agora é fruir o som dos Sean Riley and the Slowriders e ler
O olhar
Canto I
No princípio está o olhar.
Ocasional e inconsequente olhar de ver,
como se vê o dia, a noite, o automóvel e o pássaro, o cão da rua;
como se vê o próprio umbigo.
Sem emoção.
Mas quando se olha, corre-se o risco
de ver,
entre tanta coisa e tanta gente, alguém que estala,
- às vezes rebenta –
alguém que salta à nossa frente e se ilumina, ali aos nossos olhos,
como um fogo de artifício, ponto de luz, inevitável foco
para o não mais distraído olhar que nesse alguém se deixa,
se planta
e se vislumbra,
como o olhar de uma criança que encontra o brinquedo perdido.
Então não mais se olha.
Apenas se vê.
E quanto mais se vê, mais se olha
porque olhar é o primeiro gesto de dizer que a vi.
E que o meu olhar lhe diga que a percebo
- entre tanta coisa e tanta gente –
e a percebendo gosto e gostando a quero.
O olhar aí é a descoberta. O sinal de aviso.
E quando ela se descobre olhada, também vê.
E se quando vir percebe, e percebendo gosta,
olha também.
Canto II
É ela, já se viu!
E, se olhou... meio caminho andado,
- porque andar é preciso -.
Segui-la na multidão,
atropelar os passantes, atravessar com o sinal fechado,
negar a esmola a quem pede, fingir que não se vê o amigo,
esquecer mesmo a hora marcada.
É ela sem dúvida.
Que longos caminhos teremos feito estupidamente.
Quanto tempo perdido para chegar até aqui,
a esta esquina tão comum, num dia como qualquer outro, neste prosaico começo de tarde?
É ela!
O seu jeito de andar não chega a ser sensual.
Ela desliza e sabe que desliza, com um andar que não usa todos os dias.
Mas sabe que eu vou ali,
Tímido e ardoroso à espera de a encontrar.
Naquele momento ela não vai a lugar algum. Esqueceu-se onde ia.
Está simplesmente na minha mira e anda.
Não anda, dança.
Dança um balet furtivo.
Os seus passos soltos pela rua e pela tarde.
O seu olhar não vê nada. Distrai-se com tudo.
Refreia o passo. Aguarda-me.
Canto III
Um olhar, uma caminhada.
Já me sinto apaixonado como se ninguém tivesse visto antes
e nada tivesse andado.
- Eu sou o João!
- Eu sou a Maria!
Quem já terá visto um sorriso tão bonito?
Quem terá ouvido coisa assim: eu sou Maria?
Apenas um olhar, um nome e um sorriso,
um jeito de andar,
um sorriso e um nome de mulher,
uma mulher, um olhar e um sorriso.
Um jeito de andar.
Apenas só isso?
Maria falava com um timbre de violoncelo, mas não era tudo, não era apenas música.
Enquanto ela falava,
sorria
- então não era sorriso, ela falava -.
Ela sorrindo dizia docemente: eu sou Maria.
- Eu sou Maria.
Um amor sublime........que desliza na pele. E no olhar. em poema.
ResponderEliminaro amor pode pode nascer do nada, de um simples olhar...e quando se vê o que não se via antes, não se consegue ver outra coisa! Felizes dos que, como a Maria e o João, viram para além de qualquer coisa, o amor!
ResponderEliminarO amor tem o dom de tornar as coisas simples, o olhar, o andar, o sorrir, em coisas deliciosamente graciosas. Amei este texto!
"alguém que salta à nossa frente e se ilumina, ali aos nossos olhos". É mesmo assim. O amor resumido em poucas palavras.
ResponderEliminarUm aproximar do geral que se começa a tornar particular numa poesia de dizer a sorrir.
ResponderEliminarainda bem que vim espreitar o blog antes de 'desligar' e descobri este texto belo
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