quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Voo TP 706





Até mesmo os olhos fechados ao exterior, aceleravam o coração na corrida para o mundo a descobrir por dentro outras coisas, tão novas que lhe eram agora intimidade suprema de si.

Colecções de lembranças em caixas de cigarrilhas, douravam-lhe a pele, o cabelo, o olhar de uma luz ambarina.

De mãos dadas com o tempo, escreve, descreve, imagina… sucinta textos desfragmentados a tinta permanente, azul, cor da infância e dos laços nas tranças. 
Crepuscular o vazio do estômago quando o avião levanta voo, num misto de grito incandescente de vida escorrida dos dedos que se conformam nas mãos esculpidas. Como se fossem mármore.

Viaja em velocidade uterina, o sabor do jantar a passado, como quando se deseja muito algo que acontece decorrido tempo demais, o sabor a guardado, quase naftalina bolor de prado estéril.

Aquela noite era diferente. Imperava o contraste de uma tarde de insónias misturadas entre o fabricado, o fumo de palavras implícitas, os cheiros dos restaurantes take-away. O jantar desconfortável na busca de olhares em que as mãos eram o repasto e os dedos, sinfonia.

Queria tudo, numa fome e sede profundas, coloridas, licorosas.

Então num gesto em que se fecha e desenha, confirma o modo avião no telemóvel, na esperança de uma sms de última hora.

Cerra as pálpebras no gesto de raiva que lhe fere o lábio inferior. Entre um soluço mudo e uma lágrima invisível, engole o adocicado do sangue que é também, rubor.


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