quarta-feira, 6 de agosto de 2014

DOZE

Correm em mim sombras negras, correntes que escorrem pelos meus dedos moldando o mundo, por isso te digo, deves afastar-te de mim sob pena de seres consumida, depois nada mais restará e a noite será eterna.

Afagava sentado no banco do jardim as teclas do telemóvel silencioso, como se aquele pedaço de matéria inerte pudesse matar a sua solidão.
O vento levantava o pó do caminho, levava com ele o seu olhar perdido, o olhar fixo num ponto invisível enquanto as pessoas esbarravam numa linha ténue entre ele e o fluído humano imparável.
Espremia à sorte as teclas, como se de facto o grande texto revelador da sua condição estivesse na sua mente e disparasse à velocidade da luz para a ponta dos seus dedos cada letra, fazendo o sentido ansiado.
Levantou-se com o olhar ainda fixo em lugar algum, deu doze passos. Exactamente doze passos como cada hora do relógio e seguiu indiferente ao barulho, aos destroços, ao sangue derramado, enquanto o banco de jardim se desfazia sob lata amolgada e o telemóvel abandonado tocava a rebate.

Assim seja.
Será então eterna a noite, enquanto juntos vaguearmos por este lugar disperso nos sonhos, continuarão a fluir de mim negros gestos, e nos meus olhos as lágrimas secarão, pois na escuridão tudo é uniforme, restar-me-ão os gritos e a insanidade da paixão.

Bruno:Carvalho

4 comentários:

  1. Olá Bruno! Espero reler-te por aqui muitas vezes :)

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  2. Muito cinematográfico. É como um pequeno filme em que em cada parágrafo mudas o plano ou o movimento da câmara para focar ou dispersar a nossa atenção. Lembrou-me, por esta razão, o "Short Movies" do Gonçalo M. Tavares. E sê bem-vindo.

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