Infelizmente não me posso considerar um grande viajante no que concerne a viagens de turista sazonal.
Aquelas viagens de cartão de crédito na carteira, máquina de filmar na mão, percorrendo quilómetros atrás de quilómetros, com estadia em casa de amigos, hotéis ou simplesmente em casa alugada.
Essas viagens que misturam o afã diário com uma “pseudo-liberdade” embebida em filas de tráfego, areia na toalha, matas apinhadas de gente e de lixo, restaurantes a abarrotar e filinhas para visitar este ou aquele monumento.
Aliás, não creio que isto seja viajar no sentido literal do termo. Isto é tão-só trocar de espaço físico ou muito simplesmente de horários.
Não pretendo com isto dizer que não seja importante conhecer feições diferentes daquelas com que tropeçamos todos os dias no prédio, no emprego, no café, no restaurante ou, muito simplesmente na rua que palmilhamos. Para além desta vertente, este viajar permite constatar uma realidade que tantas vezes nos recusamos a aceitar.
Mas sem querer ser ou simplesmente parecer comodista prefiro deixar-me embalar pelos verdadeiros viajantes. Por aqueles que imaginam viagens pelos caminhos do mundo ou somente pelos atalhos das nossas memórias. Aqueles que, ao partir, desconhecem onde vão chegar. E são tantos.
Imaginem o que é viajar com as “Sequências” de Jorge Sena (“Roma, Veneza, Florença, Nápoles, spaguetti…”). E com Garrett pelas lezírias ribatejanas; tomar banho na “Praia dos Cães” com Cardoso Pires; subir à “Montanha” com Torga, conhecer Coimbra pela “pena” de Assis Pacheco nos “Trabalhos e paixões de Benito Prada” ou mesmo “vindimar” com Steinbeck. E porque não dar umas braçadas no “Mar” de Hemingway e tantos outros.
Neste viajar assiste-se a um alargamento dos horizontes. Faz-nos conhecer melhor a nós próprios, ao nosso “eu”, bem como ao “eu” dos outros.
Podemos, pois, transpor para este viajar interior o pensamento de Shakespeare quando diz que somos feitos da mesma matéria dos sonhos, expressando assim uma verdade ancestral de todos os povos: a consciência avassaladora da nossa fragilidade. Como as figuras de um sonho, somos inconsubstanciais, etéreos, esvanecemos no tempo como se de uma fotografia antiga se tratasse.
A eternidade da consciência, por outro lado, é o objectivo daqueles que procuram na arte de sonhar a melhor forma para o conhecimento de si mesmo e do próprio Universo.
entrada em grande, num estilo de roadtrip literária por terras de Lusitânia
ResponderEliminarbem vindo!
Bela reflexão sobre o prazer da leitura. Lemos para conhecer o mundo e os outros mas sobretudo para nos encontrarmos, para transformarmos o que somos em palavras, para nos acrescentarmos. E assim escreveu Zaratustra.... e muito bem.
ResponderEliminarE aqui se constata que podemos viajar, sem sair do nosso sofá...muito bom!!! Os livros levam-nos longe ( e por algum motivo se diz sempre, o filme não faz jus ao livro, porque o interpretamos à nossa maneira, porque viajámos nas palavras e lhe demos o nosso toque).
ResponderEliminarAdorei viajar com este texto!
Um bilhete de ida e volta... assim que abrimos um livro para a viagem que ele nos vai proporcionar, sem dúvida. :)
ResponderEliminarBem-vindo, Zaratustra.
"A melhor maneira de viajar é sentir", não é o que dizia o Pessoa? Boa reflexão sobre a leitura e o tal "alargamento de horizontes" da consciência, ao deixarmo-nos contagiar pelos verdadeiros viajantes. Ao menos esse passaporte podemos encher de carimbos à vontade e sem grandes custos. :) Gostei muito.
ResponderEliminar...E assim falou...:-))
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