sexta-feira, 13 de abril de 2012

AMOR VERDADEIRO

Um mês antes de te ter
E de repente já nada é suficiente, interessante ou chamativo. Tudo tão pouco, comparado contigo e o teu sorriso. Queria estar perto de ti. Abraçar-te, cheirar o teu corpo, olhar o teu olhar vítreo, beijar-te. E já nada interessa. Só tu. Será amor? Penso em nós quando acordo, acompanhas-me todo o dia, contenho-me para não te chamar. Não me custa. É doce e manso e calmo, sei que vou fazer a viagem para te ver, talvez amanhã, ou noutro dia qualquer em breve. Será que é isto a paixão a despontar novamente? Quero que sim. Que sintas o mesmo! Preciso de to dizer, mas não posso ainda. Nem nos conhecemos. Tenho de dosear a expectativa e a emoção, adiar o inevitável, ir dando aos poucos, sem pressas de transbordar. Mas ai! Esta barragem está cheia, não posso dar-te toda a água, não te posso afogar nem ao nosso amor menino, e ainda recém-nascido, verde e vermelho…podia telefonar-te, para ouvires a minha voz, mas não sei que te dizer. Que te queria abraçar e beijar? Só isto? Não. Há tanto que te tenho em mente…ainda é cedo. Será? O teu passado é um deserto sanguíneo que me assusta, cheio de areias movediças. E eu tenho tanto líquido. Penso que preciso de ti para me tornar mais sólida. Precisarás de mim para encharcar o teu seco sofrimento com alguma centelha de vida? Tanto para partilhar. Contigo? Sim. Queria.

Uma semana depois de te ter visto
Tenho saudades dos teus olhos de camaleão, de que ainda não sei a cor…será que um dia saberemos os dois o que é o amor? Os dois?! Juntos? Na minha pele imperfeita e nas tuas rugas de expressão seremos os mais belos um para o outro? Será tudo tão bom como no início, e muito melhor do que ao princípio? Naturalmente não vieste como sonhei; és tão diferente. Mas tão próximo de tudo o que poderias ter sido e sempre quis, e nunca conheci, e nunca vivi, e hoje és tu que me inundas o pensamento, e um dia vai ser tão difícil, impossível conter o que sinto, e receio que novamente o diga antes de tempo, que novamente o diga só por querer senti-lo. E que ainda não sejas tu…o meu barco, meu homem. E tu tens também de te conter, não te podes agarrar demais a mim, sou perigosa, posso apaixonar-me com tal intensidade que te inundo, e depois largar-te de repente quando a paixão se diluir e já nada em nós ser fluido... Não te quero magoar, nem te deixar rejeitado, só e desamparado novamente (não podes voltar a sentir isso!), fazer nada que te arraste para um turbilhão de voltares atrás e recaíres no que te faz mal. Não podes voltar a comer dessa carne. Sei que comias frequentemente as vísceras de outras mulheres e até de alguns homens. Mas olho para ti, tão sossegado e sei que não me vais devorar o coração. Somos filhos da mesma pátria, irmãos de guerra. E tu és assim tão sensível, e eu não te quero magoar. Ainda não sei nada do nosso amor. Nada que já não saibamos não ser possível saber ainda.

Uma noite depois de te ter trazido para casa
Assim que vi a tua foto naquele jornal velho em cima da mesa da pastelaria, sabia que serias meu. Os teus dentes de marfim, a tua pele escamosa, o teu ar silencioso e profundo ficam tão bem com a cor arroxeada do meu lençol. Agora fica imóvel e em paz ai deitadinho, eu volto já, vou só ali trabalhar um pouco (tenho de pagar as tuas prestações; não me saíste nada barato. Quem te possuíu anteriormente não te tratou lá muito bem, maldito caçador de troféus africanos, vieste cheio de pó e teias de aranha e com as unhas carcomidas, mas no preço que pediu por ti não foi nada manso!). Está uma noite boa, sem vento, os habituais esperam-me e pode ser que hoje o negócio corra bem. Como ontem não fui e fiquei contigo, hoje devo chegar mais tarde, mas sabes que lá pela manhã voltarei para o nosso cantinho e serei toda tua novamente. Não me posso esquecer de te trazer um creme para a pele, está tão seca, tenho de te cuidar bem amor. Ai como vai ser bom dormir abraçada a ti novamente, apaixonarmo-nos de verdade e sermos felizes para sempre! Temos a vida toda. Agora sei que nada nem ninguém poderá beliscar o que nós temos, que é tão especial.
Só pode ser amor verdadeiro.

- Pintou os lábios de vermelho berrante, ajeitou a saia justa moldada aos quadris ainda rijos e dourada como o sol do seu país longínquo, calçou as botas pretas de cano alto, viu-se ao espelho rapidamente, colocou a peruca loura apreciando o contraste com a sua pele de chocolate, sobre o corpo magro pôs o casaco verde comprado na loja do chinês, deu-lhe um beijo na testa e saiu do quarto apressada.
Na mala amarela, também comprada no chinês, como sempre desde que o lera pela primeira vez, levou na bolsinha interior ao lado do telemóvel topo de gama da candonga, o bendito anúncio, mais valioso que um bilhete de lotaria premiado, agora devidamente plastificado ao estilo BI antigo, que dizia:
Crocodilo embalsamado. Impecável estado para colocar em cima do móvel ou no
chão. Tel: ….


Uma hora depois de ter saído à rua
O réptil permaneceu quieto no seu esgar, sorrindo satisfeito, aconchegado
na cama de casal, tapado com a manta de lã cor-de-rosa, tricotada à mão pela
sua nova dona durante a solidão das tardes frias de Inverno antes de sair para
a vida.


(Depois de tanto sangue e de um longo abandono ao esquecimento, como é bom ser o escolhido de uma p*** com sentimentos).

MM’ 12 Abril de 2012


11 comentários:

  1. Gosto de textos que nos levam propositadamente na direcção errada, de finais imprevistos e de personagens incomuns.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigada Sandra! Eu também gosto de colocar um bocadinho de surreal onde aparentemente tudo é linear e banal ;)!

      Eliminar
  2. Isto não é bom... é muuuuuuuito bom!
    Em grande forma MM, fantástico

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigada! O mote do crocodilo embalsamado deu uma boa ajuda à imaginação!!! ;)

      Eliminar
  3. Um belo e instigante texto minha amiga...beijos de bom domingo e uma bela semana pra ti.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Muito obrigada Everson! Votos de uma boa semana!:)

      Eliminar
  4. Uma estória "surreal" mas que no fim deixa-me a pensar: ainda bem que foi escrita realmente aqui.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Muito obrigada TiiL. Mas não percebi muito bem o que significa esse pensamento final. Preciso de ser elucidada ;)!

      Eliminar
  5. http://www.reverbnation.com/play_now/song_837382

    ;)

    ResponderEliminar
  6. eu compreendi a metáfora
    muito bom.
    parabéns!

    ResponderEliminar

Impossibilidades

É onde a cabeça de uma sweet little sixteen cai, frequentemente. Rola, desespero abaixo e, pum, estilhaça-se no vazio. Foge, acelerada, do...