sexta-feira, 21 de maio de 2010
Contradição
Tomem este exemplo, por favor
dissequem-no como Galeno fazia aos cadáveres proibidos
e a demais ditadores não deis ouvidos
pois a palavra é a flecha venenosa
que mata o coração de forma vergonhosa
E se outro vos contar da Desditosa
não lhe tomais atenção, são calúnias
recusai desses abutres as suas pecúnias
ignorai as penas negras da ave agoirenta
que ferem olhos sãos qual negra pimenta
E da voz d’Ela não tomeis conta
são ruídos de animal tomado pela luxúria
não vos deixai levar em tal incúria
e se demais escutardes da Desditosa
preparai vosso coração para morte vergonhosa
Sua pele é ácida como limão
ferrugem e poalha em suas veias
tranças de palha feitas correias
amarram o amante da Venenosa
que lambe a sua pele preciosa
Os meus olhos fechei, perdi a coragem
a meu corpo permiti tal desventura
a violência atroz de sua candura
a luz que cega de forma danosa
deixei-me levar qual mariposa
No limbo todo o Homem perde horizonte
do medo que antes o deixava alerta
do horror iminente da morte incerta
da estultícia do vício tornado banal
da pequena morte do delito carnal
E eu lambi o veneno alarvemente
à medida que sua face se esvanecia
por entre a beleza do acto que então decorria
o corpo terno e quente que antes ardia
gelava em meus braços enquanto morria
E eu focava minha atenção em sua última palavra
tentando fingir algum interesse
no som asfixiado de sua derradeira prece
até que me aborreci de morte
e arranquei o fôlego da minha jovem consorte
O aviso que vos deixo é o seguinte
que tais actos bárbaros sejam jamais permitidos
como os de Galeno com os cadáveres proibidos
e reservai um minuto para reflexão
e descobri-de onde está a maldição
Em poucas palavras, o que é o amor
do desejo ao ódio tudo lhe pertence
da imagem poética de que tudo o amor vence
não será em si mesma uma enorme ilusão?
e o amor em si uma contradição?
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Com certas palavras se retrata a profundidade da vida. O teu mar é vermelho. Não digo que te entenda em toda a sua extensão,mas sinto as duas faces da mesma moeda. Um abraço!!
ResponderEliminarFernanda Guadalupe
Contraditoriamente, isto pode não parecer um elogio, mas é...
ResponderEliminarSe consegues escrever algo em que expões a tua alma mas só através de sugestões, de modo a que o leitor só consiga ver as sombras projectadas na parede da caverna (e não a tua verdade) e tenha de ir buscar as peças que faltam à sua própria alma... então escreveste um bom poema. E, por isso, não és só tu a descer à cave. Cada um de nós tem de descer à sua para ir buscar o que é necessário para te perceber. Felizmente que já sabemos que brincar com o lado negro, teu e alheio, faz parte do teu estilo.
Ir para Fora, ir para Longe, ir para a Distância Abstrata, assim mesmo,com as maiúsculas da contradição a sugerirem distâncias impossíveis de transpor...com A Morte e o Morrer...ficam palavras. Gostei muito Nuno:)
ResponderEliminar"Tomem este exemplo, por favor". Sim, tomem o teu exemplo! Quando "apareces" em versos... és um exemplo "auto-exemplar" :)
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