terça-feira, 18 de outubro de 2011
Outono
Norberto Lobo - Chuva Ácida
Todos os dias ao acordar, a ferrugem dos passos faz-me pensar na humidade que o meu caminho se tornou
Antes de abrir as portas da cave procura a percepção nos livros
e, no fim, deposita a memória no húmus da sua decomposição,
Esquiva, diáfana fantasia entre páginas incontadas.
Hoje, a seiva cria coágulos em todas as ramificações dos pensamentos
A agulha dos segundos cose-me aos batimentos fora de horas do coração,
Corta o teu olhar para o encontrar côncavo
e sorve o álcool antes do mosto dos teus olhos de uva,
Se a luz dourada se derrama em ti como chuva morna.
As tuas mãos enfolhadas de plátano estalam secas na minha face, cada vez que te olho
Permites que a folha caduca seja tua cama, minha sede, abrigo de prazer,
Um bacanal de viver sem outro Deus que a dança, o riso
E embebidos na luz ocre do Sol que por hoje se despede, embriagamo-nos de beijos.
Escondes-te na noite assombrada por murmúrios, amanheces na geada
– Uma moura sem encanto que passeia nua pelo lameiro –
Pintas-te com chocolate e devoras cada palavra que desenhas em teu corpo
– Um esporo de sal e água soprado por uma mulher seca.
A menina cor de sonata comunica pelo silêncio das palavras presas nas linhas das pausas
Sempre preferiu a translucidez chuvosa do vidro
a necrose do teu beijo, os narcisos em Novembro
a carícia saturnina na adaga antes do golpe
que denuncia por dentro uma dor desnuda
Um silêncio que não consegue saciar a flor da carne
Uma alquimia de ouro em matéria morta, de brilho em baço
Mil endechas escritas pela tinta que jorra das carótidas.
segunda-feira, 3 de outubro de 2011
Insectos (parte IV de IV)
Uma, e outra, e outra vez. Uma, e outra, e outra vez. Dou a volta à casa e procuro. Procuro quem me veja, quem me sinta, quem de mim sinta falta. Procuro não desesperar, mas desespero, falo comigo próprio e embrenho-me entre sombras, internas e externas, acabo por adormecer, talvez assim me liberte deste sono sem fim. Uma e outra vez penso em ti, penso em tanto que pensei em ti, penso e dói-me só de pensar na dor de tanto pensar. E pensar para quê? Afinal o que é que eu quero, quando já tenho tudo quanto alguma vez poderia querer. Se havia tão pouco que me fazia completo, agora que nada tenho, só poderei ser o ser mais completo ao cimo da terra, articulado comigo mesmo, sentiente de nada para além do débil limite do que me é permitido sentir, quase divino em matéria e forma, absolutamente extraordinário, sem nada, absolutamente nada de normal.
domingo, 2 de outubro de 2011
Insectos (parte III de IV)
Olá, como te chamas? Eu sou a Joana, mas toda a gente me trata por Joaninha.
Parece que ainda a oiço… voz suave, ondulante como o vento nos seus cabelos, alegre como as manhãs mornas de Primavera, e perante mim a formosa criatura, filha das estrelas, das estrelas que brilhavam nos seus olhos verdes e suaves, como a sua voz, a ondular por entre a floresta de pensamentos que hirtos, mal reagiam ao tom morno da primaveril manhã em que a ouvi. E ainda oiço… por vezes.
quarta-feira, 28 de setembro de 2011
A tua ausência
e porque a música é...
http://www.youtube.com/watch?v=xzrC72Xv6pE&feature=related
segunda-feira, 26 de setembro de 2011
Lado esquerdo do peito
Quando eu me levantei acima das brumas da ilusão, vi uma Luz.
Sim, a Luz d'Ele, que me esperava com um sorriso nos lábios.
Então, Ele disse me: "Se bem-vindo à consciência real.
Que bom que voltaste ao caminho
Em muitas ocasiões, Eu tive que ser duro contigo
Porque a tua arrogância era grande e caprichosa.
E tua cabeça estava cheia de teorias e técnicas de como viver.
Mas, isso não é assim. Porque viver é muito mais do que se imagina.
E não há manual que ensine alguém a amar realmente.
E nem diploma que cure as feridas do coração.
Tu tens me dado muito trabalho, mas, finalmente, o teu ego capitulou.
E o resultado é essa Luz que tu agora vês claramente.
Agora tu sabes que conhecimento não é sabedoria!
E que o Amor real não é emoção doentia nem frieza afectiva.
E o teu coração está tão lindo, mais parece um sol.
Tu soubeste extrair lições das provas que eu te enviei.
Transformaste reclamações descabidas em lindas canções.
E aprendeste a valorizar as coisas simples da vida, como um sorriso.
Eu sei que não foi fácil para ti. Mas, nunca é - para ninguém.
Porque, muitas vezes, o orgulho bloqueia o discernimento e o Amor.
E o preço disso é muito alto: a cegueira do coração e o egoísmo no comando!
Por isso, muitas vezes, Eu sou obrigado a agir de forma dura e directa.
Então, as pistas do Ser se inflamam e o pressionam a mudar...
Sim, sou Eu que faço isso. Projecto as mudanças profundas e verdadeiras.
E, embora o ego seja renitente, Eu nunca desisto. Porque, tudo muda.
E, mesmo no meio à dor das tuas provas, tu sempre foste abraçado por Mim.
Eu esperei o teu despertar, como um Pai espera a volta do filho que se perdeu.
E, com Ele, sempre vem a Luz do despertar real, fazendo o coração virar sol.
A, eu retornei dos escombros do meu ego e voltei para casa.
Porque o meu verdadeiro lar é no Grande Coração.
E o que é maior que tudo. Tudo o que se sente, se vive e não se consegue explicar.
Tudo o que vai preenchendo os espaços vazios daquele que fica no lado esquerdo do peito...
quarta-feira, 21 de setembro de 2011
Insectos (Parte II de IV)
domingo, 18 de setembro de 2011
Insectos (parte I de IV)
Parte I de IV
quinta-feira, 15 de setembro de 2011
Tília
No fundo da tua chávena abre-se uma fissura.
Agora a água do chá já não se contenta com a meiguice da porcelana.
Gosta e espalha-se pela toalha embebida em humores de ontem
e do outro ontem, e do ontem antes do outro.
Queres passar uma cabeça de dedo sobre tudo?
Dizem que ajuda a desencrostar as células mortas
do tempo em que a janela rangia influenza sempre para o mesmo lado
e tu espirravas verbos numa proporcionalidade directa.
Agora a água já não se contenta e não te passa pela garganta
passa pela corda onde penduro a toalha
onde esta seca.
Fica rígida com as conversas peniscas da rua
fica enrugada pelas molas de pernas sem joelhos
que nem mesmo o calor da inflamação consegue esticar.
Pois bem, hoje antes do ensejo do chá recordei:
Tu não és dotado de pulsações.
Atiras os meus pensamentos contra o vidro da janela
e esperas que a luz do sol projecte os meus desassossegos no chão da sala.
Depois, como se fosse possível
dissipas tudo para debaixo do sorriso
e com os pés em cima dele dizes que me conheces bem.
sexta-feira, 9 de setembro de 2011
Bom fim de semana
Que alguém te encontre, para além de mim...
Que outro te reconheça...
Que as tuas palavras alucinadas, escritor velho, façam eco no espaço vazio que se ergue apenas entre nós, que encurtem a nossa distância esticada...
Que ninguém te oiça...
Que nenhum'outra te veja...
E que mais tarde, depois de mais um dos teus fins de semana de indolente promiscuidade, retornem a mim as palavras e sons do teu amor esfomeado!
Que os teus olhos surdos saibam ler o mapa, que os teus ouvidos embriagados vislumbrem o caminho...
Ficarei à espera, qual louca, desbravando um boulevard de sonhos de sábado à noite, qual santa, descansada numa chaise loungue dominical...
Que regresses a casa...
Numa qualquer segunda feira, cedinho de manhã!
sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Postal de férias devolvido
Fui à caixa de correio e encontro, enrugado e amarelado, o meu postal, carimbado a vermelho com o texto "destinatário desconhecido".
O postal não tinha chegado a quem de direito, engoli em seco.
"E agora?"
Não conseguia pensar, parei, gelei, fechei...
Volto para dentro da minha casa preferida, directa ao meu quarto, quarto fechado por quatro paredes sem janelas, para nem ter a tentação de sair!
E naquele espaço onde era suposto ter vista previligiada sobre o jardim e a piscina, onde existem espreguiçadeiras e cocktails de várias cores, em copos grandes enfeitados por chapelinhos e palhinhas, estava agora uma prisão de alta segurança.
Tinha entrado de livre vontade mas... não me deixava sair!
"E agora?"
E quando parei no tempo e no espaço vazio, parte de mim experimentou sabores amargos, diferentes, e como numa adição, deixei-me ficar.
Estava fechada em mim, mas ao mesmo tempo estava enebriada pela escuridão, ou seria acomodada, não sei dizer.
Lembro-me do dia, da hora, de cada palavra e seu significado, da rapidez com que o escrevi e principalmente da raiva que transpirava...o meu postal de férias devolvido!
E acordo de um estado de dormência com a mesma pergunta com que adormeci.
"E agora?"
quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Mãe,
Desculpa ter saído sem avisar mas tu conheces-me bem e sabes que não consigo conter-me. Tudo o que faço fere-te. Sou um filho maldito, um vírus que não pararia até ver-te morta.
Eu preciso das minhas obsessões. Preciso das nódoas de ferrugem, cinza e alcatrão. Preciso do crude à volta dos tornozelos e debaixo das unhas. O chumbo e o mercúrio acalmam-me. As turbinas, os reactores, os postes de alta tensão são como membros que deveriam ser parte da minha carne. Contorço-me à noite, deitado a imaginar refinarias, altos fornos e explosões de dinamite. Acordo em abstinência e preciso do cheiro dos solventes e da benzina. Todo o meu corpo pede que saia para a rua e o ofereça às águas azotadas e às radiações que o queimam. Rebento a porta e vou à procura da combustão lenta. Quero as mutações genéticas, quero o smog a sufocar-me, quero árvores a cair, quero extingir e extinguir-me. Quero arrancar-te bocados a céu aberto, inspirar e senti-los enegrecer-me os pulmões. Quero tornar-me tóxico. Quero sentir o espasmo da cisão dos átomos. Quero a corrosão, quero mares mortos.
Quero e faço. Sacio-me para que depois venha a calma, o sangue feito pó, a ampulheta onde cai um fio de limalhas. E fico à espera que recomece.
Por isso parti e vim para o mundo ao teu lado. A mais bela das mulheres. Ela sente o mesmo prazer em envenenar-me que eu sinto ao deixar que os seus ácidos fluam. Não trouxe o meu espírito comigo. Estava sempre atravessado no caminho e atrasava-me. Arranquei-o de um só golpe e substitui-o por uma peça mecânica lubrificada e cheia de válvulas. Está algures aí no chão.
Aqui estou bem. Fico sempre no lado escuro, com a recordação das palavras do Marinetti a arder como incenso enquanto, na minha memória, ouço os acordes dos martelos a bater e dos carris a fagulhar, ferro contra ferro.
Um dia volto. Vou cansar-me de mim e acordar numa das tuas florestas nórdicas, numa manhã de geada. Vou tirar a roupa e mergulhar num rio de águas revoltas e deixar que as lâminas de gelo e as pedras acabem de me limpar. E vou finalmente compreender. Compreender-te.
Nessa altura vou querer que me devolvas a minha alma orgânica e frágil. Sei que a guardarás, envolta em silêncio, no fundo de um dos teus oceanos, num local onde nada existe além de ti. E sei que vais cosê-la de volta no meu peito e velar por mim, ao meu lado, até que a tua doce seiva volte a correr-me nas veias.
O teu filho
Impossibilidades
É onde a cabeça de uma sweet little sixteen cai, frequentemente. Rola, desespero abaixo e, pum, estilhaça-se no vazio. Foge, acelerada, do...
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É onde a cabeça de uma sweet little sixteen cai, frequentemente. Rola, desespero abaixo e, pum, estilhaça-se no vazio. Foge, acelerada, do...
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I. Olha para ti, nem tens força para pegar em mim, quanto mais para me fazer feliz. Ontem ouvi dizer que me ias contar um segredo, a...