sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

[V] (desafio 'inocência)





Quero morrer de morte violenta
De morte funesta, dramática, caótica
Escolhido pela raiva homicida ou suicídio ritual
Quero que a explosão do meu ser faça vibrar estas paredes
Derreter os ossos em frémitos de relâmpago e trovão
Incendiar a boca, os olhos, os meus dedos para que jamais toquem em nada
Quero voltar ao nada, ao corte fundo que me fez nascer, ao negro da noite sem fim
Que caiam pedras do céu, que se abra a terra para me engolir e a chuva forte me empurre
De volta às entranhas do inferno, o familiar inferno que em vida me fez querer a morte
Mas não uma morte qualquer, oh não
Tem que ser feia, pérfida, doentia, dolorosa e fulminante
O sangue terá que escorrer vermelho escuro sob um chão duro e seco
Um último suspiro corrosivo e acre não deverá por ninguém ser entendido
Nem lembrado
Num gélido túmulo enterrado, em névoas de pestilência afogado
Quero que de mim nada sobre, e nada sobre mim se saiba ou se recorde
Especialmente
Quero que de mim não sintas falta
Quero que não vertas lágrimas ou sussurres oração
Quero abandonar o teu coração, exorcizar-me de teu corpo
Quero que vivas sem este espectro que te destrói e te mantém cativa
Que não mais acredites em amor eterno, que me renegues e condenes ao exílio
E que ergas o teu olhar para nunca mais me veres
E que a tua alma reconquiste a inocência

Quero morrer de morte violenta
E dar-te a serenidade de que nunca nada mais de mim saberás

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Canção de amor sem impurezas e asteriscos




Por favor 
Não me louves em endechas
Nem me componhas sonatas.
Já conheço as palavras mais frequentadas
E os teus sons e silêncios trabalhados
Escorreriam pelas minhas costas.

Não quero que lutes por mim
E que me tragas colinas e árvores azuis,
Arcas de sândalo
Debruadas com fitas de cetim.
Eu sei a que cheira  a terra queimada.

Não quero que me ofereças as tuas veias
Para cortar ou beber.
Não creio que haja líquido dentro delas
E não penso que possas  viver dentro de mim,
Numa ópera negra.

Não preciso de ver o teu caderno de rascunhos,
O delicado lado avesso onde realmente moras,
Com os pontos mal dados e as linhas atadas.
E sobretudo
Não preciso da tua cabeça cansada nas minhas mãos
Se vais amputá-las  dessa leveza inesperada.

Não precisamos deixar-nos à espera
Enquanto tecemos teias
Com beijos de falsário  e abraços metálicos.

Não precisamos de sentir crescer o limbo,
O sabor do escurecer do sol,
O olhar para o relógio à espera do intervalo.

Também não queremos o coração parado,
A martelar marchas fúnebres
E estática.

Descansa…

De ti peço apenas a estrada repisada 
O desejo estéril
O calor que passa pelos teus lábios entreabertos
E as tuas impressões digitais nas minhas coxas.
Pouco, como vês…

Eu sei que a verdade não existe
E que o amor, por dentro, é feito de folhas rasgadas.
Sou uma perfeita esfera cauterizada.
Comigo não precisas de te levantar
E fecho a porta atrás de mim.


Vens? 

domingo, 26 de janeiro de 2014

Desafio "Inocência"

Inocência.  É este o tema do nosso próximo desafio.
Claro que estão todos  a pensar em cordeiros, pombas, lençóis brancos,  anjos,  margaridas,  flautas,  Éden,  pureza, ingenuidade, total isenção de culpa...  É,  não  é?  ;)
Até ao dia 21 de Fevereiro,  deixem fluir imaginação e  tinta e criem contos ou poemas provocados por esta palavra tão... singela.  
Não se esqueçam de associar uma música e/ou  imagem aos vossos textos e de colocar a etiqueta Desafio “Inocência”.   Que as musas estejam convosco.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Cortar pelo tracejado



A menina do sono confuso
Deveria picar o dedo num fuso
E da ponta do dedo nasceria um tracejado
Feito com caneta de feltro e mal-amado
Iria de traço em traço até ao umbigo
Iria de traça em traça até ao jazigo

Dormiria em grãos de café
Para ter sonhos de dar ao pé
Ou alinhavaria insónias aos lençóis
E teria noites rápidas como os caracóis
Ao amanhecer beberia chá de tília
Para agradar às tias da família

Vestiria saias de princesa
Com corpetes de turquesa
E sapatinhos com fivelas
Para dar à sola nas ruelas
Prenderia os cabelos dentro do chapéu
Num belo sudário para o céu

Por fim ao fim de muitas estimativas
As más-línguas fazem doer as gengivas
A menina de dedo picado
Passa o traço pelo olho vidrado
Agarra com a mão na cavadeira
Só irá parar no branco-caveira

terça-feira, 21 de janeiro de 2014




Não mais erguerei esta tocha. Cortar-me-ão as mãos em finas fatias douradas se ousar desafiá-los.O horizonte é agora um amontoado de punhais escarlate de dois gumes. Abotoando este vómito ao longo do caminho procuro a porta secreta para um assentamento de espáduas, mas esta corrente acida mastiga-me suave e parcimoniosamente, sem cessar. Cessar-fogo. Fogo sem artifício. Artífice da escultura derradeira que dissolverá este satélite obsoleto com raios flamejantes. Embala-me vagarosamente os sonhos até que o céu se desligue.

domingo, 19 de janeiro de 2014

Bolo de Laranja com Trovoadas Dentro



Quando o teu avô me viu pela primeira vez, era domingo e ele andava a passear de bicicleta. Passou por mim e pela tua tia, vestidinhas de missa, e disse que eu tinha olhos de trovoada. Vi-o afastar-se agarrado ao guiador, a olhar para trás com um sorriso de sorte e certezas, até desaparecer à esquina dos Armazéns Abel Pereira da Fonseca.

Depois passou a vir escudado pelo teu tio Sebastião, como um Dom Quixote com o seu Sancho Pança, como se eu fosse um moinho de vento. Sentavam-se na sala mobilada com a poltrona velha que a patroa nos tinha dado, mesa e duas cadeiras. Ele, com o cabelo bem penteado em ondas de Clark Gable, solene no seu melhor fato como se fosse tirar o retrato. O Sebastião e a tua tia Natércia iam para a cozinha fazer café e namorar à vontade e nós ficávamos ali, de joelhos juntos, a olhar um para o outro clandestinamente e à vez, um parto difícil de palavras a embrutecer-nos. Era sempre eu quem rachava o silêncio ao meio:

 – Fiz bolo de laranja. Queres?

Sempre achei esquisito como é que um homem que nos diz que temos olhos de trovoada, da primeira vez que bota os dele em cima dos nossos, fica depois calado como um rapazinho quando está a sós connosco na electricidade das matinés. Mas se calhar foi sempre por causa disso que gostei dele – tinha muito mais talento para agir do que para falar.

Não podia compreender que eu não sentisse, como ele, saudades dos montes de fábula negra, com suas cabeças gigantescas de granito, tufos de gestas e ervas rasteiras; do gado a regressar ao fim da tarde numa nuvem dourada de pó a levantar-se sobre as ruas da aldeia, das procissões lideradas por velhotas de buço, devotas de ditador. Não trabalhou nas minas de volfrâmio com vontade de fugir a cada 5 minutos, a sensação claustrofóbica de uma agonia que não passa nem no sono. Não ruminava remorsos de raivas antigas que nunca vazaram, a fermentar por dentro como mau vinho. Mas, se calhar, foi sempre por causa disso que eu gostei dele – tinha a brandura dos que não se deixam inquinar pela vida.

 – Estás com olhos de trovoada, mulher...

A velha poltrona do quarto de costura da Dona Nela, a mesa pequena e as duas cadeiras, nós dois de joelhos juntinhos, lá ao fundo.

 – Fiz bolo de laranja...

Gostava que o tivesses conhecido antes de se tornar no solitário devoto que te fazia o sinal da cruz na testa, à entrada de casa, e consertava rádios na varanda, com peças avulsas compradas aos coleccionadores de nadas da Feira da Ladra. Antes de começar a ir todas as tardes à Igreja de Benfica e a refugiar-se numa bolha imune ao passar do tempo, imune ao rugir do mundo. Mas, se calhar, sempre foi por causa disso que eu gostei dele – tinha muito mais talento para os avessos que para os direitos.

Lembraste de quando ele foi e veio de Benfica ao Beato a pé, numa tarde? Desaparecia depois do almoço e só o voltava a ver ao jantar. Às vezes andava à deriva por Lisboa sem dar conta de onde estava, sonâmbulo a avançar sinais vermelhos, estorvo na corrente a dar encontrões aos operários da Rua Augusta, que iam a caminho do barco das seis da tarde. E quando saia do transe, dava por ele outra vez na Doca do Poço do Bispo, como um velho rafeiro que volta a casa pelo faro. Mas se calhar sempre foi por isso que gostei dele – voltou sempre, guiado pelo norte magnético do instinto ou pelo cheiro a bolo quente.

Foi quando começou a ligar dos sítios mais estranhos – assustado na cabine telefónica de uma rua anónima de Caneças, Carregado, Viseu - que eu soube que o tinha perdido de vez. O teu pai saía do trabalho às pressas e ia buscá-lo onde ele estivesse, a tremer e de bolsos rotos, já sem o casaco, a carteira, os óculos de ver ao perto. Quando chegavam a casa, ia sentar-se na cadeira dele da cozinha e ficava para ali horas, zangado consigo próprio e a tentar traçar a rota que seguira quando saiu de casa, sem bússola nem mapas na memória. Eu ia lá antes de começar a fazer o jantar, passar-lhe a mão na cabeça.

 - Fiz bolo de laranja. Queres?...

A última vez que o teu avô me viu foi num domingo, quase 50 anos depois do primeiro. Estava internado e eu tinha passado a tarde ao quarto de hospital que ele dividia com um nonagenário cansado de viver e um homem mais novo, que coleccionava enfartes. As famílias deles em visitas demoradas e culpadas de fim de semana, falavam baixinho das doenças umas das outras, do Sporting, do casamento da prima Matilde. Em três horas o teu avô disse duas frases. Quando me senti vencida pelo silêncio e pelo cansaço, dei-lhe um beijo na testa e peguei no casaco para sair. Os olhos dele parados nos novelos de nuvens cinzentas, lá fora.

 – Vem aí trovoada...

Já passaram 15 anos mas, às vezes, ainda sinto um sobressalto a meio da tarde, a telefonia sintonizada na Radio Renascença, a chover lá fora e a imagem dele numa rua anónima qualquer de Setúbal ou Rio Maior, a tentar voltar para casa, assustado pelo norte magnético perdido. E eu sem bolo para lhe dar.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

E is for Ego [THE ALPHADEATH CODEX]






Away from the barren heath
I wandered a thousand days seeking no man or home,
Alone, a shadow passing among the passing shadows.
For I’m condemned to be a stranger in a stranger land,
Like a beggar at heaven’s gate stretching his hand.
My destiny,
To have but not to hold, a sinner’s soulless soul,
Forever immortal, death in life contemplating
A life in death, wailing, waiting,
Wasting…

Failed, you said
To which I sad replied
Failed for I am still alive
And failed to stay
With those who died

You know,
One day a child is born,
Mother’s bliss, father’s joy,
Raised to become a strong boy,
And to take a gun for a toy.
And inside him, day by day grows
The basic instinct that every man knows
That leads youngsters to unknown battleground
And makes heavenly music from the blazing sound
Of guns and metal, grinding youth to the ground.
For the power of will
Gives birth to the joy of the kill,
To which no recruit heart is hostile

So,
I left town, bid farewell and left
Like a thief in the starry night, I crossed the hall gates
Bathed by the silver moonlight, feeling blessed.
To return to my kin I promised, once and forever,
As a hero, to be carried in shoulders,
My name in gold,
Marking the door of my once home,
Women falling at my feet, a man’s ideal reflection of themselves
Only better, stronger and with power unleashed!
An Olympic champion I would be
As no warrior you would never see
 
A long line of pale skinny lads
Spread across the cold amber dawn,
Fed the hungry machine that swallowed us all.
Glory to those that write their name in Aries list,
For they are no longer simple man to exist,
But gods in potential
Soul quintessential.

The roar of battle called our name
Like the clapping hands that reward fame.
We marched! To victory we claim,
To become praised like no other,
The rush to obey the order,
That would turn these young men
Into gory cannon fodder

Then,
Nothing!
Oblivion I prefer to recall
For instead of something
I’d prefer nothing at all

To this day remains blurry
The result of all that blind fury
Oh, human nature revealed,
In those camps written in blood!
A story of many, the story of none.
Bodies spread across the drenched sand,
I felt the sea wind sweeping the weightless souls  
As I sat and watched the hours pass, endless
Shell-shocked, in a dreadful place,
A sole survivor in a wasted shore,
Condemned to return home nevermore…

Being alive is not the same as to survive,
Because a man that lives is still a man
And a survivor, oh, some would say
Is a mere glimpse in an endless horizon,
Covered in red, masked in gray.

A crow’s lament drowned in a spiral of pain
Elyzium denied, condemned to endless blight.
From land to land I dwelled, in search of myself
And when to myself I turned, there was nobody else.
The peril of my life no longer a question to be behold,
Only the shear contemplation of a noble death,
Brought calm to this unquiet heart every now and then.

Yet, years rolled like a storm,
Washing the remains of my undead memories,
Leading me back home, or what once was one,
Not as a hero to be held in shoulders,
My luminous ego completely blown,
In a foreign shore, so long ago…

A vagabond to all, begging for food,
Watching simple men praising the glory of war,
Embracing something they didn’t understood,
Preparing themselves for the grip of disease,
To honor the dead and what for?
There is no glory in marching to hell!

Listen to the fallen, to what they tell,
Listen to the wind, the waves and the sky,
Just someone listen to me once 
And allow me to die…

Impossibilidades

É onde a cabeça de uma sweet little sixteen cai, frequentemente. Rola, desespero abaixo e, pum, estilhaça-se no vazio. Foge, acelerada, do...