Então adeus, a gente vê-se por aí. Foi assim que se despediram, depois de dias de conversa amena em viagens no mesmo comboio. Ele, extrovertido, conversador, olhos escuros e indolentes. Ela, introvertida, arisca, olhos claros e tristes de quem fixa longamente o horizonte, vivera temporariamente naquela aldeia, por razões só dela conhecidas. Mas chegara a hora de partir.
Ouve-se o som duma música ao longe, acompanhando as palavras profundas, inéditas, pairando no ar seco e húmido da solidão .
O dia tinha o perfume do fim do Verão, o primeiro cheiro da chuva, das ervas, das árvores, das folhas, misturando-se com o odor das algas na areia da praia deserta e no ciclo das marés. Até chovia um pouco.
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Os dois bombeiros eram muito jovens, tal como os dois agentes da PSP. Jovens, correctos, impecáveis.
- Quanto é?
- Não é nada, os nossos serviços são gratuitos.
Fiquei boquiaberta. Não resisti e ofereci-lhes duas garrafas de sumo de maracujá concentrado, F. Faria e Filhos (falta-me a tecla do respectivo símbolo comercial, do "e"), Rua das Maravilhas, n.º 25 CC e 25 D, Funchal, Madeira, que um dos meus irmãos me costuma trazer, em memória dos maracujás que devorámos quando vivíamos a infância nas ilhas.
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Antes da despedida, tinham passado pelo largo da igreja, contornado o pelourinho, passeado na praia ondulante de marés vivas, e finalmente entrado num café, o "Berço do Mar", que cheirava fortemente a sardinhas assadas.
Não foi uma despedida trivial, ou de mero protocolo social. Era assim como que uma rendição, com um desvelo no olhar, como uma fatalidade. Como se a exaltação do primeiro encontro não se tivesse repetido, repetido, repetido, como um relógio que retoma sempre o mesmo prazer do tempo. Assim como se não tivesse havido fascínio, assim como se o olhar não se tivesse cortado no tempo em pequenas fracções de universo, assim como se não houvera tempestade.
Quis fugir. De repente senti-me sobreviver com um cesto de flores na mão, como conta Ovídio nas Metamorfoses, depois de, finalmente, ter conseguido entrar em casa.
Estiveram longo tempo sentados, expectantes, parecendo implorar ao tempo que se virasse do avesso, que não passasse demasiado depressa, que guardasse o calor que vinha deles, do fundo da terra, do centro da terra. Olharam-se, cada um na sua vida passada, nos seus amores passados, nas suas coisas passadas, emoldurados num anel, num livro, numa simples recordação, evitando o espelho em frente que transformava em diamante a pedra bruta.
Quando o táxi chegou, ele ajudou-a gentilmente a arrumar as malas, t-shirt por dentro das calças de ganga, o blusão de tecido de gabardine inclinando-se junto do porta bagagens, ela silenciosa e já sem o sorriso a abrir pequenas covinhas no seu rosto claro, lutando para não desabar, e o vento...(o vento!! já me esquecia do vento) a espalhar poeira em torvelinho na rua molhada á beira mar. Adeus, a gente vê-se por aí.
Ainda voltou atrás, tinha-se esquecido do guarda chuva que comprara na feira quando tinha apenas 7 anos e ainda havia escudos.
Sentei-me a beber um copo de gin tonico e a ler jornais. Um artigo do Vital Moreira no "Público" chamou-me a atenção, seguido de outro sobre o aumento das taxas moderadoras do Serviço Nacional de Saúde.
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Ainda ouvi o ranger do comboio. Ainda o vi, de calças de flanela, flutuando, a desaparecer no mergulho final.
Caminhei para o sofá, fui fazer festinhas ao meu cão que é também o meu melhor amigo, e ali adormeci sem apagar a luz.
Excelente entrada Lazuli, uma estória para contar cheia de detalhes e pequenas omissões que nos obrigam a caracterizar a restante cena e personagens
ResponderEliminaro livro está aberto...
Obrigada, Nuno.
ResponderEliminarNão consegui livrar-me do lazul...coisas do arco da velha.
As nossas escolhas podem nos unir ou nos separar de algumas pessoas, mas não existe força que nos faça esquecer daquelas que, por algum motivo, um dia nos fizeram felizes...gostei muito!!
ResponderEliminarSei que nos veremos.:)
Então... olá! Espero que envies muitas cartas para esta nossa casa :) Um texto que nos faz acompanhar este "adeus", mas sempre acompanhado por um "a gente vê-se por aí"... a eterna esperança que nada acaba. Muito bom Lazuli!
ResponderEliminarobrigada, amigos.Se vos agrada, fico contente.
ResponderEliminarE...sim, havemos de nos encontrar!
Fernanda Guadalupe