quinta-feira, 19 de maio de 2011
O Poder de Acreditar - Acto II
Acredito em mim
(mentiras sem fim)
Uma bela manhã de Sol banha-me a face
(odeio a luz, doem-me os olhos)
os pássaros chilreiam ao chapinhar no fontanário
(criaturas malditas, racham-me os tímpanos com tanto alarido)
as flores desabrocham e presenteiam toda a gente com mil aromas e um festival de cor
(venha a seca, a geada, o ardiloso inverno, e leve estes abortos da natureza para longe de mim)
Sinto a relva com os meus pés descalços
(não sou gente, não sou ninguém, não sou nada)
e alegro-me com o toque molhado dos restos do orvalho
(não sou gente, não sou ninguém, não sou nada)
e deixo que a brisa me acaricie a face
(...nada...)
vejo as crianças que jogam à apanhada
(rio-me dos seus corpos frágeis, ...tão frágeis...)
os cães que deliciam os seus donos com joviais brincadeiras e corridinhas
(obedeceaodono obedeceaodono obedeceaodono obedeceaodono obedeceaodono obedeceaodono obedeceaodono obedec...)
os jovens casais, trocam beijos e carícias, envergonhados ou sorrindo maliciosamente
(fornicai como porcos que sois, procriai e enchei o palco com as vossas larvas)
vejo meninas que volteiam nas suas bicicletas, cheias de fitas que ondulam ao vento
(todas as mulheres são patéticas, ridículas, execráveis e umas grandes cabras)
enquanto os garotos se entretem a jogar à bola
(nunca me convidaram, nunca me deixaram jogar, nunca me deixaram sequer aproximar...)
conheci outros como eles, à tantos anos atrás, lá no antigo bairro
(um dia verei também os vossos cadáveres)
como eles, miudos e miudas, andavamos todos no primeiro ano de escola
(anormal, atrasado, monga, monstro, anormal, aborto, anormal, ...)
enquanto durante a hora de lição a professora nos ensinava a dança das palavras e o ritmo dos números
(D. Isaura, tenho medo do anormal! D. Isaura, ele cheira mal e é feio! D. Isaura, não quero ficar ao lado do monga...)
ficava para a mágica altura do recreio a troca de brinquedos, toques e afectos, coisas simples entre as crianças
(não mexas ai não fales comigo não me toques sai daqui isso não é teu apanhas nos cornos se não desapareces!!!)
agora me lembro, das horas felizes
(não sou gente, não sou ninguém, não sou nada)
agora me lembro de como era o grupo
(não sou gente, não sou ninguém, não sou nada)
e de tudo quanto vivi com eles
(...nada...)
e deixo as memórias vogarem como barcos ao vento
(leva a mão ao bolso, obedeceaodono)
enquanto o conforto das recordações me afaga a alma
(já, faz o que te digo anormal!!)
entrelaço a melancolia de viver com a esperança de um novo dia
(já a sentes, na tua mão?)
e deixo que o beijo quente do Sol me conforte
(ouviste o click? Está engatilhada...)
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Cruel, caustico como ácido, duro, nó no estômago e na garganta, bipolar, ferida aberta, e contagiante até à ultima letra. Um daqueles textos com a tua marca de água. Parabéns, adorei.
ResponderEliminarAdoro a construção deste texto, simples, sem género definido.
ResponderEliminar(Raios, isto está genial... Como é que nunca me lembrei de escrever algo assim)
Gosto dos temas, tão presentes na tua escrita, e da forma como fluem ao longo do texto (a máscara social, a insanidade, o momento da perda de controlo, a morte...)
(Quem está a sentir maus fluidos sou eu.. a inveja, a cobiça..)
Excelente!
(Este texto tem de ser meu, meu, MEU) ;)
de boca aberta!!!:)
ResponderEliminarProfunda explanação da vida. O bem e o mal.
ResponderEliminarEspelho de cristal mais puro. Um lado indissociável do outro.
3 em 1. Junto, o de cá e o de lá.
Imaginação e criatividade deslumbrante.
Ão, Ão, Ão, Ão, Ão, Ão, Ão, ...
Música para os meus sentidos!
ResponderEliminarGENIAL!
amei!
ResponderEliminarEnfim... são golpes fundos, arrancados de alguém, num ritmo de máquina de costura. Um ponto por cada parágrafo... não cortes a linha... continua sempre - - - - - - - »
ResponderEliminar...quando um sorriso esconde a vontade de degolar...
ResponderEliminarcaminham entre nós alguns dr. jekyll e mr. hyde de mãos dadas (por vezes, o que está entre parêntesis deixa de estar).
gostei muito.
O direito e o avesso...de nós, numa forma nua, crua...bela.
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