domingo, 7 de novembro de 2010

Redenção (Acto III de III)




São 02h36. Dia 16 de Junho. Hoje.


Fui eu que escrevi o parágrafo anterior, bem como todos os outros que o antecederam.

Durante as últimas duas horas e meia olhei em vão para o monitor, à espera que algo acontecesse. Que alguém ou algo se manifestasse. Nada. Nem um som, uma variação de luminosidade, um pixel fora do sítio. Nada. Tal como seria de esperar...

Lamento minha querida, mas não há nada que eu possa fazer para parar o teu destino. Estás fora das minhas mãos, escapaste-te por entre os meus dedos. E por mais que eu tente, por mais que volte atrás na minha mente, não posso mudar o que aconteceu. Nem sei se alguma vez o pude fazer…


Lá fora o tempo arrefeceu bruscamente, a lua brilha no firmamento, mas aqui estou, entre trevas. A lua brilha, refulgente e prateada, infinita, desafia as nuvens que pairam entre mim e o firmamento sem fim. Mas é assim que eu te quero recordar. Um raio de luar que passou pela minha vida, um clarão de esperança que me cegou de medo, de cobardia, de estupidez. De amor. É assim que eu te lembro, maior do que eu alguma vez fui, brilhante e infinita. Longínqua, como a Lua esta noite. E eu só te dei trevas e às trevas te condenei. Está gelada a madrugada. Longa e gelada, tão longa quanto foi o teu último dia, demasiado longa, como são os meus dias desde que te perdi.


Nunca sobrevivemos à morte de quem amamos. Há algo que morre com eles, que cai na espiral negra da eternidade que nos espera, que se separa de nós para nunca mais ser visto, tocado ou sentido.

Continuamos a viver? Sim, aqui estou, nesta madrugada de geada, a aguardar que a primeira claridade da primeira hora após a madrugada me resgate das trevas que me envolvem.

Recordamos? É pois esta a nossa tarefa, ficar deste lado, neste plano. Avançar em direcção a algo em que já não acreditamos e do qual nada esperamos.

Sonhamos com o reencontro, como se o Eterno algum dia o permitisse.

Ansiamos. Ansiamos para que alguém nos diga para continuar, que a vida prossegue, que nos mostrem o que é a felicidade, a facilidade com que a crianças sorriem, com que os amantes declaram amor eterno, imortal.

Negociamos, constantemente. Dizemos para nós próprios, ‘que mais poderia eu ter feito’? Sussurramos a nós próprios, ‘tens que te erguer, esse era o seu desejo, não te martirizes, tens que te erguer e seguir caminho’.

Enganamo-nos a nós próprios, ‘acho que vou conseguir voltar a amar, voltar a encher o peito de verdadeira paixão, sei que desta vez irei libertar-me e oferecer o meu coração’. Mas cá dentro, neste canto negro e funesto em que nos escondemos, no âmago do inferno a que nos auto-condenámos, entre as cinzas e o pó das lágrimas que já não correm, sonhamos com uma só coisa.

Redenção...




07h16.
A aurora rompe as trevas da noite, o Sol nasce lentamente, sente-se a sua luz ténue e gelada por entre as nuvens negras que toldam o horizonte. Parece-me que vai ser mais um daqueles longos dias de chuva…

3 comentários:

  1. Estas personagens estão quase reais, de tão complexas. É tanta a alma que quase lhes adivinhamos um corpo. Relê-se com a mesma intensidade com que se leu.

    ResponderEliminar
  2. Vou ser breve: Nunca deixes de escrever.

    ResponderEliminar
  3. Encanto-me, rendo-me, releio e fico dependente. Das palavras ordenadas. da história sem momento. Intemporal, como o tempo que (não) passa sem deixar marca.
    Vai a madrugada tardia, adiantada na hora. O sono pesa.

    Continua, sim? Sff.

    ResponderEliminar

Impossibilidades

É onde a cabeça de uma sweet little sixteen cai, frequentemente. Rola, desespero abaixo e, pum, estilhaça-se no vazio. Foge, acelerada, do...