Estou na primeira classe e tenho um grilo.
Mora numa caixa de fósforos com buraquinhos.
Mas porque os irmãos mais novos devem de sofrer de uma doença chamada “irmão-mais-velho”, e eles falam sempre demais, tive de devolver a caixa à cozinha da minha mãe.
Quem me dera ter nascido de uma macieira.
Hoje era uma maçã e teria como animal de estimação uma minhoca grande e gorda, dentro de uma caixa de folhas que teria ido buscar à cozinha da árvore.
Estou na segunda classe e tenho uma estrela-do-mar.
Mora numa caixa de morangos.
Mas porque os irmãos do meio devem de sofrer de uma doença chamada “irmã-mais-nova”, e elas estragam sempre demais, tive de devolver a estrela ao mar dos meus sonhos.
Quem me dera ter nascido de uma bicicleta.
Hoje era uns pedais e teria como animal de estimação uma estrada longa e magrinha, dentro de uma caixa de pedalar constante que teria ido buscar aos gémeos das minhas pernas.
Estou na terceira classe e tenho uma joaninha.
Mora numa caixa de bolachas.
Mas porque os irmãos mais velhos devem de sofrer de uma doença chamada “irmão-ainda-mais-novo”, e eles choram sempre demais, tive de fazer da caixa tambor e tornar-me cantor.
Quem me dera ter nascido de um rio.
Hoje era uma ondinha cor de céu brilhante e teria como animal de estimação um peixe saltador, dentro de uma caixa de conchas que teria ido buscar ao estuário do sol.
Estou na quarta classe e tenho um crocodilo.
Mora numa caixa de frigorífico.
Não há doença crónica que sobrevivia a bocas grandes e dentes afiados.
Quem me dera ter nascido de um cesto.
Hoje era um bolo de mel para a minha avozinha e teria como animal de estimação um caçador, dentro de uma caixa de chumbo que teria ido buscar à barriga do lobo mau.
Tenho saudades dos meus animais de estimação.
quarta-feira, 20 de outubro de 2010
A Primária
terça-feira, 19 de outubro de 2010
O Regresso dos Heróis: Memórias de Batalhas Esquecidas, em 4 Actos
- Doutor ajude-me, por favor. Não se vá embora, oiça-me, eu preciso de falar com alguém…
Está uma manhã magnífica de sol e frio, o ar gélido paralisa o olhar de quem procura o seu momento de paz, um instante no desenfrear violento do infinito devir das coisas, uma fatia de tempo para saborear, um minuto de silêncio em honra dos heróis do passado. Nas ruas não há almas, apenas pessoas atarefadas e absortas no seu dia-a-dia, nem um som para além do ruído infernal do caos tranquilo da vida nos subúrbios, tudo está em paz, à medida que o mundo desaba e a esperança de cada um colapsa como um castelo de areia fustigado pelas ondas violentas da maré da inquietude. Um dia como os outros que se passaram e tornarão a passar.
- Eu era apenas uma criança… sabe doutor, nestas coisas nunca sabemos como seria se fosse diferente. Eu queria que tivesse sido diferente, queria saber que eu poderia ter sido diferente. O doutor percebe-me, não percebe? Eu sei que percebe, eu sei que me perdoa, eu sei que se há alguém que veja para além desta face destruída pelo horror é o senhor.
Um carro passa por uma poça de água e salpica a criança que vai para a escola. O seu vestido fica sujo de lama, mas a menina não se importa, segue contente. Pois assim são as crianças, nada as suja, nada as polui, são puras aos olhos de Deus. Que a graça do Senhor te acompanhe minha menina e te proteja dos males deste mundo.
- Estão lá fora, não estão? Eu sei. Eu sei que me aguardam, sei que me vão levar e me lançarão nas trevas a pão e água. Mas sabe doutor, eu já estou nas trevas, eu sou as trevas, eu tornei-me a morte.
Casas alinhadas, já um pouco velhas mas sólidas, como o bairro que as agrupa e as pessoas que lá vivem. Solidários uns com os outros, os vizinhos revezam-se a vigiar o bairro, os olhos atentos das senhoras perscrutam os jovens rapazes que planeiam alguma ou as raparigas atrevidas que, entre risinhos, escolhem os namorados entre os mais rebeldes e ‘maus rapazes’, pois assim é a ordem das coisas. Os homens jogam-se entre vinho barato e cigarros, falam do vazio que os preenche com o desapego insalubre de quem vive, de quem se torna em cascas vazias e gastas.
- A guerra doutor começa em nós, grassa feroz pelos campos dos sonhos incumpridos e torna-nos predadores. O doutor sabe o que é um predador? É uma besta sanguinária e descontrolada, que não para até desfazer entre presas e garras a sua vítima. Que se banha no seu sangue e guarda troféus nas paredes de seu covil. O que o doutor não sabe é que os predadores não são o topo da cadeia alimentar, oh não. São joguetes doutor, meros joguetes…
Quando a chuva falta e a terra greta ergue-se o pó da desconfiança e paranóia. O vento sopra como um animal faminto e os nossos corações desfazem-se entre estilhaços de sangue e crueldade. Ninguém sobrevive neste mundo, estamos condenados. Abençoados dos ignorantes que nada sabem destas coisas, pois deles será o inferno dos céus.
- Quando nós voltamos as bandeiras e cartazes enfeitavam todas as portas. As mulheres acenavam, os homens brindavam, os sinos das igrejas retorquiam e havia alegria no ar. Mas durou tão pouco doutor, foi apenas uma efémera luz que connosco gozou, aludindo a uma possível saída, um fim do túnel. Agora, para mim, o túnel é a luz e apenas a escuridão no fim me aguarda.
O dia avança e aquece. Disparam os aspersores automáticos que saciam os verdes tapetes de ilusões e enganos que cobrem os quintais das casas. Negligente, um rapazinho atravessa a estrada sem olhar e quase que é atropelado por um carro da polícia. Sem uma preocupação no mundo, aquele menino ia a correr, sem prudência mas com a divina providência a cuidar dele. Estava seguro nas mãos dos anjos.
- Ei vi o que o homem é capaz de fazer ao seu irmão. Vi corpos desfeitos de soldados a serem devorados pelos abutres e não me chocou menos o facto de usarem um uniforme diferente do meu. Vi políticos e senhores da guerra sorrirem à mesa do pequeno-almoço, enquanto decidiam o nosso destino. Vi a morte sorrir e a convidar-nos a violar aquelas pobres mulheres que, sem nada mais que as protegesse, valiam-se de preces vãs, pois Deus estava demasiado ocupado para as livrar do mal que se abatia sobre os seus ventres. Eu vi aquelas crianças, negras de fome, brancas de desespero, azuis de agonia e cinzentas como o céu que nos encobria. Eu matei crianças doutor. Eu matei crianças...
Ao passar pela casa velha e decadente, uma vizinha mais diligente assomou por entre os farrapos da cortina e viu um vulto. Era o pobre homem, prestes a cometer uma terrível desgraça…
- Obrigado por me ouvir doutor. Sei que poderei sempre contar consigo, mas o meu momento chegou. Ir-me-ei juntar a meus irmãos. Juntos, como heróis, regressaremos para perto de Deus, a seu lado ficaremos sentados a contemplar o infinito, homens por fim, em paz. O soldado cumpriu o seu destino. Eu não posso escapar doutor, sabe porquê… eu matei crianças doutor, eu vi-as a correr para mim, em absoluto pânico e terror, a pedir guarida em meus braços, a gritar, a gritar em absoluto desespero, absoluto desespero… eu tive tanto medo, tanto medo… elas estavam em pânico, elas queriam ajuda, doutor, elas queriam ajuda… eu perdi a consciência e quando despertei, tinha despejado o cartucho de balas sobre elas… os seus corpos tombados sobre a terra suja e molhada de sangue, a inocência morreu nesse dia doutor, eu matei crianças… eu não aguento mais doutor, eu não aguento mais as noites de vigília, o horror que me consome, eu quero chorar doutor, mas não consigo, ajude-me a chorar…
Lá fora, a polícia anunciava ao ocupante que estava a cercar a casa, pedia para que baixasse a arma e saísse tranquilamente, que prometia ajudar, se ele baixasse a arma.
- Eram tão pequenas, talvez uns 5, 6 anitos, talvez irmãos e primos, talvez filhos e netos das mulheres e homens tombados em resultado do nosso raid sobre a aldeia. Talvez fossem os meus filhos, talvez fossemos nós que lá estávamos doutor, eu e o senhor, a correr para os braços de um desconhecido, uma criança grande com uma AK47 nas mãos… eram os meus meninos e meninas, filhos de Deus… eu matei crianças doutor…
Quando o negociador da polícia e os dois atiradores entraram na casa já era tarde demais. O bom soldado era agora uma carcaça, uma casca vazia, terminara sua missão com um disparo de caçadeira na boca.
Com a cabeça deitada no seu colo, com olhos tristes de quem foi a testemunha final do martírio do herói, lá estava ele, o seu cão, o seu confessor, a sua única companhia nestes últimos anos, que ouviu e registou as últimas horas do seu dono neste mundo...
terça-feira, 12 de outubro de 2010
Chove, Chove Sem Parar...
Chove lá fora...
E ai dentro também.
Mas a chuva dai...
É no coração.
É chuva de Amor...
E não tem igual.
Porque limpa o ego...
E transforma tudo.
Ah, tem uma chuva ai...
Mas não há nuvens pesadas no teu horizonte.
Porque é chuva de Amor...
E clareia o céu do teu coração.
Tu olhas a chuva lá fora...
E emociona te com a chuva de dentro.
Ah, chuva que limpa o mundo...
E corre para se entregar ao mar.
Ah, Amor que chove ai dentro...
E sempre corre para se entregar à Luz.
Chove chuva, chove sem parar...
Chuva de Amor, que não se explica; só se sente.
Chove chuva, chove no coração...
Chove Amor, sem parar...
Ah, tem uma chuva ai...
PS. (Às vezes,perguntam me se estou apaixonada.
E eu respondo afirmativamente.
Sim, estou apaixonada, desde que nasci.
Ou, melhor dizendo, até bem antes disso.
Fiquei apaixonada pela Vida, que é muito mais do que percebo.
E porque o Amor é um estado de consciência.
E eu não sei explicar nada disso, ainda bem.
Porque, se explicasse, seria algo só da mente.
Então, escrevo e deixo os outros especularem sobre os motivos.
Sim, eu estou apaixonada!
Sempre estive, e pretendo continuar...
Pela Vida! Por um Grande Amor!
E eu sei bem pouco sobre essas coisas grandiosas.
Na verdade, mal sei sobre mim mesmo.
E isso é maior do que eu; é maior do que tudo.
Ah, eu estou apaixonada, sim!)
Chove, Chove Sem Parar...
Além Tejo
A manhã apressa-se ao som do rock-pop refrescante.
O gorgolejar de água pincela de azul, o quadro de pastos adourados pelo calor do vento.
Os sobreiros erguem-se imponentes, competindo com as oliveiras de sabor mediterrâneo.
Sons de "espanta-pássaros" cortam o ar quente dum sol escaldante.
Uma aragem toca d-e-v-a-g-a-r o meu corpo deitado.
Sento-me entre um beijo calado e um poema inacabado.
Agarro as palavras com que amanheço (s)em sono.
As formigas são a distracção quase hipnótica do momento em silêncio.
Calo a voz, solto os cabelos e apago o sol para um exílio inacabado.
Vai o dia a meio.
E sorrio.
segunda-feira, 11 de outubro de 2010
O Regresso dos Heróis: Memórias de Batalhas Esquecidas, em 4 Actos
Acto I: Em ombros
O ranger do soalho acompanha o ranger das portas da memória, à medida que estas se entreabrem com o soar dos passos sob o alpendre. O aproximar do mensageiro acelera o pendular ritmado da cadeira de baloiço.
Nada lhe importa agora. Nada se sobrepõe à sua memória, que agora flui selvagem entre as portas escancaradas, varrendo qualquer esperança ou cor. O Mensageiro está à porta. Ela sabe o teor da missiva. Ela sabe o que a espera. E sabe, no íntimo recanto do seu peito onde antes o guardava que não mais o irá esperar. Ela sorri, ansiosa. Levanta-se, com a calma solene do olho da tempestade, apoia os seus braços cansados de preces incontáveis sobre os apoios gastos do berço áspero em que se aninhava noite após noite de espera e ilusão e, como Cleópatra aceitou o cesto de figos onde vinha a áspide, também ela irá aceitar a carta.
O texto não a surpreendeu, chocou ou sequer a comoveu. Dizia o que ela já sabia desde o dia em que ele partira. Algures, num país longínquo, agreste e em caos, morrera em combate o homem que um dia a tinha beijado na boca pela primeira vez, que um dia lhe tinha oferecido flores silvestres pelo aniversário, que um dia se zangou com ela quando desabafou que não se achava bonita, que um dia lhe secou as lágrimas com um sorriso meigo, que um dia a tomou no altar e que um dia partira para a guerra…
No dia do funeral chovia ininterruptamente, o céu desabava sobre os poucos que se aglomeravam para ver passar o cortejo. Em ombros, era levado o caixão de um soldado, perante os olhos de sua viúva, triste como a noite que para sempre iria cobrir os restos mortais de mais um herói que regressava tombado, morto por gente que nunca conhecera, por razões que nada lhe diziam, lançado às feras, um gladiador perdido numa terra distante...
domingo, 10 de outubro de 2010
(Im)Pura
Lava-te. Não te quero assim impura. Nem te reconheço, quase... não pareces tu. Quero que a água te dissolva a mágoa e o cansaço, as olheiras e o sal seco das lágrimas, as palavras e as marcas do mundo lá fora.
Quero que venhas lavada e nua até mim. Quero-te em jejum de sentimentos e nutrientes. Quero-te pele e osso, vazia por dentro, como um tambor onde as minhas mãos possam ressoar. Quero o teu silencio de neve a cair. Branca e imaculada. O teu silencio de sempre, vazia como sempre.
Nem pareces tu...
Gosto que não adormeças nos meus braços e fiques toda a noite de olhos abertos no escuro, os teus olhos rasgados sem nada dentro. Gosto de olhar para eles e não saber se mora lá alguém.
Estou cansado de gente que chega com bagagens e passado e invade todas as divisões da minha casa com escovas de dentes, livros, fotografias, roupa, recordações de infância, animais de estimação que me odeiam e que eu odeio, opiniões, jarras de flores, dedadas no vidro, migalhas no chão, promessas de amor eterno, palavras e mais palavras e mais palavras que, às tantas, parece que nunca vão parar e se transformam numa massa sonora disforme ao fim dos 30 primeiros segundos. Estou cansado de pessoas que dizem que me amam e que me abandonam ao fim de uns meses, com indicadores espetados e acusações de que não me abro. O que há para abrir? Não gosto que me abram nem gavetas nem armários nem a porta dos pensamentos.
É por isso que te amo, sabes? Quando rodo devagar a fechadura para te abrir, tu não estás lá dentro. Só há uma divisão branca e vazia, de janelas abertas e cortinados a voar ao vento, o sol da manhã a entrar por elas e o teu cheiro. Quando rodo a fechadura para te abrir, fecho os olhos e inspiro o teu perfume de fantasma. Não preciso de mais nada. Depois sim, posso finalmente entrar em ti. E apesar de não estares, sei que estou em casa e tudo se passa em câmara lenta, o tempo suspenso.
Mas hoje nem pareces tu... Vens com lágrimas. Cheiras a incêndio. Rodo a fechadura devagar e de repente estás lá dentro, parada no meio da sala a olhar para mim com um olhar de ressentimento. Não te reconheço, aí a tremer. Há palavras a sair da tua boca como nuvens de vapor mas sabes bem que não consigo condensa-las e entende-las.
Porque choras? Lava-te primeiro e depois deita-te ao meu lado. Há demasiada informação em ti hoje. Estás impura. Quero entrar em ti e não te encontrar, só ao teu cheiro a manhãs de neve. Fria e imaculada.
sábado, 9 de outubro de 2010
Musical(idade)
Choro do colo perdido
abraços (de) passado(s).
Corro de encontro ao espelho
pelo caminho de reflexos
tardios
baços
nos espaços
luzidíos
e
brancos
os
olhares de navios
que ondulam (n)os teus cabelos
crespos
os sorrisos
lestos
os
p
a
s
s
o
s
que desviam os teus dedos de pianista
das minhas mãos
de musica.
quinta-feira, 7 de outubro de 2010
Miles away from
Distance in me
I wonder were the ability went
For the travelling light
Weight on the floor
Oh miles, oh miles…
Today I’m contemplating the inner me
The mathematical theory of knots.
The unknot!
Surviving in the loop?
Oh miles, oh miles…
Brain aches come over
The unknot.
Sleeping without resting.
Never resting.
Oh miles, oh miles…
The path was never clear
Still there were paths.
I’m standing here
Like a dot in the end of the final sentence.
Oh miles, oh miles…
Oh miles, oh miles, oh death.
terça-feira, 5 de outubro de 2010
Mãe
Por vezes a solidão invade-me apesar de tanto amor à minha volta.
Uma solidão castigante de incompreensão e abandono.
Flutuo sem pertencer a lugar algum, talvez fazendo parte dum meio etéreo e suave em que te encontro a sorrir.
Sinto-te em mim nas gargalhadas sadias, no olhar doce e nas palavras caladas vindas do teu coração de anjo.
O teu toque ampara-me (n)as quedas em que estremeço nos sonhos- pesadelos infantis.
O teu perfume inebria-me os afectos, tornando-me numa pessoa melhor.
Por vezes, ignoro os sinais e revelo o que de mais primitivo há em mim.
Instantes que se prolongam por momentos.
Então, concentro-me no teu afago mágico e parto com a música.
segunda-feira, 4 de outubro de 2010
Nem luto, Nem dramas... Só estrelas!
(Quando o Amor faz a dor ir embora...)
Ninguém morre...
É só a vida que sorri em outro plano.
Os sentidos do corpo não registam quase nada.
Muito menos a totalidade do universo e seus desdobramentos.
Há coisas que não se vêem, só se sentem...
O Invisível é tão real quanto o visível.
Mas só o coração é que sabe disso.
Por isso, ele compreende o mistério...
Há canções que não se escutam com os ouvidos.
E toques que não são físicos.
Ah, quem é capaz de medir ou pesar um sentimento?
Muitos sentem saudades vão ver os seus mortos
Mas há outros que olham para cima...
Porque sentem que o lar espiritual é o mesmo das estrelas.
Alguns olham fotos e choram, por um passado que não volta.
No entanto, outros olham para frente, e seguem...
Porque eles sentem algo a mais...
Ah, isso não se explica...
Porque é toque do Invisível no coração.
E faz olhar para cima, com os olhos brilhando.
Saudade não tem idade; nem nenhum espírito.
Sete palmos de terra não seguram o que é subtil.
Ah, a vida canta em tantos lugares...
E quem pode afirmar que só tem vida aqui?
O corpo dissolve se na terra a consciência, não.
O que é da Terra retorna para Ela; o que é das estrelas volta para elas...
A canção dos astros retumba por todas as esferas...
Mas só o coração escuta, e se encanta.
Muitas vezes, a dor de uma perda faz tudo ficar sombrio.
Então, do Invisível descem toques subtis e amigos.
Que, de alguma maneira, sempre chegam a quem precisa.
Não são toques físicos, nem podem ser pesados ou medidos.
São como os sentimentos. Quem pode explicá-los?
Nas ondas do amor, desaparecem as tombas, e só se vê estrelas.
E a dor vai se ... E as flores ficam tão lindas.
Dá vontade de oferecê-las para outro coração, pela vida.
Dá vontade de fazer algo bom, em homenagem a quem partiu.
E o luto vai se... Na vida, que sempre chama.
E isso não se explica, só se sente.
A vida pulsa em todos os planos...
E quem ama sabe disso.
Porque seu coração escuta o som das esferas.
Ninguém morre...
É só a vida que segue cantando, por aí...
sábado, 2 de outubro de 2010
Bilhete de volta
Desdobro-me em pensamentos e, nenhum me cativa. No canto do céu da minha cabeça, vive Hipérbato e, que fazer não sei já. Naquela noite, rainha dos crepúsculos, todas as estrelas brilhavam ao som do sol e, a lua sentia-se vaidosa por conseguir destacar os seus continentes e mares lunares. Naquela manhã, todo o sol, gabava-se dos seus feitos nocturnos e, o céu azul claro espelhava o mar. Naquela tarde, à sombra da sétima árvore do terceiro jardim, da primeira rua da cidade, o meu canto ficou habitado repentinamente e, outra noite como a anterior, nunca mais viram, os meus dias.
Ainda não tenho noção da gravidade do meu alojamento, digamos que a cabeça já não faz tanto eco, mas os pensamentos estão trocados… quando o meu tempo se confunde, batem os ponteiros, os minutos querem seguir, os segundos preferem parar… e estou a olhar para o relógio… apesar de já serem horas de dormir, a noite nunca mais chega. Não há estrelas, a lua não brilha. Resolvi meter-me para dentro e falar com o novo inquilino. Bati à sua (minha) porta, esperei. Espreitei pelo buraco da fechadura, esperei. “Já paguei a renda, não voltes mais aqui, estou a almoçar os teus sonhos.”
A almoçar os meus…? Fiquei a pensar durante algum tempo sobre o que eram sonhos. Não me lembro da palavra. Resolvi responder que não estava aqui para cobrar a renda, só queria saber o que se passava e, já agora, o que eram os sonhos. “Péssimo canto, muito mau, cheio de humidade, nunca fizeste obras por aqui?”
Se fechar os olhos talvez tudo isto desapareça. É imaginação minha. Foi do desdobramento, depois passa.
“Um sonho é aquilo que pensas que, mas quando vais, já deixou de.”
Naquele dia, passei da tarde para a manhã e o mesmo aconteceu nos restantes. No canto da minha cabeça, nunca é de noite… e, sei não dormir eu de dia.
Resolvi ocupar o meu outro canto da minha cabeça e ser vizinha de Hipérbato. De manhã, Hipérbato canta, à tarde escreve em alto, de manhã almoça sonhos, à tarde limpa a humidade, de manhã abre a porta e olha em frente, à tarde fala baixo, de manhã acerta o relógio, à tarde olha as palavras, de manhã troca tudo…
E que fazer não sei já. Um som invertido soou à minha porta. Quem é? “Vizinha, posso trocar umas palavras contigo?” Não! “Tenho noites em promoção, queres?”
No dia em que Hipérbato foi viver para o canto do céu da minha cabeça (lembro-me como se tivesse sido ontem), comprei um bilhete de ida e, gastei todo o dinheiro que tinha nele.
Impossibilidades
É onde a cabeça de uma sweet little sixteen cai, frequentemente. Rola, desespero abaixo e, pum, estilhaça-se no vazio. Foge, acelerada, do...
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É onde a cabeça de uma sweet little sixteen cai, frequentemente. Rola, desespero abaixo e, pum, estilhaça-se no vazio. Foge, acelerada, do...
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I. Olha para ti, nem tens força para pegar em mim, quanto mais para me fazer feliz. Ontem ouvi dizer que me ias contar um segredo, a...