segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Acho que a única coincidência era que ambos tínhamos o esqueleto delicado e leve. Era assim que me via: um sortido de ossos que se encaixavam perfeitamente, tal como as bolachas de manteiga naquelas latas cilíndricas achatadas com desenhos requintados.
Uma repetição de sabores do início ao fim, assim como as minhas horas que passavam na mesma cadência crocante da cal nas paredes. Às vezes, até podia afirmar que as paredes pareciam casca de ovo, de onde eu queria nascer mas nunca conseguia mais do que abrir uma simples fenda. Era ali que eu manifestava a minha força, nas fendas ramificadas que se alimentavam de raízes gulosas por sol. Foi exactamente por isso que eu me desenraizei do meu chão. Sentia que o que estava à mostra era menos importante que o que estava enterrado. O que estava à mostra sofria com queimaduras solares, o que estava enterrado sofria com o escuro húmido. 
Consegui inverter a situação.
Consegui inverter a situação mas ainda não decidi se sou mais feliz agora. Até porque ainda não decidi se quero sentir-me feliz. Felicidade não me cai bem, deixa-me com refluxo fantasma de memórias.
Agora no meu canto, ao menos não tenho que me preocupar, nem sentir a pressão craniana de quem quer ir longe mas não está no mundo certo, nem na época certa. Da minha cabeça aberta podem emergir todos os instantes confeccionados em lume brando, subindo através de sonhos em vapor e ficando condensados nos rostos de quem me visita, de quem deseja-me visitar, de quem tem a chave deste jazigo, de quem já forçou a fechadura, de quem traz flores, de quem não entende porque quero estar aqui. 
É que eu quero muito ficar por aqui.


Foto: Fernando Vianna

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Desafio: Reminiscência rasgada

Desafio com fotografia de partida… ou chegada. Até onde irá e como termina é convosco.

Foto: Fernando Vianna

Não se esqueçam de associar uma música à vossa prosa ou poesia (ou ambas) e de colocar a etiqueta “Desafio: Reminiscência rasgada”.
O prazo de entrega é dia 31 de Dezembro, 2017.

Até breve!

quinta-feira, 22 de junho de 2017

ovelhas que já não me balem

caminhava eu meio desligado pelo campo quando
me apareceu pela frente um velho pastor que com voz de tenor
se meteu a cantar assim que me viu aproximar
de repente, com o ruído, a frequência, e o canto
todo o rebanho balou e som tornara-se tanto que eu me adensava de espanto
preso ainda à imagem do velho pastor sentado e resignado
à estatia do passar do dia, que cantava enquanto versava a sua poesia
perco-me em campos e campos, e verdes e verdes
e solidões e solidões, e multidões e multidões
de nada, de tudo, faço-me à estrada para ver se me acudo
e chego ao campo e denoto que o pastor está agora mudo
fico confuso, salta mais um parafuso e os pés andam cada vez mais tortos
sem saber se é campo, se é vida, se é hora de desviver no tempo dos mortos

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

São Morte




Ondulado
Do lado que a menos favorecia
Parecia uma pasta prensada contra a almofada
Fadada de durões de esponja e algodão
Algo de cordão que apertava como a angústia
Tia da opressão e mãe da depressão
Depressa São percebeu que ondulado marcava cada vinco
Com afinco na orelha daquele lado envolvido
Olvido de perguntas existenciais e de toques no ombro com suavidade
Pois a sua idade era como um copo cheio de limonada
Nada doce mas apetecível à morte
Corte forte na sorte
Suporte de coração pendurado à cabeceira
Mas cabe na feira de almas escolher
A colher que vai mexer o copo até transbordar
O bordar de uma assistolia
Assim lia São na iris enquanto soprava
Só p’ra afastar o cabelo ondulado
Do lado que primeiro se trasladava
E dava um abraço no vinco, na dobra, na sobra
Da obra com mão de bola de sabão.

~

domingo, 4 de dezembro de 2016

(...) E a belíssima melancolia das estreitas ruas Lisboetas que atravesso nesta noite enchem-me outro copo de vinho que acompanho com um cigarro. E menos uns anos de vida que perdi por cinco minutos de saborear este mesmo cigarro que tanto ansiei. O vinho nunca me soube melhor. Eu, sinceramente, não sei o porquê. Pensando sobre isso... diria que é pela saudade. Não do vinho, porque essa nunca existe... e dos cigarros muito menos, pois fumo um a cada hora ou menos. Mas a saudade de deambular por Lisboa, a saudade de ver a noite cair sobre os prédios arruinados, a calçada que na turva bebedeira se torna o maior obstáculo a alcançar, as luzes que avistamos de cada miradouro, a poesia do vento que por aqui atravessa. A saudade disso tudo faz com que tudo pareça melhor, o vinho, os cigarros, as pessoas... até mesmo as ruínas históricas de cada rua parecem ter uma beleza impossível de traduzir. E mais uma vez... pergunto-me, como? Como é que num país onde se respira melancolia em cada esquina se pode encontrar tanta beleza que em mim eu não vejo?!

quarta-feira, 4 de maio de 2016

N is for Neon [The alphadeath Codex]

















Drifting relentless
A sea saw sway takes me away
Far, far into foreign shores
Where amongst the pebbles and the seaweed
I lay to rest one more time

The salty corrosion of my bones
Carved the most curious form of writing
Like a mermaid’s suicide letter
Maybe a starfish telegram
A seahorse dances in the ebb and flow

A murmur from the deep resonates
All is quiet, all is loud
A thunderstorm rips apart the endless horizon
Making the sea foam glow in electric blue
And the ocean lit up like neon

I here again, I’ve been here forever
Dreaming and drowning in sorrow
Marooned in a lonely place
Seagulls come to sing at my wake
As my body becomes sand and my soul turns to salt

segunda-feira, 5 de outubro de 2015




descubro-te entre as gotículas de espuma que o mar inventa para me dizer de mansinho que as tuas cartas não mais terão carimbos dos correios das cidades que visitas anónimo e despido de mundanismos patéticos que alimentam falsas aparências de virilidades amputadas pela idade que são apenas dois algarismos.

lembro-te em labaredas de sorrisos e teorias catedráticas sempre que me olhavas na plateia onde me misturava com outros ouvintes atentos de  espanto bebendo-te as palavras como que tem sede de viver, amando-te em segredo nesta paixão proibida e trágica, nesta memória que não esquece, no fim do mundo que foi a tua morte prematura numa partida sem aviso, neste (a)mar que me é sal, vale de lágrimas em silêncio, na música que és e (me) sabes a violetas sempre que me murmuravas promessas. 

deveria estar zangada por não cumprires a mais importante, a de não te ausentares sem regresso, a de não partires sem chegares a uma cidade qualquer, eu que ainda guardo os sobrescritos carimbados numa volta ao mundo donde não voltas. 




quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Revesti-me a pele,
o suor do nosso amor,
o calor arrepiante das minhas costas,
socorre-me a carência,
e esvaíra as minhas desilusões.

Agora, eu nem penso
a amargura desvaneceu
a minha fala são os meus gestos,
e só consigo tocar-te.
Só consigo querer tocar-te.

Afogo-me nos teus olhares,
Os meus dedos tremem,
O meu coração palpita…
Os meus lábios perdem-se no teu corpo,
A minhas mãos exploram toda a tua essência,
Desisto colada a ti,
Os nossos corpos juntam-se e somos dois

De tanto me perder em ti,
Fiquei esquecida de mim
E hoje sou algo ou alguém,
Mas hoje,  desejo-te.




quarta-feira, 24 de junho de 2015

#LoveLetter_AITD


Boa noite,

Venho por este meio dirigir-me à  AMOR (Associação Mortuária Originária de Rancor), com o objectivo de reclamar do serviço prestado pela mesma.

Como deve constar nos vossos registos, há cerca de um mês recorri à AMOR e comprei-vos o pacote “morte súbita”. Apesar de no início ter ficado satisfeita com os resultados, acontece que ao fim de uma semana, a paixão voltou e desde então não voltei a conseguir desfazer-me deste sentimento.
Como o “morte súbita” declara o óbito do cônjuge, neste momento passei de ódio pela pessoa, para um amor impossível, uma vez que a mesma se encontra sepultada no meu quintal (tal como indicava o “passo 6” nas instruções).

Desta forma, exijo ser reembolsada e indemnizada por defeito nos serviços que me foram prestados, sendo que toda a confiança que tinha na vossa Associação foi quebrada.

Aguardo contacto breve.

Sem outro assunto,

Piedade





sábado, 20 de junho de 2015

Desafio ‪#‎LoveLetter‬_AITD

estão convidados a escrever(-nos) uma mensagem de amor apaixonado, desgraçado, obsessivo, magoado, excitado, embaraçado, desengonçado, aprumado, frio, oportunista, violento, poético ou obsceno. use sempre o tag #LoveLetter_AITD

Como dizia o Nick Cave, Let Love in!

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Impossibilidades

É onde a cabeça de uma sweet little sixteen cai, frequentemente. Rola, desespero abaixo e, pum, estilhaça-se no vazio. Foge, acelerada, do...