sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Cieiro



Depois de pôr o batom do cieiro nos lábios, a menina com chuva olhou-se ao espelho.

Deitou um pacote de açúcar na cama e despejou-se em cima. Hoje não tem vontade de sentir-se bem.

Chama-se menina com chuva àquela que por coincidência ou super poder leva chuva para onde vai. Certa terra em dia de Verão leva com chuva se essa menina para lá for. Certa terra em dia de Inverno fica sem chuva se essa menina de lá partir.

Levantou-se pegajosa, vestiu-se e foi correr. Os poros vomitavam suor salgado que nauseadamente escoriam no meio de tanto doce. Olhou para o céu… “se ao menos a água que cai fosse exsudado das lesões por humidade que as nuvens têm.” Chorou. Muito.
Já em casa e de olhos inchados, usou bolinhas de algodão embebidas em lixívia e passou suavemente pelas pálpebras. Aclarar as ideias. Sentou-se no sofá e esperou pelo sol. Esperou e quando chegou ao “u” fartou-se e foi fazer bolachinhas. Amassou, enformou e pôs canela por cima. Esperou pelo tempo com mais paciência, tirou as bolachas do forno e comeu quantas o estômago permitiu para que depois as pudesse obrigar a sair pelo caminho inverso.

A campainha tocou e a menina com chuva não ouviu.

Tinha acabado de entalar um dedo na porta do armário e olhava a unha estalada. Fez o curativo com álcool (na verdade foram 20 minutos com o dedo mergulhado).
À noite jantou cubos e gelo. Guardou os bocadinhos de dentes que cederam dentro do saleiro e pensou ir deitar-se. Pegou no saco do lixo, encheu-o até metade com água da chuva. Já no interior da arca frigorífica, meteu-se dentro do saco. Em posição quase fetal e só com um braço de fora, esticou-o e com a ponta dos dedos conseguiu fechar a arca.

Adormeceu com alguma facilidade. Ainda bem. 

3 comentários:

  1. Por isto ou por aquilo, por nada e por tudo, há muito que aqui não espreitava.Hoje espreito e reencontro-te. Sempre igual na diferença. Sempre tão bom ler-te. Ainda bem ;)

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  2. E quando penso que a imaginação atingiu o limite nas palavras que não se inventam, aqui está a prova de como esta escrita está para além de tanto que sentimos.
    Bravo!

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