Parte III – Leite com mel e hortelã
- Olá, posso oferecer-lhe uma pastilha? São de lima-limão, as minhas
favoritas.
Num ligeiro sobressalto, Elianor vira-se para a sua esquerda e dá de caras
com o jovem simpático que partilha consigo a paragem de autocarro juntamente
com duas mulheres de meia-idade que tagarelavam incessantemente. Ele sorri e
aponta-lhe a caixa de pastilhas enquanto acena gentilmente com a cabeça.
Elianor tenta sorrir de volta mas não consegue. Não faz mal, os seus olhos
sorriram por ela.
- Vá, não se assuste, é só uma pastilha para ajudar a passar o tempo de
espera. Já agora, posso sentar-me ao seu lado?
- Sim, claro, é um espaço público… -
Chega-se para a ponta e olha para as senhoras que matraqueiam alegremente
como se estivessem completamente sós. Seria de esperar que, dado o sobrepeso e
as varizes, fossem elas as detentoras do direito ao assento, mas não, pareciam
duas adolescentes histéricas à porta de um concerto, até soltavam risos e um ou
outro gritinho.
- Sabe, vejo-a muitas vezes por aqui, mas ainda não tinha conseguido meter
conversa consigo… parece-me tão reservada, distante. Aposto que nunca deu por
mim!
E não, Elianor nunca tinha dado por ele. Estranho, um jovem muito bem
parecido, vinte e poucos, alto, atlético, face limpa e perfumada, olhar
penetrante e galanteador. Nunca o tinha visto mas ele dizia que a conhecia.
Elianor vacilava entre o receio e alguma irritação, afinal de contas, sentia-se
observada para além dos seus desejos. Bem, se calhar não estava a considerar
todos os tipos de desejos.
- Olhe, fique sabendo que não sou de grandes conversas e não tenho a certeza
de onde quer chegar por isso fiquemos pelo bom-dia-como-vai cordial e guarde as
suas pastilhas.
-oh, lamento se a incomodei, não era minha intenção. As minhas sinceras
desculpas e não me leve a mal, não me pode censurar por tentar meter conversa
com uma jovem linda e encantadora.
- vá, deixe-se de coisas, também não é nenhum drama… afinal de contas você
parece-me simpático, mas eu não gosto de lima-limão, percebe, não é o meu
estilo.
- ah, entendo. Posso tentar novamente amanhã? O que prefere, caramelo?
Mentol? Vê, afinal também sabe sorrir…!
E sorria, abanava a cabeça como quem tenta negar as evidências esmagadoras e
inconvenientes.
O autocarro chegou e lá foram os dois. Possivelmente partilharam um banco,
pastilhas e algo mais. É assim que nascem as coisas boas da vida, de forma
espontânea e discreta, até se tornarem exuberantes e…
- Oh, Oh menina, não é assim que me lembro dessa história!!
Elianor, sentada à mesa, bebe o seu leite com mel e hortelã, mergulha um
biscoito seco.
- Mas era assim que deveria ter sido… era assim que deveria ter sido…
- Chamas-me monstro Elianor, perverso e bruto. Sim, a mim não mentes, como
poderias tu fazê-lo? Somos um, nasci contigo e de ti me alimento. E tu de mim,
não é meu anjo? Então não nos queres lembrar como foi? Tu até tens jeito para
contar histórias, estavas a ir tão bem. Vá, tenta lá outra vez. Estava um
idiota a fazer-se a ti na paragem de autocarro, deste-lhe para trás e ele ficou
todo contente, andaste nisto quê… seis, sete dias? Não contando com o fim de
semana, é claro!
Elianor levanta-se, dirige-se até à janela virada para este e contempla a
noite que reina sobre as almas até ao resgate da luz solar. Suspira e massaja o
pescoço com a mão esquerda enquanto sobe a caneca até aos lábios para mais dois
goles.
- E depois, como foi? Começaram a combinar encontros, primeiro, um café de
misericórdia, certo? É Assim que funciona o jogo da sedução, um café, um
jantar, um cinema e um dia, um convite. Não queres entrar para tomar um leite
com mel e hortelã?
Elianor, vira-se, pousa a caneca na mesa e dirige-se ao espelho da casa de
banho. Olha-se longamente e decide lavar o rosto. Vai até ao quarto e pega no
seu pequeno frasco de perfume. Põe gentilmente uma gota atrás de cada orelha,
como fazem as senhoras de bem.
- Ah, esse teu perfume deixa-me louco. Já só restam algumas gotas,
incrível como o tempo passa… parece que foi ontem que começámos este nosso
ritual. O que eu sofri para te ensinar rapariga, o que tu choraste, gritaste,
até tentaste fugir… de mim? Não minha querida, eu não me posso separar de ti,
nem que muito quisesse, pois tu nunca me deixarás. Tu e eu, certo? Tu e eu…
O rapaz estava deitado na sua cama, adormecido, cansado de fazer amor com
aquela bela, frágil e suave criatura.
Elianor fecha os olhos, inclina a cabeça para trás e estremece
profundamente.
- Obrigado, minha querida, eu agora tomo conta do recado. Tu já estás
satisfeita, agora é a minha vez. Através de ti me sacio, vivo e respiro.
Obrigado, minha querida, por me teres trazido mais um presente.
Na manhã seguinte, Elianor apanha o autocarro. Hoje segue só.
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