sábado, 10 de março de 2012

AINDA NÃO

Dá-me vontade de olhar para os rostos das pessoas. Mesmo sabendo que a sensação é de impessoalidade e que a maior parte dos olhares são vazios, fechados, introspectivos ou simplesmente ausentes. Causa-me tamanha curiosa impressão. O vai-e-vem. A desumanização das relações que se prolongam para além destes momentos de trânsito. Tudo misturado. Todas as cores e formas de vestir. Todas as raças. Gosto e não gosto de me sentir anónima nas pequenas multidões.

Nos bancos do metro, esperas em não-lugares que não são nada senão antecâmaras de uma outra coisa qualquer. Mas sinto falta de ar. Não é que não respire. Inspiro oxigénio e exalo dióxido de carbono como todos. Mas falta-me a dimensão da luz do dia. E fico feliz por o meu lugar não ser ali, e de não pertencer a coisa nenhuma feita pelos homens. Por os meus olhos serem livres de ver outras paisagens. O mar, o céu azul, os vegetais rasteiros e as plantas mais altas, os pássaros marítimos, os nós retorcidos dos chaparros. O cheiro doce do calor e da falta de chuva. De não sentir falta de ver gente, e poder vê-la em tanta diversidade e quantidade quando viajo. O que fica desses cruzamentos incorpóreos quando regresso? No vazio de tantas caras, será alguma verdadeiramente inesquecível, especial? Será a promiscuidade dos encontros casuais uma realidade tão necessária ao esquecimento das penas, para quem não tem certezas de querer encontrar um caminho? Isto é assim tão óbvio? Para mim, não. Ainda não.

É certo que o meu porto seguro me dá paz e tranquilidade, e que as incursões no incerto me fazem correr mais depressa o sangue. Porém descubro que ainda consigo sentir. Não perdi a capacidade de admirar as coisas e as pessoas. De me apaixonar pela forma como uma gota de água escorre pelo cálice de uma flor, pela forma espontânea como alguém sorri, a curvatura do nariz. Conservo uma centelha de pura esperança na possibilidde da mudança e de empatia. Não ser só mais um corpo em rápida fuga escada acima para uma carruagem qualquer no subsolo. Não ter de ingerir mágicas poções para dormir sem pesadelos, nem outros venenos para enfrentar o trânsito nas ruas. Poder ser, ou não ser, estar onde e como quero e me sinto no momento. Sem me sentir esmagada.

Na minha cabeça escrevo: vou ultrapassar os pequenos obstáculos e tentações em nome de uma meta maior e mais longínqua. Trilhar o meu próprio caminho, que não é em nada igual ao de mais ninguém. Nem queria. Mesmo que quisesse. Nunca foi. Não saberia como não sair do trilho pré-existente.

Disseram-me tanta vez: “não te estragues”. E apesar da vida não ter sido como sonhei, dos penetras, das rugas e das noites mal passadas, dos chocolates, dos dias de tanta chuva sem sinais de ver o sol nascer, das dores, das mágoas, das ausências e inconsistências, ainda acredito no amor entre as pessoas, no altruísmo, na dádiva desinteressada, na bondade.

Ainda não apodreci.

MM’ 8 Março 2012

3 comentários:

  1. Emoções sentidas por todos nós, mas em épocas diferentes da vida, em momentos mais ou menos longos....Por tudo isso.... por sentir e não saber descrever com tamanha beleza..... é maravilhoso ler teus textos. Obrigado

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Muito obrigada ou por essas palavras tão gentis! :)

      Eliminar

Impossibilidades

É onde a cabeça de uma sweet little sixteen cai, frequentemente. Rola, desespero abaixo e, pum, estilhaça-se no vazio. Foge, acelerada, do...