quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

30 segundos




30

Imaginem só, como dizia o Lennon

29

Um mundo sem ganância, desespero, crueldade

28

Sem traço de violência, avareza ou maldade

27

Onde me sinta digno, digno de ser um entre tantos

26

Tantos que por aqui passam, sem se dignarem a olharem

25

Absortos, entre pensamentos vazios a vogar

24

Compram pedaços de si entre perfumes e consolas de jogos

23

Decidem quem são pelas marcas e logos

22

E constroem castelos no ar

21

Com total desprendimento por quem está a olhar

20

Por quem procura atenção, consolo ou um gesto gentil

19

Longe do ritmo demente e febril

18

Dos que por terem posses não se possuem de verdade

17

E no afã de consumir se consomem e ardem

16

Queimando o que há, o que houvesse para ter



15

Relegando em vida o verbo ser

14

E eis-nos como formigas, aflitas e histéricas

13

A correr entre lojas centrais e periféricas

12

A procurar o que não temos por ser o que não somos

11

Louvamos um deus menino para não parecer mal

10

Mas o nosso deus encarnado chama-se pai natal

9

E corremos, compramos, encantados deixamos

8

E se alguém desistir da loucura, reparamos?

7

Se entre nós um mártir estiver a olhar

6

A aguardar o seu momento de poder actuar

5

E um colete de explosivos detonar

4

Enquanto olha uma ultima vez para o pai que arrasta a criança

3

Suspira e lamenta a perda de esperança

2

E despeço-me de um mundo que nada me diz

1

E penso no que seria um Natal feliz

0

[. . .]

4 comentários:

  1. Tao vívido e lúcido, tão desesperado. Excelente a ideia dos segundos em countdown enquanto traças o quadro do vazio espiritual. Excelente detonação. traduzes muito bem aqui o que muitos sentem da quadra. O Natal a sério, ao vivo e a cores, num centro comercial perto de si.
    Parabéns, já tinha saudades de te ler.

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  2. Ora cá está, o Natal...
    "E se alguém desistir da loucura, reparamos?" :)

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  3. "Compram pedaços de si entre perfumes" é uma imagem fortíssima que sintetiza o abismo de acumulação e aparência em que caímos... criaturas insatisfeitas à procura de algo que nos defina ou que fale por nós em etiquetas, frascos e montras (infelizmente não apenas no Natal).
    Gosto da estrutura em contagem decrescente, da desesperança do teu homem-bomba, da sua frágil (e cruel) tentativa de ignição da mudança.

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  4. Fantásticamente real...
    mas este lago negro e consumista do Natal não tem de ser (pre)dominante...a opção de desistir da loucura, tornando-se assim menos alheado da realidade (embora mais louco na aparência aos olhos de quem não se interroga sobre a própria sanidade) não tem de ser consumada com o desespero do homem bomba...essa deveria ser a excepção...e sim, há caminhos mais luminosos.

    Não queres escrever um final alternativo?

    "E penso no que seria um Natal feliz…"
    :)

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