Todos os
homens sabem quando estão prestes a morrer
Sim, juro-vos
que sim, não tenho qualquer ilusão!
Pois,
enquanto bebo este chá e vejo as horas passar, umas a outras suceder, sem
pressa de saber quando ou como vai ser
Sei que vai
de qualquer forma acontecer
Não precisa
do meu sim, desdenha do meu não, foge entre os meus dedos, para além de
qualquer possível rasgo de compreensão
O que dizer
então?
Se a vida não
é mais que um episódio mal contado, incoerente e disparatado, emaranhado em
palavras por dizer
Que esperas
tu, que posso eu saber? Nada mais, nunca irás saber
O que
acontece na mente de tão estranha gente, delírios, febres e sonhos enrolados,
desejos decepados, anseios atormentados, quereres inacabados
Tristes fados,
todos em tristes gavetas arrumados, por tristes realidades trocados
Queria eu
saber como carregais então vossos fardos, não serão eles demasiado pesados?
E voga, vago,
como um tépido vislumbre pardo, passo a passo, escondido entre um distante
afago, na memória pesado, como poeta sem resguardo
Aguardo
Bebo mais um
pouco de chá frio, como uma distante manhã de inverno
Terno, vazio,
eterno
Impróprio,
dizeis vós? Pois grito eu, de viva vós, impróprio por certo, mas por que
decreto, lei ou regulamento, podeis determinar, mesmo que por um momento, a
natureza do meu tormento?
Não será
vossa lamúria, lento queixume, incúria, testemunho de vaidade?
Quem vos deu
o dom da verdade, da régia clareza de decisão, para dizerdes se sim, se não, se
vivo ou pereço… quem sois vós para saber o que eu mereço?
Ou deixo de
merecer…
Que sabes tu,
abutre dos meus dias, o que me irá acontecer
As horas
assim devem ser saboreadas, em pequenas bicadas, catando migalhas de eras
passadas, por águas turvas levadas, rio abaixo, poderosa corrente
Estarei assim
tão diferente? Serei eu este eu que me mira jocoso? Olhar indigente, a mim
próprio indiferente, uma réstia de gente que escorre meloso entre os ponteiros
inquietos
Despertos,
estes nunca cessam de caminhar, marcam passo, gritam alto sem parar
O teu tempo
está a acabar
Pouco resta
deste chá, deste dia, desta luz
Todos os
homens sabem quando estão prestes a morrer
Será assim
tão mau partir? Fugir, roubar o ritmo ao coração, fechar a cortina e zarpar?
Mas afinal para onde poderia eu ir? Será como dormir?
Se da última
gota do último sonho da última noite fizer veneno, enrolado num fio, ficarei pequeno,
tão pequeno que me perca no vazio? Infinito
E então, e
então… nada mais haverá para dizer, menos para compreender
Uns irão
comentar, já se estava a ver e nem um minuto irão perder para a minha façanha
entender, não foi feita para ninguém impressionar, só para entreter
E é isto. Foi
isto. Um espectáculo que alguns chamam de viver
É isto viver?
Passar pela vida a correr, tudo tocar, nada agarrar, tudo querer? Para nada
poder levar, para onde quer que vamos, quando tudo desaparecer…
Afinal, viver
é saber morrer
A hora é
tardia, a noite fria e a alma, por fim, vazia, como esta chávena onde antes belladona
fervia
Restará esperar
por Atropos, minha guia, numa noite que jamais verá nascer novo dia…
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