sábado, 26 de maio de 2012
Esquisso de Caeiro
Quem me dera ser um pequeno Caeiro
E nada saber.
Tudo ver e nada crer.
(Fosse eu a surdez que pairasse no seio da imensidão deste barulheiro)
Mas calada a voz, berra a mão
E a mente surda tropeça e cai no chão.
Pequenos pedaços de mim dançam pelo asfalto
Ao som de uma música silenciada por um soluçar cabisbaixo.
Quando tudo se tenta complanar, tudo se esquiva e nada se encontra.
Nada vejo, fustiga-me o paroxismo sentimental que me confere uma paisagem cenosa.
É hora de tudo crer.
(Houvesse outro remédio)
Que se foda o Kant, que se foda o Descartes, que se foda o Sócrates,
Porque nada inibe a vontade, porque nada é intencional,
Porque o relógio quer rodar no sentido anti-horário,
Porque tudo é latebroso e nada é certo,
Porque tudo quanto que me incrassa o coração e me combure a carne
É concolor e me compele a necessidade de o menear de mim.
Porque eu não sou Caeiro e penso.
Porque eu sou dois: Alma e Coração.
Um deles se acidentará.
Que seja o coração porque a alma é eterna e descinge-se a toda a parte.
Que seja a alma porque só existe um coração e se se desdoura tudo fica pobre e incompto.
(Puta que pariu estas retóricas das três da manhã feitas a ouvir duas gotas de suor a cair pelo rosto da marioneta de Ian Curtis)
Que se foda a alma e que se foda o coração,
Porque os céus são grandes e aqui tudo é pequeno,
Porque
In heaven
Everything is fine
You got your good thing
And I’ve got mine,
Porque nos céus tudo é incorpóreo.
Fosse o céu a Terra, Que a Terra se nidificava em mim.
Tudo em mim é espuma em abundância e se dissipa com o vento.
Porque o presente é uma rajada de vento
Futura de um pretérito perfeito,
Cujo alento se resume ao intento de destruir o que já foi feito.
Mas chega de utopias,
Porque não adianta querer luarejar a vida
De quem é lucífugo.
Se nem o cego aprimorou o ouvido e
Se o estuque caiu e ninguém varreu o chão,
Resta esperar que o vento sopre os pós, levante poeira,
Cegue o surdo.
Porque eu penso e sinto,
Não sou Caeiro, sou alma e coração,
E o tempo não existe.
sexta-feira, 27 de abril de 2012
All is One
sexta-feira, 13 de abril de 2012
AMOR VERDADEIRO
E de repente já nada é suficiente, interessante ou chamativo. Tudo tão pouco, comparado contigo e o teu sorriso. Queria estar perto de ti. Abraçar-te, cheirar o teu corpo, olhar o teu olhar vítreo, beijar-te. E já nada interessa. Só tu. Será amor? Penso em nós quando acordo, acompanhas-me todo o dia, contenho-me para não te chamar. Não me custa. É doce e manso e calmo, sei que vou fazer a viagem para te ver, talvez amanhã, ou noutro dia qualquer em breve. Será que é isto a paixão a despontar novamente? Quero que sim. Que sintas o mesmo! Preciso de to dizer, mas não posso ainda. Nem nos conhecemos. Tenho de dosear a expectativa e a emoção, adiar o inevitável, ir dando aos poucos, sem pressas de transbordar. Mas ai! Esta barragem está cheia, não posso dar-te toda a água, não te posso afogar nem ao nosso amor menino, e ainda recém-nascido, verde e vermelho…podia telefonar-te, para ouvires a minha voz, mas não sei que te dizer. Que te queria abraçar e beijar? Só isto? Não. Há tanto que te tenho em mente…ainda é cedo. Será? O teu passado é um deserto sanguíneo que me assusta, cheio de areias movediças. E eu tenho tanto líquido. Penso que preciso de ti para me tornar mais sólida. Precisarás de mim para encharcar o teu seco sofrimento com alguma centelha de vida? Tanto para partilhar. Contigo? Sim. Queria.
Uma semana depois de te ter visto
Tenho saudades dos teus olhos de camaleão, de que ainda não sei a cor…será que um dia saberemos os dois o que é o amor? Os dois?! Juntos? Na minha pele imperfeita e nas tuas rugas de expressão seremos os mais belos um para o outro? Será tudo tão bom como no início, e muito melhor do que ao princípio? Naturalmente não vieste como sonhei; és tão diferente. Mas tão próximo de tudo o que poderias ter sido e sempre quis, e nunca conheci, e nunca vivi, e hoje és tu que me inundas o pensamento, e um dia vai ser tão difícil, impossível conter o que sinto, e receio que novamente o diga antes de tempo, que novamente o diga só por querer senti-lo. E que ainda não sejas tu…o meu barco, meu homem. E tu tens também de te conter, não te podes agarrar demais a mim, sou perigosa, posso apaixonar-me com tal intensidade que te inundo, e depois largar-te de repente quando a paixão se diluir e já nada em nós ser fluido... Não te quero magoar, nem te deixar rejeitado, só e desamparado novamente (não podes voltar a sentir isso!), fazer nada que te arraste para um turbilhão de voltares atrás e recaíres no que te faz mal. Não podes voltar a comer dessa carne. Sei que comias frequentemente as vísceras de outras mulheres e até de alguns homens. Mas olho para ti, tão sossegado e sei que não me vais devorar o coração. Somos filhos da mesma pátria, irmãos de guerra. E tu és assim tão sensível, e eu não te quero magoar. Ainda não sei nada do nosso amor. Nada que já não saibamos não ser possível saber ainda.
Uma noite depois de te ter trazido para casa
Assim que vi a tua foto naquele jornal velho em cima da mesa da pastelaria, sabia que serias meu. Os teus dentes de marfim, a tua pele escamosa, o teu ar silencioso e profundo ficam tão bem com a cor arroxeada do meu lençol. Agora fica imóvel e em paz ai deitadinho, eu volto já, vou só ali trabalhar um pouco (tenho de pagar as tuas prestações; não me saíste nada barato. Quem te possuíu anteriormente não te tratou lá muito bem, maldito caçador de troféus africanos, vieste cheio de pó e teias de aranha e com as unhas carcomidas, mas no preço que pediu por ti não foi nada manso!). Está uma noite boa, sem vento, os habituais esperam-me e pode ser que hoje o negócio corra bem. Como ontem não fui e fiquei contigo, hoje devo chegar mais tarde, mas sabes que lá pela manhã voltarei para o nosso cantinho e serei toda tua novamente. Não me posso esquecer de te trazer um creme para a pele, está tão seca, tenho de te cuidar bem amor. Ai como vai ser bom dormir abraçada a ti novamente, apaixonarmo-nos de verdade e sermos felizes para sempre! Temos a vida toda. Agora sei que nada nem ninguém poderá beliscar o que nós temos, que é tão especial.
Só pode ser amor verdadeiro.
- Pintou os lábios de vermelho berrante, ajeitou a saia justa moldada aos quadris ainda rijos e dourada como o sol do seu país longínquo, calçou as botas pretas de cano alto, viu-se ao espelho rapidamente, colocou a peruca loura apreciando o contraste com a sua pele de chocolate, sobre o corpo magro pôs o casaco verde comprado na loja do chinês, deu-lhe um beijo na testa e saiu do quarto apressada.
Na mala amarela, também comprada no chinês, como sempre desde que o lera pela primeira vez, levou na bolsinha interior ao lado do telemóvel topo de gama da candonga, o bendito anúncio, mais valioso que um bilhete de lotaria premiado, agora devidamente plastificado ao estilo BI antigo, que dizia:
“Crocodilo embalsamado. Impecável estado para colocar em cima do móvel ou no
chão. Tel: ….”
Uma hora depois de ter saído à rua
O réptil permaneceu quieto no seu esgar, sorrindo satisfeito, aconchegado
na cama de casal, tapado com a manta de lã cor-de-rosa, tricotada à mão pela
sua nova dona durante a solidão das tardes frias de Inverno antes de sair para
a vida.
(Depois de tanto sangue e de um longo abandono ao esquecimento, como é bom ser o escolhido de uma p*** com sentimentos).
MM’ 12 Abril de 2012
quarta-feira, 11 de abril de 2012
Tenta contar até 3…
O meu homem esconde-se entre a espuma dos seus pensamentos, que o afogam até aos dias do desperdício. De tempo, de vida, de fome. Persegue a sua própria sombra com os olhos rasgados pelo medo de nada encontrar do outro lado. Toca na sua língua e corta-se nas palavras afiadas que esta guarda para certas ocasiões sociais, quando leva a bílis a passear ou se enrola nos bigodes veteranos da ventania de outono, rumo a sul. Até que se embala na arrepiante luz da manhã que antecede a longa noite de pesar…
segunda-feira, 2 de abril de 2012
... de água salgada
sexta-feira, 23 de março de 2012
estática formidilo
A passear pelas entrelinhas de um jornal
a formiguinha com borboletas na barriga
contorna a palavra embalsamado
e sente que algo está enredado.
Senhor seu marido o Crocodilo Camilo
invoca o seu estado e diz-se aprazível
mas a formiguinha só chora de desgosto
pois o seu amor em anúncio foi posto.
Encantada com a sua mandíbula
as núpcias fizeram-se apressadas
beijos trocados entre dentes e antenas
palavras mastigadas em contracções de fábula.
Agora todo o amor passa o dedo e sente escamas
pelo móvel pantanoso faz um trilho em passos seis
formiguinha alagada em lágrimas de crocodilo
escorrega pelo chão viúvo das damas-alfamas.
(Se o TeLhado estrelado pudesse ser um desejo afinado
formiguinha almejava que todo o sal se desfizesse numa folha de jornal
queria que as letras pequeninas fossem grãos de areia
para que as palavras anunciadas não soubessem a teia.)
quarta-feira, 21 de março de 2012
O SALITRE DAS ARRIBAS
Nos reflexos na janela esborratada pelas mãos da criança perdida
Revelou-se o desenho da tua memória nunca antes invocada
Quem és? O regresso adiado das coisas imaginadas e feitas jamais
Quem foste? Os sonhos inatingidos e castrados à nascença pelos próprios pais
Quando te deitas em que pensas? Na tua vida na que imaginas e na que tens.
Nas promessas de um caminho pelo qual afinal não vens?
Despido de todas as aberrações e capas.
Ser simplesmente como se é
Um chá. Numa terrina de sopa. Percebes a ironia? Estarei louca?
Seria a mesma ao acordar? Preferias café?
No teu olhar vejo o mar. A saudade das causas vencidas e das horas mal passadas.
As tuas ondas são mais salgadas. Trazem a maresia e os ares da montanha.
Que completa e encaixa na planície da erosão
Evocando um mundo maior onde o criador foi peremptório
Em separar as águas com avidez tamanha
Que a bebeu toda e no seu lugar deixou o céu.
E o teu sorriso de menino perdido que esborrata desenhos no vidro partido
Corta-me em perfeitos cacos e deixa-me novamente de braço caído
E totalmente atenta aos sinais
Aquele trilho que cobiço. É também por aí que vais?
Ao fundo dos precipícios altos
Ao preto negro dos basaltos
À seiva das ervas claras cheias de viço
Ao calor do beijo anunciado
Que antes de mim
Será roubado por uma das tuas servas
Que resmunga e te excomunga entre os dentes
E te encomenda a morte a gigantes valentes?
Seria mesmo assim?
Apesar do final do trilho ser sempre incerto
A minha testa de menina perdida que corta os pulsos na pedra partida
Poderia parar no percurso e descansar no teu peito aberto
E no final o teu corpo marcado pelas silvas encostar-se-ia à minha garganta?
Se tu fosses demónio ancião, eu seria uma nova santa
E o salitre das arribas ficaria contrabalançado
P’ la humidade relativa das nossas almas em colisão.
MM’ 12 Março 2012
terça-feira, 20 de março de 2012
Antes que o sol nasça
sábado, 17 de março de 2012
O mundo, teu
Por uma boca nómada
Onde todas as filosofias estão radicadas.
Circundada pelo ócio,
Ensopada pela vontade,
Exsurge-se-me a vontade de tudo abecedar.
E fosse o mundo um quadrado não explanado
Desvanecendo-se na vontade de ser achado.
(Assim giraríamos em linhas rectas, tal eco, tal eternidade)
E fosse o mundo o vácuo, que eu me calava
Só para te ouvir com os olhos.
(Pascendo-me nos céus, tal beleza)
E fosse o mundo tu e eu, mais nada,
Onde nenhuma metafísica minha estivesse errada.
(Tal utopia, tal cegueira. Paixão, essa, por inteira)
Mas tudo o que escrevo estropia-se no espelho.
Como um tiro falhado,
Sou poeta errante,
Estatuado,
Com ar de navegante,
À espera que a minha bala penetre o peito
De quem me causa deleito.
Sentimento abinício revela-se um esquisso.
Exumo tudo o que penso
Escavacando ao paroxismo do desalento.
Ego abúlico revela-se ábio
E nidificando-se em ti
Quer vida.
Agora, pasmo,
Chora, escondido na sombra de te ter luarejado.
(Pena que seja lucífugo)
Fosse o mundo o meu vómito.
Quero crer-me nele
E abluir pensamento.
Quero descrer-me que o seu motor
É como o vento,
Ora contra, ora a favor do nosso movimento.
Emanuel Graça' , 14 de Março de 2012
sexta-feira, 16 de março de 2012
Desafio: Anúncio para primórdio

sábado, 10 de março de 2012
AINDA NÃO
Nos bancos do metro, esperas em não-lugares que não são nada senão antecâmaras de uma outra coisa qualquer. Mas sinto falta de ar. Não é que não respire. Inspiro oxigénio e exalo dióxido de carbono como todos. Mas falta-me a dimensão da luz do dia. E fico feliz por o meu lugar não ser ali, e de não pertencer a coisa nenhuma feita pelos homens. Por os meus olhos serem livres de ver outras paisagens. O mar, o céu azul, os vegetais rasteiros e as plantas mais altas, os pássaros marítimos, os nós retorcidos dos chaparros. O cheiro doce do calor e da falta de chuva. De não sentir falta de ver gente, e poder vê-la em tanta diversidade e quantidade quando viajo. O que fica desses cruzamentos incorpóreos quando regresso? No vazio de tantas caras, será alguma verdadeiramente inesquecível, especial? Será a promiscuidade dos encontros casuais uma realidade tão necessária ao esquecimento das penas, para quem não tem certezas de querer encontrar um caminho? Isto é assim tão óbvio? Para mim, não. Ainda não.
É certo que o meu porto seguro me dá paz e tranquilidade, e que as incursões no incerto me fazem correr mais depressa o sangue. Porém descubro que ainda consigo sentir. Não perdi a capacidade de admirar as coisas e as pessoas. De me apaixonar pela forma como uma gota de água escorre pelo cálice de uma flor, pela forma espontânea como alguém sorri, a curvatura do nariz. Conservo uma centelha de pura esperança na possibilidde da mudança e de empatia. Não ser só mais um corpo em rápida fuga escada acima para uma carruagem qualquer no subsolo. Não ter de ingerir mágicas poções para dormir sem pesadelos, nem outros venenos para enfrentar o trânsito nas ruas. Poder ser, ou não ser, estar onde e como quero e me sinto no momento. Sem me sentir esmagada.
Na minha cabeça escrevo: vou ultrapassar os pequenos obstáculos e tentações em nome de uma meta maior e mais longínqua. Trilhar o meu próprio caminho, que não é em nada igual ao de mais ninguém. Nem queria. Mesmo que quisesse. Nunca foi. Não saberia como não sair do trilho pré-existente.
Disseram-me tanta vez: “não te estragues”. E apesar da vida não ter sido como sonhei, dos penetras, das rugas e das noites mal passadas, dos chocolates, dos dias de tanta chuva sem sinais de ver o sol nascer, das dores, das mágoas, das ausências e inconsistências, ainda acredito no amor entre as pessoas, no altruísmo, na dádiva desinteressada, na bondade.
Ainda não apodreci.
MM’ 8 Março 2012
Impossibilidades
É onde a cabeça de uma sweet little sixteen cai, frequentemente. Rola, desespero abaixo e, pum, estilhaça-se no vazio. Foge, acelerada, do...
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É onde a cabeça de uma sweet little sixteen cai, frequentemente. Rola, desespero abaixo e, pum, estilhaça-se no vazio. Foge, acelerada, do...
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I. Olha para ti, nem tens força para pegar em mim, quanto mais para me fazer feliz. Ontem ouvi dizer que me ias contar um segredo, a...