quarta-feira, 30 de junho de 2010
A Rapariga que não sangrava... (Parte I de IV)
Cena 1. Inverno
O céu abate-se sobre a cidade e desfaz-se em pungentes gotas gélidas que trespassam o incauto e devoram o fumo esparso que se esgueira por entre os cones aprumados das chaminés das casas de madeira e alvenaria. Gigantes e prenhes de negritude, as plúmbeas naves de gelo fustigam a metrópole adormecida por um inverno sem fim.
Está entregue a si própria, a derradeira espectadora deste teatro grisalho e soturno. Nós, estamos perante os tempos que nos atam as pontas soltas do pensamento, como é apanágio do comum mortal, que se intriga perante a morte mas que, torpe, desperdiça a dádiva da vida. Corremos para dentro do covil ao menor estrépito, de olhos cerrados aguardamos que o terror passe, acocorados a um canto sombrio, titubeantes e apavorados, perto da flama que afasta as bestas, entoando as palavras solenes dos rituais antigos que visavam apaziguar os eternos guardiões do mundo superior. Somos os restos que tombaram da mesa do grande devorador, ínfimos e mesquinhos, patéticas sombras entre sombras, tendemos a desaparecer, por entre a chuva e o afã do quotidiano, reféns de toda a religião que nos atordoa o pensamento livre, em eterna penitência por falhas que não sabemos como controlar, prisioneiros amarrados ao temor do invisível e impiedoso, implorando perdão por simplesmente existir e desejar, assustados e manipulados, neste Inferno sem fim.
O céu envolve-nos e acarinha a néscia dependência que todos temos do Protector, lavador de pecados, do pastor que embala seu rebanho em suave estultícia e, irrelutante, as conduz ao algoz. Gigantes perante os insectos que nos infestam as vestes, agitamo-nos em desdém pelos seres menores que se apressam a sair debaixo dos nossos pés, correndo lestos para os seus covis onde, em pânico, irão aguardar até que venha Morfeu e nos embale entre anjos que tangem lamentos em melopeia, rumo ao universo oculto da noite. Ai, em solene procissão, alinharemos nossos corpos em sinal de fé, para sobreviver a mais um dia que se avizinha. Nesse momento em que nos ausentamos da segurança da claridade, voltam os insectos e despertam Incubi e Succubi, para nosso tormento e luxúria. Envoltos na espiral de desejos e medo, tendemos a desaparecer, por entre as trevas e a apatia da narcolépsia, neste Inverno, por fim.
Ela mantem-se atenta, em serena vigília. Contudo, é impotente perante tamanha violência deste mundo e chora, à medida que o céu se abate sobre a cidade e sente a esperança a gelar e a desfazer-se em esparsas manchas de fumo sem forma. Entregue a si própria, adormece e afasta-se do afã dos insectos que empestam a cidade e aguarda pelos primeiros sinais da Primavera.
Parte II: http://aitd-text.blogspot.com/2010/07/rapariga-que-nao-sangrava-parte-ii-de.html
sexta-feira, 25 de junho de 2010
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Nós
Sempre sonhámos
Com alguém maravilhoso
A redentora dos hereges
Assim como tu, gentil, delicada
Uma flor nascida da lama escura
Que nos afoga sem dó ou piedade
Mas agora chegaste para nos salvar
És a virgem da Luz
Então à lama volverás
Em supremo sacrifício
Por nós
Afogada
quarta-feira, 23 de junho de 2010
A saudade
Esta é a história do vaso sanguíneo que sofre por já não recordar o que é ter o amor do líquido quente. Sofre desde o dia em que este lhe foi totalmente raspado com uma espátula de metal. Esse dia ficou conhecido por “coagulação final” e foi-lhe dado como justificação “teve de ser, estavas entupido de amor”.
O amor… o vaso não acredita que o amor tenha coagulado o líquido. Ele corria, ele não estava estagnado, ele estava vivo, tinha cor, tinha cheiro, tinha tacto, tinha tudo aquilo a que um líquido tem direito: espaço, porque as paredes eram elásticas; protecção, porque um dos maiores medos dos líquidos é transbordar; caminho certo, porque o vaso fazia questão de se posicionar para os melhores destinos (o seu preferido era o coração, era mágico ver o líquido a atravessar o coração) e sorrisos, porque o que faz os líquidos correrem são aqueles sorrisos tímidos, que aparecem e desaparecem num segundo, mas ficam eternamente guardados nos olhos de quem os presenciou.
Hoje, de cada vez que chove, o vaso abre-se e armazena gotas de água dentro dele. São frias, são transparentes, mas mesmo assim, conseguem matar algumas saudades. Fazem-no recordar a sensação de sentir algo líquido a massajar-lhe as paredes. Depois, a água evapora e a sede volta. “Tenho saudades tuas, sou um vaso de estômago vazio”.
Hoje, o líquido quente, mora dentro daquelas palhinhas coloridas, são frias e sem vida, mas mesmo assim, conseguem simular o aconchego de um lar. O líquido ainda tem as marcas do ferro que o trespassou e despedaçou. Conta-se por entre artérias e veias que ele morreu de desgosto e dissipou-se. “Tenho saudades tuas, sou um líquido com um pulmão em vácuo”.
És um líquido? Não… Hoje és um coágulo.
Apresento-vos a rapariga coágulo, sonha voltar ao estado líquido. Sonha voltar a percorrer o interior do vaso. Sonha com o dia em que o amor a vai fazer sangrar até à morte.
Pimentas Sonoras
De repente, os dias parecem mais cheios de sons, e os sons parecem menos melodia e mais algazarra.
Estranhamente, também se sentia mais e mais.surda! "Pode repetir, por favor?", "Hã?", "Quê?" um pouco depois, sussurrava para si mesma, os ouvidos cansam.
Ou talvez precisem de novos sabores, experiências exóticas, pimentas sonoras.
Um silêncio absoluto,interrompido apenas pela fala da água, dos pássaros, do vento. a música do universo quando os humanos se recolhem.
Mas não existe o tal silêncio absoluto, ela sabe, mesmo assim - de que outra maneira falar das grandes aventuras, sonoras... o som dança no ar e só no vácuo seria possível experimentar a quietude mais completa.
Ela gostava de construir simulacros imperfeitos desse silêncio e dizia que a música e a gargalhada são as únicas coisas que não precisam de significar nada!
Andava obcecada com o silêncio. De repente, os dias parecem mais cheios de sons, e os sons parecem menos melodia e mais algazarra.
Pensando bem, antes que o silêncio a envolva, saiu à caça de pimentas sonoras para ouvidos cansados de monotonias...
sábado, 19 de junho de 2010
As escolhas
Interessante como aquele contacto com a têmpora é tão confortante. Quase que lhe deu vontade de se encostar mais à pistola como se ela pudesse tornar aquele momento menos doloroso ao mesmo tempo que acaba com ele.
A mão direita segura a pistola, firme, sem tremer. Está mais do que decidido e é só uma questão de alguns segundos. Em cima da mesa redonda da sala está a carta que explica a incompreensível decisão à família ausente. Ausente mas mesmo assim merecedora de saber o porquê, nem que seja para não ir inventar justificações aos estranhos quando estes lhes perguntarem “porque fez ela aquilo?”.
Ela tem tudo para ser feliz, tudo. Mas… apetece-lhe apressar as coisas e esta é a altura certa. Decidiu-se pelo tiro porque lhe parece o método mais rápido e por isso mais suave. Decidiu-se por hoje porque hoje é um dia melhor do que ontem e melhor do que amanhã e, como é véspera de fim-de-semana sempre facilita a vida aos familiares se o funeral for antes de segunda-feira, pelo menos assim não têm desculpa para depois dizerem que calhou num dia de semana e tiveram de faltar ao trabalho.
A casa fica arrumada, pronta a vender ou arrendar se for esse o caso. Espera não sujar muito a sala, é sempre difícil tirar nódoas de sangue da carpete, mas tinha de ser ali. Decidiu-se por casa porque é o único sítio onde se sente realmente bem e confortável e para ela não fazia sentido nenhum ir para um lugar público lavar a roupa suja.
Por falar em roupa, vestiu-se com um vestido largo para ser mais fácil despirem-na. Espera ficar com o corpo numa boa posição para que depois de arrefecida não terem de lhe partir muitos ossos. Imaginar aquele som oco sempre lhe fez muita impressão.
Todas as contas estão pagas, não há dívidas pendentes. O carro fica guardado na garagem. Água e gás fechados. As portas que dão acesso à casa ficam destrancadas, pois não vale a pena andarem a arrombá-las. O gato foi oferecido a uma amiga de confiança.
Aparentemente está tudo em ordem. O resto das explicações e últimas vontades estão na carta. Junto a esta fica um cheque com dinheiro mais do que suficiente para pagar o funeral. O resto do dinheiro da sua conta já teve outro destino mais solidário.
“Pronto, olhos fechados e é só premir o gatilho… Sim, pode ser agora. Obrigada.”
Ela jaz no chão da sua sala, tal como desejou. Ele, ainda com a arma na mão respira fundo e segreda a si mesmo “está feito”. É sempre um momento complicado, mas os anos já se encarregaram de o banalizar. Ter esta profissão nunca foi fácil. Não a escolheu, foi obra do acaso. Ser Auxiliar de Suicídios é algo que exige muito, mas ao mesmo tempo faz com que ele se sinta estranhamente útil.
Nunca gostou muito deste tipo de escolha, a arma, o tiro… faz muito barulho e o resultado final é sempre muito “expansivo” em termos de projecção. Mas o slogan diz “Morra à sua vontade, nós ajudamos”.
Olha para a sua agenda, faltam mais dois clientes para terminar o dia, um tiro e um enforcamento. Entra no carro e verifica a próxima morada. Longo vai o dia. Não vê a hora de chegar a casa e poder descansar… em paz.
sexta-feira, 18 de junho de 2010
Buraco
Ando pela estrada.
Há um buraco fundo.
Eu caio...
Estou perdida... Sem esperança.
Não é culpa minha.
Levo uma eternidade para encontrar como sair.
Ando pela mesma estrada.
O buraco fundo esta la.
Finjo que não o vejo.
Caio nele.
Não posso acreditar que estou no mesmo lugar.
Mas não é culpa minha.
Ando pela mesma estrada.
O buraco fundo.
Vejo que ele esta la.
Ainda assim caio... É um hábito.
Os meus olhos abrem se.
Sei onde estou.
É minha culpa.
Ando pela mesma estrada.
Ai o buraco fundo.
Dou a volta.
Vou outra estrada.
Será que aprendi? a estrada que escolher leva me aonde eu quero ir.
Mas agora com a certeza que me permite mudar sempre a meio do caminho!
quinta-feira, 17 de junho de 2010
Desafio de Escrita
Como há muito tempo não temos um desafio criativo por aqui, apresento-vos um novo, que partiu de um título proposto pelo Nuno Oliveira: "A rapariga que não sangrava".
Inspirem-se no tema/título e publiquem aqui os vossos textos, em formato livre, até à meia-noite de dia 3 de Julho (NOVIDADE), sábado. Participem!
Obrigada... e que a musa vos inspire. :)
quarta-feira, 16 de junho de 2010
Para te dizer...
Queria muito poder, através da palavra escrita, transmitir bem mais do que na realidade consigo. Gostaria de tocar directo no teu coração,tu que lés este texto para que sentisses a vibração que me envolve num estado de serenidade, de calma e agradecimento, neste dia ensolarado. Momentos especiais assim não são rotineiros, mas a plenitude e a paz, de repente, torna-se claro e faz sentido...
Dá vontade de chegar devagar e tocar com a ponta do dedo, pedir licença e começar a comunicar ao pé do ouvido, olhos nos olhos, com amor verdadeiro sobre a beleza da vida, as descobertas feitas, as experiências libertadoras que nos permitem receber aqueles fugazes, mas definitivos insights, os quais chegam e nos transformam para sempre.
Queria contar como isso pode ser fácil e directo, visto que não precisamos procurar lá fora...
Queria dizer o quanto é compensadora esta viagem interior que pode começar simplesmente mergulhando no silêncio, ou começando a observar em volta com os olhos procurando na criação a inspiração para imediatamente pular numa nova dimensão de realidade, na qual os ruídos intensos do mundo da ilusão que nos cerca não mais nos ferem, lá onde o brilho é real e nada é fugaz, falso, vulgar.
Falaria sobre um lugar magnífico -que é aqui mesmo-, onde voltamos a ser crianças, irrequietas, curiosas. Livres de dogmas, de preconceitos, felizes por desvendar e poder participar, sem medo ou controle, dos mistérios e da magia que são habituais companheiros quando somos crianças.
Tentaria explicar que somos muito mais que este limitado corpo físico de desgaste rápido e data de vencimento predefinida; sim, infinitamente mais, e que basta te desfazeres, jogar fora esta identificação equivocada com o pequeno eu para mergulhar no "Nós" e fazer de cada momento de nossa vida algo sublime, divino, criativo e inesquecível, independente da data de nascimento gravada no nosso documento de identidade, pois.
Confessaria que pouco ou nada sei, mas que a busca pela verdade é maravilhosa e liberta... e não existe diferença entre mestre e discípulo, pois de fato ambos são aprendizes da Luz. Teimaria em afirmar que o Paraíso é aqui mesmo na Terra, visto tratar-se de um estado de espírito, uma vibração que podemos conquistar e manter, ainda que por vezes nos percamos quando as emoções fortes tomam conta de nosso ser...
Insistiria muito a propósito de Amor Incondicional e suas tão variadas formas, esquecendo de nós mesmos em prol dos outros, ajudando, nem que seja somente uma única pessoa.
Despedir-me-ia com um beijo, agradecendo teres me escutado com paciência, pediria gentilmente até que tu te apressasses, pois sei que tens pouco tempo para tantas coisas a fazer; que ficasses atento e lembraste ia que a tua maior riqueza é o amor que o teu coração puro consegue manifestar, indo muito além do que é agora, com coragem e determinação, que espalhes compaixão, carinho e o teu exemplo será decisivo...
Se tu tivesses aprendido isso seria tudo... porque tudo que a Vida nos pede é para fluir com ela...
No início era assim... um fluxo contínuo.... um pulsar natural como o ritmo do coração que vibra Fluir com a Vida momento a momento e receber o presente não requer esforço...
E é... nesse tempo que nos encontramos... um tempo único... um tempo mágico onde possibilidades se oferecem a quem tem coragem de experimentar... a quem acredita que merece todas as coisas boas...
É nesse tempo que estamos... um tempo de conflitos... de caos... de mudanças profundas... mas de riqueza infinita.
Um mar de energia borbulhante...
Por fim dizia te se feliz, somente isso.
domingo, 13 de junho de 2010
Nossa Senhora
Inamorada, entre escombros
Passeia Libera, a sonhadora
A mão invisível sobre seus ombros
Visões de espanto e assombros
Sussurra mansa, sedutora
Entre a brisa, passageira
Inebria os homens incautos
Arrepios, medo, sobressaltos
Cada um a sente à sua maneira
Somente uma vez, a primeira e derradeira
Incantata, tem a marca do fogo
Da paixão pela carne, eterna
Cegos de luxúria, entregues ao jogo
Cegos pela luz, na escuridão da caverna
Reféns do ar que tudo envenena
Passionata, o domínio
Das artes negras, do fascínio
De tudo o que se move, das trevas
Do que se esconde, entre névoas
De toda sanidade, extermínio
É o que nos move, a devoção
São os laços doces que nos prendem
São vãs promessas que a tudo cedem
Entregues a Ela, com total submissão
À Morte, absoluta Senhora da compaixão
sábado, 12 de junho de 2010
Dou alvíssaras a quem encontrar a minha loucura perdida
"Desculpem.... Podia pedir um minuto da vossa atenção?
Eu sei que não me conhecem bem. Sou apenas aquela criatura alienada que vos olha fixamente quando saem de casa de manhã e seguem apressados a caminho da vossa vida normal, muito aprumados e bem cheirosos, a gritar aos miúdos para se despacharem, a rosnar ao semáforo que não abre...
Já percebi que vocês não gostam do meu olhar. Desviam o rosto porque já sabem que eu não pestanejo. Custa muito não permitir que as pálpebras se fechem. É uma teimosia que aperfeiçoei com força de vontade e à custa de muitas lágrimas mas agora domino-a na perfeição. Não cerro os olhos nem mesmo para dormir... o que é bom. Assim os sonhos não me surpreendem. Vejo-os chegar, cumprimento-os educadamente e se não gosto deles mando-os embora com elegância. Se são bons, convido-os para dormir comigo. Nunca tenho pesadelos, excepto quando dizem que estão sozinhos e não têm mais ninguém com quem partilhar a noite. Aí cedo e aceito-os na condição de saírem logo de manhã e nunca mais voltarem.
De tarde, quando regressam da vossa vida normal, com um ar mais esboicelado e triste, eu evito olhar para vocês porque não quero ser contaminada. A normalidade pega-se e à tarde parecem ainda mais iguais uns aos outros do que de manhã. Não tenho nada contra a normalidade mas não tenho jeito para ela. Prefiro ser uma louca de primeira do que uma pessoa normal de terceira categoria, entendem?
Já tenho tentado conversar, explicar-vos que deve haver algo que vos oprime a vontade, mas vocês não querem escutar-me. Escorraçam-me e chamam-me demente. Tudo bem... eu sei o que sou. Mas vocês dizem esta palavra, tão bonita por sinal, assim....como se fosse um insulto. Quando fazem isso vou-me embora. Não por me sentir agredida, mas porque não percebo a máquina que trabalha nas vossas cabeças.
Mas....mas vamos directos ao assunto. A razão de estar a tentar falar convosco é simples: não estou bem e preciso de ajuda. Nada físico. É mental. Por favor não façam essa cara de gozo. Isto é difícil para mim... nunca estive tão próxima do chão. O meu problema é que perdi parte da minha loucura e não me lembro onde foi que a deixei. Já procurei por todo o lado e nada. E dói-me viver sem ela.
Começo a achar ridículas uma série de coisas que fazia por serem lógicas e inquestionáveis aos meus olhos. Coisas que têm que ser feitas como, por exemplo, dar boas noites à lua. Coitada. Vem visitar-nos pontualmente todas as noites. Vem suave, luminosa, disponível, toda bonita para nos agradar.... E nós, mal educados, não a cumprimentamos. E é preciso que alguém o faça, bolas! Ultimamente andávamos a ter longas conversas, a ganhar intimidade.... queria descobrir para onde é que ela vai quando desaparece. Mas ela é tão bela quanto misteriosa. É preciso ir muito devagar e agora que perdi parte da minha demência já nem consigo dizer "olá" sem corar de embaraço. Vocês costumam dizer que as pessoas insanas estão com a lua, não é? Pois eu já não consigo estar com ela e assim não sou feliz.
Outra coisa que já não me apetece fazer é beber a chuva. Sinto-me estranha assim parada no meio da rua, de boca aberta para o céu. Mas antes fazia sentido porque, caso não saibam, a água da chuva é constituída por uma miríade de partículas de nuvens negras que se reagrupam quando são bebidas. E estou convencida que para nos sentirmos gente todos nós temos de ter um pedaço de nuvem negra no nosso peito. E de vez em quando temos de deixar que ela chova e nos lave por dentro. Não sei... é o que eu acho. Ou achava, porque ultimamente ando confusa...
Mas agora falemos de negócios. Sou louca mas até eu sei que tudo tem um preço. Assim, comunico formalmente que dou alvíssaras a quem encontrar o bocadinho de demência que perdi. Ofereço, mas nunca percebi muito bem o que é isso das “alvíssaras”. Tive de pensar muito sobre esta palavra e concluí que se refere a uma parte do nosso corpo ou da nossa alma... porque são as únicas coisas que são realmente nossas e que podemos dar, não é verdade? Mas se tiver que dar alvíssaras a alguém, preferia que não fosse um bocado da alma porque gostava muito de levá-la inteira quando partir. Espero, por isso, que se contentem com os meus cabelos ou parte do meu sangue....
E pronto, era só isto. Não vos incomodo mais. Vocês não são bons ouvintes e eu não tenho muita prática de falar. Não tenho com quem... excepto a lua, claro. Talvez seja por isso que estou a sentir esta sensação estranha na garganta.... como algo que a aperta de dentro. Agora vão.... sigam com as vossas vidas. Acho que a minha nuvem vai chover e eu não quero que vocês vejam.”
Impossibilidades
É onde a cabeça de uma sweet little sixteen cai, frequentemente. Rola, desespero abaixo e, pum, estilhaça-se no vazio. Foge, acelerada, do...
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É onde a cabeça de uma sweet little sixteen cai, frequentemente. Rola, desespero abaixo e, pum, estilhaça-se no vazio. Foge, acelerada, do...
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I. Olha para ti, nem tens força para pegar em mim, quanto mais para me fazer feliz. Ontem ouvi dizer que me ias contar um segredo, a...