domingo, 4 de abril de 2010

Diálogos...



A cena é clássica: Um casal, sentado numa mesa de restaurante, um de cara para o outro, um sem olhar para o outro, apenas comentários casuais entre as garfadas que cavam o tempo, rítmica, metodicamente.

"Vamos sair para jantar?", "OK", "Onde queres ir?" "Tanto faz, um lugar com gente". Aqui, eles estão no tempo dos 40, um pouco antes, um pouco depois, mas já vi casais muito mais jovens e a mesmíssima cena, o que não deixa de ser ainda mais melancólico, apenas porque nós gostamos de imaginar que os jovens de alguma forma estão protegidos das nossas angústias, pois é, não estão, nem conseguir curtir um jantar a dois é questão de idade, é questão de interlocução!

Olho em volta do vento nas folhas,alguém ao telefone, uma música lá longe, uma sirene, um carro que chega, um que parte, talvez passarinhos fazendo algazarra em uma árvore da rua.tudo, todo tempo, se comunica,é som,não qualquer som, gratuito, inocente, o som do universo é fala, tem uma intenção, seu alvo é o Outro.

E envolvidos na fala do mundo,acabamos achando que é fácil entrar na melodia de todos os seres, mergulhar no compasso do outro. Evidente que estamos enganados, o diálogo está bem longe de ser um dado, é exercício, treino, conquista, sem a qual estamos destinados a ser eternos protagonistas da solidão.

A arte do diálogo, o desafio de descobrir a pergunta que mora dentro dos olhos do outro, viram o filme argentino belíssimo, La pergunta de tus ojos, de Juan José Campanella? Então, é disso que se trata, os olhos do outro estão lá, abertos, prontos. A gente olha e não entende. As palavras, os olhos, todo o nosso corpo fala de nós, são expressões disso que chamamos de 'eu', discurso que nem sempre o outro ouve e, quando ouve, nem sempre entende.

Nada a fazer. Mas aos 40, um pouco antes, um pouco depois, nós já vimos muitas e muitas vezes pequenas faíscas provocarem grandes incêndios. Arghhh, lugar comum, mas é neles que nós reparamos um de cada lado da mesa, as garfadas cavando o tempo.

Olhei de novo para a mesa, um pouco mais de perto, imaginei que do outro lado essa figura familiar de repente se acenda e eu conseguia ver, por trás dos olhos vazios, uma estranheza, uma pergunta, um convite.

É esse convite que comparti lho contigo, como antídoto, quem sabe, contra os silêncios da mesa do restaurante:

Não me interessa o que tu fazes na vida.

O que eu quero saber é pelo que tu anseias e se te atreves a sonhar com os desejos do teu coração.

Não me interessa saber que idade tu tens.

Eu quero saber se tu te arriscarias a parecer tolo por amor, pelos teus sonhos, pela aventura de estar vivo.

Não me interessa se o que tu me contas é verdade.

Quero saber se tu correrias o risco de desapontar alguém para seres verdadeiro contigo mesmo.

Se aguentarias ser acusado de traição,sem atraiçoar a tua alma

Quero saber se tu consegues ver a beleza mesmo quando ela não é bela todos os dias.

Quero saber se aguentas ficar sozinho contigo mesmo e se amas verdadeiramente a tua própria companhia nos momentos de solidão.


Em fim... gostava de saber porque teimo em dialogar sozinha....

3 comentários:

  1. Ao nível habitual. Alto. A música foi feita para este texto.

    ResponderEliminar
  2. Todos tentamos saber o que queres saber. :)
    "(...) se amas verdadeiramente a tua própria companhia nos momentos de solidão." Dá que pensar... e eu vou ficar a pensar nesta :)

    ResponderEliminar
  3. (I find myself in) every strange eyes... muito que meditar, muito em que pensar

    ResponderEliminar

Impossibilidades

É onde a cabeça de uma sweet little sixteen cai, frequentemente. Rola, desespero abaixo e, pum, estilhaça-se no vazio. Foge, acelerada, do...