é um herói, enquanto tomba mártir, vítima de fogo amigo, a doze mil quilómetros de casa de sua mãe…
Por acreditar que nada vale, ela afunda-se no negro olhar que a fita do outro lado do espelho. Imersa, voga durante horas, dias, semanas, anos… perde-se para sempre no vazio asfixiante de si mesma, em busca de significância, à procura de si mesma, num labirinto infestado de demónios e santos que a desprezam, por ser tão, tão … nada. Por tanto acreditar que não vale a pena acreditar, quebra finalmente o espelho e faz mais um corte na face interior da coxa, acredita que alivia a dor. Por acreditar que é nada e por em nada acreditar, finca profundamente o pedaço de vidro e corta a artéria femoral…
Em nome da sua crença profunda no Ente Superior que nos guia, o Pastor incita-nos a louvar o Divino. Pede-nos que cantemos confiantes, que ergamos as nossas vozes como fachos de luz na noite escura e que entoemos o nome do Senhor. Diz-nos o Pastor para aceitarmos o mistério da fé, para abrirmos os nossos corações à eterna benesse, para unirmos as nossas mãos em fervor devoto. Pede-nos o Pastor que ergamos a nossa taça e bebamos o sangue do Cordeiro e comunguemos sob a palavra da Salvação. Acredita o rebanho que a absolvição é guardada aos que nunca ousam questionar, hesitar um momento, negar nunca, a purificante e benfazeja união com o sangue de Cristo. Acreditam que é esta a vontade de Deus, mesmo quando vêm seus irmãos e irmãs mais débeis a serem os primeiros a tombarem sob o efeito do poderoso veneno diluído no vinho da Missa, o sangue sagrado que o Pastor assegura ser a chave do Paraíso…
Por acreditar na fragilidade do seu ser, por querer acreditar que ele é o seu protector, a donzela entrega-se para deixar de o ser, acredita que se vai desvendar o maior segredo da sua débil existência, deseja acreditar que o desejo que ele manifesta é por amor, por ele estar ciente de que ela é a tal. Ela sorri e despe-se. Ele sorri e despe-a. Ela acredita em contos de fadas, príncipes encantados, bailes de fantasias. E por isso se entrega de alma e, sobretudo, corpo. E à medida que ele perde o controla e deixa as suas mãos apertarem demasiado forte em volta do frágil e delicado pescoço dela, ela desmaia, e à medida que desvanece, prefere acreditar no “felizes para sempre”…
É por isso que eu te peço, fecha os olhos e respira fundo.
Vem comigo ver o que há do outro lado do espelho, vamos atravessar este campo de
batalha de peito aberto, sente comigo o chamamento da devoção e amor infinito, liberta o coração, e nada de mal te pode acontecer.
Acreditas em mim?