segunda-feira, 29 de novembro de 2010

... Corda



A boneca de loiça tem ar de criança crescida e criada, naquelas casas de cristal barro. As mãos estão sempre na mesma posição, uma a segurar na bainha do vestido, outra a guardar na mão fechada uma maçã maioritariamente marcada a vermelho. Não é doce, mas não tem de ser amarga. É daquele sabor que só as bonecas sabem comentar entre elas. Tem os olhos bonitos, pupila loiça, a combinar com boca quase bonita, lábio vidro vincado e vivido sempre na mesma posição. Não é sorriso, mas não tem de ser triste. É daquela inércia que só as crianças sabem ver em movimento. A respiração, sem corrente de ar, faz-se aquando da oxigenação do barro, nariz redondo, bem feito sem narinas. A boneca, unhas cor de crescida, é oca por dentro. Só ela sabe o que custa ter pensamentos que soam a sopro para o interior de uma garrafa. Se ao menos todas tivesse um barco lá dentro. Velas e tábuas com ar de cacos, terra de térmitas, água de rochas e fogo de algodão. A criança crescida, sabe que não se pode mexer, mesmo assim, não critica o pó que tomba como um nevão lento, felizmente é quente. Não tem cabelos, tem um molde com jeitos. Se não tivesse as mãos sempre na mesma posição gostava de poder enrolar os jeitos no dedo indicador. Rodar, pião, corda. A boneca de loiça, sonha com o dia em que se vai partir. Hoje, por favor, dá-lhe...

5 comentários:

  1. 'Tou para ler o primeiro texto escrito por ti que não seja fantástico...

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  2. you're back, in a grey almost black :)

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  3. Quem assim escreve, sabe os sonhos que habitam os corações das crianças..
    b
    Belíssimo texto.

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  4. o mundo imaginário das crianças e as cores com que pintam as nossas vidas...os teus textos encantam me!

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