quarta-feira, 29 de junho de 2011

Cinzas




Na fatia de tempo que sucede o último suspiro e a queda na noite,
As irmãs siamesas
Impulsionaram-se em música.
Com a ponta dos dedos, extensão do coração, e as cordas da viola, extensão das da voz
Porque não suportavam a maresia.


Na véspera do solstício,
O vinil
Tocava chorinho chorando
E abrindo os olhos do mundo com a sua nudez
Porque a voz assim o ordenava.

Na quarta-feira de cinzas,
O velho preto com uma pala no olho direito e guitarra nas mãos
Sibilou como um réptil ao ouvido da presa
Como quem cauteriza a sua própria ferida
Porque tinha necessidade de vestir-se em sonâncias.

No momento em que a lua atordoa os telhados,
A amante morta
Inventou um país sem rios
Com os seus dedos de aranha
Porque não podia ceder à perda de memória.
Porque o amor que encontrou ao virar da esquina perdura na memória, na voz, nos gestos.
Marcado na alma e preso na palma da mão.

Todos os dias,
O homem que desenha mapas

Come pétalas de rosas
No ponto continuo costurado entre ele e a agulha
Porque anseia estar só e desligar o caos que a todos nos une.


E eu
Escrevo uma poema
Sentado no chão encostado ao segundo poste, depois das escadas da velha casa com faixa azul, onde te pedi um fio de cabelo.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Solta(S)










trémula a folha



cai



em sangue o Outono



.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.




visto-me de ti



em nuances de fogo



o olhar mareado de lágrimas estivais




.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-




dormes no meu corpo



o son(H)o



virgem guerreiro sem tempo




.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.




busco num poema



a força



do carvalho refeito cor(es)




.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.




sei o som



da morte



da vida em musica celebrada





VIVO

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Asa(s)






Exangue a tortura do plano inclinado

trocam-se palavras

letras empoleiradas nos beirais do poema


d


e


s


a


l


i


n


h


a


d


o



o tempo em que as romãs são diospiros

maçãs do rosto em fogo

a

alma

leve suave transparente

cálida

a noite

em que te vestes de mim.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

O tempo do tempo




Era noite, talvez madrugada, acordou com um barulho, tic tac, tic tac.

Mas ela não tinha relógios no quarto…de onde vem o barulho?

Olhou em redor não viu nada, nem uma réstia de luz naquele quarto, pois ela não consegue dormir sem ser na completa escuridão.
Não gosta da luz, da projecção de sombras na parede, fazem-lhe confusão, perde a noção entre real e o que é fruto da sua imaginação.

Acendeu a luz e procurou o relógio, mas não existia nenhum relógio…foi descalça até à sala, para sentir o frio do chão e ter a certeza que não estava a sonhar, abriu a janela olhou para a lua, acendeu um cigarro e o som tinha desaparecido.

Voltou para a cama e já de olhos fechados, o som, aquele som, tic, tac, tic, tac!!!!
Relógio, conjunto de peças soltas que juntas, medem intervalos de tempo.
Mas ela tinha deixado de usar relógios, pois não queria saber do tempo, odiava o tempo!

O tempo passou a ser demasiado longo para ela.
Passavam segundos, minutos, horas, dias, semanas, meses e anos, e ela não queria ter essa noção. Um engano para si mesma, pois sabia o tempo exacto!

Antes reclamava com o tempo pois não tinha tempo para nada, depois passou a reclamar com o tempo porque este demorava demasiado tempo a passar.
Mas perguntava-se se o tempo correria depressa demais ou seria ela que corria, o tempo corre?
Quando o tempo demorava a passar pensava, é ele que é lento ou serei eu?

Mas os segundos, os minutos, as horas, os dias,as semanas, os meses, os anos continuam a passar porque o tempo não pára!

O tempo não pára, ou somos nós que não paramos?
O tempo corre ou somos nós que corremos, o tempo demora ou somos nós que demoramos.

Mas ela só queria dormir…mas o som continuava, estaria a sonhar ou seria a sua cabeça a pensar, a pensar sobre algo que ela não se atrevia a pensar durante o dia, o tempo, o tempo que já passou e o que falta passar.

O tempo…preciso de tempo, pensou!

E adormeceu com aquele tic tac ensurdecedor na cabeça. E com o tempo sonhou ou terá sido um pesadelo?

Acordou, estava tudo escuro, sentiu que não tinha descansado, levantou-se a abriu a janela, o sol brilhava, esta um dia bonito, pensou.
E enquanto se maravilhava com a luz e o calor do sol, lembrou-se, lembrou-se do tempo.

Que horas são?

E os segundos, os minutos, as horas, os dias, as semanas, os meses e os anos continuam a passar!

terça-feira, 21 de junho de 2011

poesia

 


agora é fruir o som dos Sean Riley and the Slowriders e ler

O olhar

Canto I

No princípio está o olhar.
Ocasional e inconsequente olhar de ver,
como se vê o dia, a noite, o automóvel e o pássaro, o cão da rua;
como se vê o próprio umbigo.
Sem emoção.

Mas quando se olha, corre-se o risco
de ver,
entre tanta coisa e tanta gente, alguém que estala,
- às vezes rebenta –
alguém que salta à nossa frente e se ilumina, ali aos nossos olhos,
como um fogo de artifício, ponto de luz, inevitável foco
para o não mais distraído olhar que nesse alguém se deixa,
se planta
e se vislumbra,
como o olhar de uma criança que encontra o brinquedo perdido.
Então não mais se olha.
Apenas se vê.
E quanto mais se vê, mais se olha
porque olhar é o primeiro gesto de dizer que a vi.
E que o meu olhar lhe diga que a percebo
          - entre tanta coisa e tanta gente –
e a percebendo gosto e gostando a quero.
O olhar aí é a descoberta. O sinal de aviso.
E quando ela se descobre olhada, também vê.
E se quando vir percebe, e percebendo gosta,
olha também.

Canto II

É ela, já se viu!
E, se olhou... meio caminho andado,
          - porque andar é preciso -.
Segui-la na multidão,
atropelar os passantes, atravessar com o sinal fechado,
negar a esmola a quem pede, fingir que não se vê o amigo,
esquecer mesmo a hora marcada.
É ela sem dúvida.
Que longos caminhos teremos feito estupidamente.
Quanto tempo perdido para chegar até aqui,
a esta esquina tão comum, num dia como qualquer outro, neste prosaico começo de tarde?
É ela!
O seu jeito de andar não chega a ser sensual.
Ela desliza e sabe que desliza, com um andar que não usa todos os dias.
Mas sabe que eu vou ali,
Tímido e ardoroso à espera de a encontrar.
Naquele momento ela não vai a lugar algum. Esqueceu-se onde ia.
Está simplesmente na minha mira e anda.
Não anda, dança.
Dança um balet furtivo.
Os seus passos soltos pela rua e pela tarde.
O seu olhar não vê nada. Distrai-se com tudo.
Refreia o passo. Aguarda-me.

Canto III

Um olhar, uma caminhada.
Já me sinto apaixonado como se ninguém tivesse visto antes
e nada tivesse andado.
- Eu sou o João!
- Eu sou a Maria!
Quem já terá visto um sorriso tão bonito?
Quem terá ouvido coisa assim: eu sou Maria?
Apenas um olhar, um nome e um sorriso,
um jeito de andar,
um sorriso e um nome de mulher,
uma mulher, um olhar e um sorriso.
Um jeito de andar.
Apenas só isso?
Maria falava com um timbre de violoncelo, mas não era tudo, não era apenas música.
Enquanto ela falava,
sorria
          - então não era sorriso, ela falava -.
Ela sorrindo dizia docemente: eu sou Maria.
- Eu sou Maria.


segunda-feira, 20 de junho de 2011

Queda




Visto-me de chuva
tropical
quente o momento em que entras em mim
de___________vaga_r
onda sobressalto
salto alto____________________nave___g.a.r
profundo
o
olhar
translúcido
tríptico vitral.

Cais
de embarque
em mim
alma_________ sentidamente etérea
âncora férrea
casco
proa mastro banal
bandeira
virtual
mãos de riso
coração________preciso
bússola
batel.

Ensaio a________fuga
lume de cabelos ácidos
água mercurial
sa(n)grado o mergulho com que ascendo aos céus_________
____véus
de renda em nafta________

__________________o.f.e.r.e.c.e.s-me a tua boca de príncipe
________sorri(S)o orgulho magma
filme
nu
corpo
em
chaga.

sábado, 18 de junho de 2011

Amanhecer





Ensaio passos


nas memórias que me emprestaste.



Escrevo ao sabor do vento


os cabelos em desalinho


as letras


em palavras,


sem tradução.



Persigo o nascer do sol no lago de um Deserto amado.


Aspiro o perfume das madugadas que transportas no respirar.



Regressas.



Masnão é minha a cor do teu olhar.



E chega a hora do sol partir


e dar lugar


ao luar.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Impacto...

No ar… 1 volta… 2 voltas
Impacto… 1 vez… 2 vezes… 3 vezes
Fumo, confusão, desnorte
Esperava a dor… A dor nunca chegou
Esperava o sangue… O sangue nunca jorrou
A consciência nunca se perdeu
Apenas me perguntei – afinal o que sou eu?
Um fantoche no meu próprio mundo
Marioneta da minha imaginação
Pensamentos negros e profundos
Para os quais não procuro explicação
Relembro o ruído
Mais ensurdecedor do que o silêncio absoluto
E o metal contorcido
Mais dobrado do que um coração partido

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Germes



Esfregou pela quinta vez o prato onde a cunhada comera o magro almoço que lhe apresentou nesse domingo, até ver nele o seu reflexo, as mãos vermelhas gretadas de higiene e raiva. Esfregou e nunca lhe parecia suficiente para remover todos os germes lá depositados pela brasileira feliz que o irmão escolhera para lhe infectar a vida de tropicalidades e sabe-se lá que espécies desconhecidas e fatais de micróbios comedores de carne.

- Você é muito fechada, Luísa. Se abre mais para a vida...

Abrir... Nunca gostou do verbo. Sobrevalorizado. A cunhada era uma deslumbrada com tudo, como se a vida fosse uma eterna festa de pátio com violeiros improvisados e churrasquinho a grelhar indefinidamente pela tarde fora. Mas Luísa sempre desprezou a futilidade imbecil da felicidade alheia, o deboche insultuoso do riso.

A luz de Inverno entrava pelas janelas da sala, tomando terreno timidamente pela casa fora, em câmara lenta, coada pelas cortinas de renda que mãe fizera há 30 anos, no tempo em que eram todos vivos e falantes; um pó de ouro que ela não permitiria a flutuar e a cair como neve sobre as figuras submergidas de uma redoma de vidro. O silêncio como uma presença física. Uma casa hoje convenientemente à sua imagem fria e asséptica.

Nas prateleiras, os álbuns de fotografias que todos os domingos, sentada no mesmo cadeirão, a mãe lhe pedia para rever, onde todos os elementos da família permaneciam a salvo, congelados no tempo, as crianças sempre crianças, ainda que agora se aproximassem dos 30 a passos velozes. Era assim que elas gostavam de se lembrar deles, memórias preservadas em âmbar, petrificadas cada qual no lugar a que pertenciam, como os bibelôs, as recordações de Viana, a Última Ceia desbotada por cima da mesa da sala, a colecção de selos do papá e o exemplar da “Cidade de Deus” de St.º Agostinho sobre a mesinha de cabeceira, do lado onde agora dormia o seu fantasma.

Esfregou pela sexta vez o prato mas a sombra da cunhada teimava em colar-se a ele e encardi-lo de vulgaridade, por isso esfregou mais forte. Tudo o que lhe passava pelas mãos perdia a cor de tanta lavagem; copos, pratos, porcelanas finas onde os desenhos iam sumindo e empalidecendo, roupas que não confiava à máquina por ser preciso arrancar delas o cheiro do mundo lá fora, do monóxido de carbono, do cio primaveril dos animais, dos adolescentes e das amendoeiras em flor, do riso obsceno das mulheres – que razão teriam para ele? –, o cheiro coalhado a suor e cerveja dos homens nos autocarros e no metro. Láforáporcariatodemtudatodáhora!

Os amuletos necessários para enfrentar o grande desconhecido viajavam consigo para todo o lado, bem guardados dentro da mala: um escapulário que o pai lhe dera antes de morrer, para a protegersenhordetodomal, e uma embalagem de álcool - conseguia ler o escárnio nos lábios e nos olhos dos outros sempre que a usava, depois de mexer em cada pasta de processo. Na quinta-feira, uma das colegas aproximou-se da sua secretária só para dizer: “Luísa... estás abaixo da tua média. Ontem, das nove ao meio dia já tinhas desinfectado as mãos 27 vezes, hoje ainda só vais em 15.”

Vá... riam-se... eu sei quem rirá por último, costumava pensar e nessas alturas vinham-lhe à cabeça imagens ilustradas de um apocalipse de BD, onde o Sétimo Selo se quebrava nas mãos de um cavaleiro embuçado num cavalo verde pálido, matéria em decomposição, vírus, pestepratodoseles! Só os imaculados serão salvos.

Esfregou o prato pela sétima e última vez e recordou-se dos resultados do hemograma em cima da mesa da cozinha, vigiados zelosamente pelo olhar de Salvé Rainha da Nossa Senhora de Fátima do calendário. Também ela parecia sorrir-lhe num esgarzinho condescendente e irritante, quem sabe se do alto de uma azinheira ou de uma nuvem dourada, como quem diz “Estás mesmo abaixo da tua média...” E de facto lá estão os linfócitos B (B de burros, B de bafientos, B de baixos), fracos e amarelos, a mirrarem na contagem, incapazes de guardar memória de ataques anteriores para produzirem anticorpos que a defendam da contaminação e do pecado do Mundo, anémicos Cordeiros de Deus sem espada nem escudo.

Enxaguou abundantemente a loiça, o olhar atravessando a janela da cozinha até à alameda de tílias e sonhou que a percorria dentro de uma bolha, pairando como a Nossa Senhora de Fátima, só que mais esterilizada e protegida contra o Armagedão microscópico que já começara lá fora, invisível a olho nu.

Pedaço de Céu...





Um pedaço de céu que nunca chega
Um pedaço de céu só meu… só nosso… ou talvez de ninguém
Palavras sem dono perdidas no vento
Pensamentos soltos largados ao mar
Escrever e apagar
Lembrar e esquecer
Continuar a procurar
Pedaços de céu
Aqui mesmo onde estamos
Mundo real onde a lei é sonhar
Onde o sonho se canta
E a vida se dança
Chamas que nos aquecem e nunca queimam
Lágrimas que nos molham e nunca correm
Pelas nossas faces impolutas
… Impávidos assistimos a tudo o que passa
E sem mais nem menos deixamos que nos levem…
O nosso… Pedaço de Céu


terça-feira, 14 de junho de 2011

Desafio: Música

Depois de uma longa paragem nos desafios o Alone in The Dark - TXT tem um para te propor.


Ouve esta música e escreve para ela, sobre ela. O que o ambiente criado pelo som te proporcionar, inspirar.

[Os textos deverão ser publicados no dia 4 de Julho]

Boa escrita

AitD - TXT

Nota: Não existe qualquer limitação (no género ou dimensão do texto). Este desafio está aberto a todo o "universo" Alone In The Dark.

Impossibilidades

É onde a cabeça de uma sweet little sixteen cai, frequentemente. Rola, desespero abaixo e, pum, estilhaça-se no vazio. Foge, acelerada, do...