O sol, para ele nascia todos os dias a partir da segunda linha da pauta musical. Durava exactamente meio tempo. 1/2. Depois durante o resto do dia, desfilavam pausas umas a seguir às outras até ele cair em si e adormecer em cima da terceira linha, dois tempos perfeitos de duração. 2.
O som da sua vida era marcado pelos tempos da colcheia e da mínima. As pausas não tinham nome porque ele não sabia ao certo quanto duravam, só sabia que o silêncio que o seu som fazia, para além de eterno, tinha a capacidade de lhe perfurar os tímpanos.
Resumo do seu dia: sol, pausas não identificadas, si. sol, pausas não identificadas, si. sol, pausas não identificadas, si. sol, pausas não identificadas, si. sol, pausas não identificadas, si. sol, pausas não identificadas, si. sol, pausas não identificadas, si. sol, pausas não identificadas, lá, pausas não identificadas, si. sol, … … …
lá!
lá??
Durava oito tempos, 8.
Ela tinha vindo de lá, de muito longe, e lá era uma cidade que ocupava o segundo espaço da pauta musical, exactamente entre a linha do sol e do si. A sua vida era somente marcada pelos tempos da breve.
O que nos acontece quando estamos habituados a sucessivas pausas e depois algo quebra o som do silêncio mesmo a meio?
Resumo da vida dele: ansioso durante 1/2 tempo por ver o sol nascer, ansioso para que o silêncio comece, silêncio, silêncio, silêncio,… e lá vem ela e 1 e 2 e 3 e 4 e 5 e 6 e 7 e 8 e silêncio novamente, saudades dela, saudades dela, saudades, saudades, cai em si, adormece e 1 e 2 e ansioso durante 1/2 tempo por ver o sol nascer,…
Resumo do dia dela: inquieta à espera dele, sabe que ele passa sempre por aquele espaço, ouve o som do sol, o seu coração dispara, quer tocar para ele, quer quebrar as longas pausas dele, quer vê-lo sorrir, e 1 e 2 e 3 e 4 e 5 e 6 e 7 e 8 e ele passa, saudades dele, saudades dele, saudades, saudades, vê ele cair em si, adormecer, saudades, saudades, inquieta à espera dele, …
Resumo da vida deles: agora os dois fazem parte da mesma pauta. Ele nunca se importou por a breve ser uma figura musical extinta, ela nunca se importou por ele cair em si e nunca a levar. Que importa? Enquanto o pêndulo do metrónomo deles não parar terão sempre o som do sol, das pausas, do lá, das pausas, do si, porque só não dá valor à música quem não a sente.
segunda-feira, 5 de abril de 2010
O tempo do compasso
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Lindo!!! tão original é como um samba de uma nota só...:)))
ResponderEliminarTu és mesmo uma escritora de mão cheia, não és?!... Está fantástico. O teu pequeno conto é mesmo música em estado líquido: fluido, harmonioso, original e belo.
ResponderEliminarNatália, genial também o teu comentário. :)
Este texto é simplesmente genial ... já o li e reli. Quero ler entre as palavras. Que incrível capacidade para criar algo novo, sentido (com sentido) e belo. Obrigado Inês.
ResponderEliminarfantástico... extremamente original e muito curioso. Uma pérola!
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