Cena 2. Primavera
Houve tempos em que me era fácil escrever-lhe cartas de amor, tempos de inocência e paixão pueril, tempos de sonho e fantasia romântica, tempos em que eu ainda não sabia o que era realmente o amor.
Lá estava ela, perfeita e inatingível, a cidade a seus pés. Lucia era a inspiração dos fracos e inocentes que se ajoelhavam perante ela em suplício, arrastando-se até ela, só para lhe tocar nos pés, pois não ousavam sequer sonhar em estar mais além do que isso, ao nível dos seus pés, dos passos que estes simbolizavam, da memória que estes tinham arrastado atrás de cada passo marcado, vincado na memória que perante aqueles pés se estendia, fria e escura como uma manhã precoce de Primavera, ainda por vestir de Sol e flores. E a seus pés, rezavam que ela os abençoasse, lhes concedesse uma palavra de mérito perante o guardião dos céus, lhes aprouvesse bonança e expectativas de bons augúrios para os dias que haverão de chegar, tal como chegam as andorinhas nesta altura e com elas as papoilas e o som da água em fúria a escorrer pelas vertentes, depois de ter sido desperta do seu casulo de inverno, resguardado no ventre gélido da pedra da montanha. Dias que haveriam de chegar, carregados de pólen e cantos de aves, sons de insectos laboriosos e absortos de quanta beleza os rodeia, tal como os habitantes desta cidade suja e ruidosa.
A memória perdurará para sempre e, para sempre, Lucia será sinónimo de esperança, pois foi em nome da esperança, não sua, mas de todos nós, que Lucia se tornaria ícone, totem e tabu. Para sempre.
Em mim, despertava o amor, por tão fácil que era amar tão soberba e leve criatura, fiquei preso em seus cabelos que nunca toquei e sem fôlego por sua boca que nunca beijei. Escrevia então cartas, muitas cartas, de amor insano e adolescente, das quais nunca nenhuma por seus olhos foi lida. Em seu corpo nunca toquei, mas, por seu corpo, morreria. Apenas por uma centelha de luz, acolheria em meu peito a morte com doçura.
Sobra a brisa suave, aumentam os dias e mirra a noite. O Verão está a chegar.
Parte III: http://aitd-text.blogspot.com/2010/07/rapariga-que-nao-sangrava-parte-iii-de.html
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Impossibilidades
É onde a cabeça de uma sweet little sixteen cai, frequentemente. Rola, desespero abaixo e, pum, estilhaça-se no vazio. Foge, acelerada, do...
-
Desta vez o desafio é para maiores de 18. A proposta é tomar de assalto os espaços mais velados da consciência, desgrilhoar o proibido, visi...
-
Passaram 2 anos, 6 meses e 28 dias que um dia não me consegui levantar da cadeira. Estranho pensei, nada de especial, horas a mais à frente ...
-
O tempo passou por nós, não vês? Crescemos, tornámo-nos tristes. No fundo, crescemos. Perdemos as brincadeiras, Os sentimentos s...
Sem comentários:
Enviar um comentário