quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Tília



No fundo da tua chávena abre-se uma fissura.
Agora a água do chá já não se contenta com a meiguice da porcelana.
Gosta e espalha-se pela toalha embebida em humores de ontem
e do outro ontem, e do ontem antes do outro.
Queres passar uma cabeça de dedo sobre tudo?
Dizem que ajuda a desencrostar as células mortas
do tempo em que a janela rangia influenza sempre para o mesmo lado
e tu espirravas verbos numa proporcionalidade directa.
Agora a água já não se contenta e não te passa pela garganta
passa pela corda onde penduro a toalha
onde esta seca.
Fica rígida com as conversas peniscas da rua
fica enrugada pelas molas de pernas sem joelhos
que nem mesmo o calor da inflamação consegue esticar.
Pois bem, hoje antes do ensejo do chá recordei:
Tu não és dotado de pulsações.
Atiras os meus pensamentos contra o vidro da janela
e esperas que a luz do sol projecte os meus desassossegos no chão da sala.
Depois, como se fosse possível
dissipas tudo para debaixo do sorriso
e com os pés em cima dele dizes que me conheces bem.

6 comentários:

  1. Um infusão de poesia e desassossego, intensa e brilhante, como sempre.

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  2. Um desassego que mexe, que desassossega, à medida que lemos mais sobre ele

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  3. "Atiras os meus pensamentos contra o vidro da janela
    e esperas que a luz do sol projecte os meus desassossegos no chão da sala."

    Esta é uma frases mais belas que alguma vez li.

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  4. Reforço a minha admiração. Mais uma e outra vez. Gosto sempre muito das tuas primeiras frases. E das últimas. E pelo meio também não está nada mal ;)Mesmo.

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  5. chá. muito. de jasmin. na Chaleira,no Bule,acompanhado por ti pela tua escrita...combinação perfeita para mim...obrigado:))

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