segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011
domingo, 27 de fevereiro de 2011
5.1
1.
“Dorme, dorme, meu pequeno
Que a noite está a chegar
Fica perto da tua mamã
Para a escuridão não te levar
E se uma luz de madrugada vires
Do outro lado a piscar
Não a queiras seguir, meu querido
Que de onde vem a luz
Não há mamã para te amar”
A criança dorme na paz dos anjos, embalada na cantilena de sua mãe, entre versos e murmúrios entra no submundo dos sonhos e perde-se na sua memória por formar. Vai explorando os recantos onde fotogramas do dia-a-dia se confundem com os sons flutuantes que escutava quando ainda submerso no ventre, seguro, longe muito longe do alto da montanha…
Todos os grandes carvalhos nascem de uma pequena bolota. Todos os grandes homens foram antes néscias crianças. Mas nem sempre a luz desses homens vem para nos guiar, inspirar, fazer crescer. Por vezes a luz, de tão forte que nos cega, afasta-nos do caminho e desesperamos por um lugar escuro, a salvo, salvos, esquecidos, sem que a luz nos detecte, nos projecte a sombra e nos assuste com vultos dançantes e que nos segredam: “nós somos o teu espelho, o prolongamento dos teus medos, as tuas falhas, oh mortal, somos o que sobra quando toda a luz é detida, somos a penumbra, a noite da alma”.
O homem-espelho ascende entre os seus iguais, discreto e benévolo, envolto em beneplácito acordo de que ele somos nós e nós sou ele. Ele está entre nós. Ele está dentro de nós. Não conhecemos limites à nossa própria descontinuidade, pois isso seria auto-destrutivo, a contemplação do fim do eu, o abismo para o inominável devir das coisas, um desígnio de morte em vida, os restos pungentes de um cadáver por descobrir, escondido na carne falante e andante que sorri quando está entre pares, que cogita quando só perante a parede, onde nada vê para além da sombra do seu ser, tal é o seu tamanho, enorme como Deus, minúsculo como um grão de nada, um pingo de coisa nenhuma, um suspiro vazio emerso pelo peso indizível dos dias que já nada nos dizem. Iguais. Entre os seus pares. O homem-espelho é vazio, porque está cheio de tudo o que temos dentro de nós para oferecer, que é nada, pois nada queremos oferecer, só sugar, como quando fincávamos as gengivas na teta de nossa mãe, que nos alimentava de sonhos e expectativas. Uma mãe-espelho. Um pai-espelho, que em nós se revê, que em nós projecta as suas memórias de fantasia do que não foi, do que queria ser, da menina que não beijou e que agora nos transforma em cobardes porque não a beijamos, nunca da forma como ele a beijaria. Do poder que não teve e sempre impôs, cruel pai-todo-poderoso que castiga os seus filhos para que eles brilhem sobre o fogo duro da autoridade cega. O pai dono da decisão que não tomou, porque se a tomasse aqui não estaríamos. Somos espelhos da frustração, da acção, das sombras dos nossos pais, projectadas sobre o infinito que agora é a nossa memória para o futuro, onde as sombras são raios de luz que nos assustam e nos cegam. Temos medo, muito medo, muito medo…
O homem-espelho é a criança-espelho que brilha entre seus pares, pois é o zénite de seus desejos, sem nada ser, sem nada ter para oferecer tem contudo dentro de si um universo infinito de pequenos nadas. Nós somos esses pequenos nadas que iluminam o espelho, refulgem sobre a sua superfície prateada, infinita, lisa, perfeita, zero de erro, zero de paralaxe, zero de sujidade, zero. Zero. Perante a criança-espelho somos zero, um enorme zero, porque quando nos vemos ao espelho vemos tudo o que somos, a superfície irregular, mortal, com defeitos inaceitáveis, zero de segurança, zero de confiança. Zero. Anulamo-nos quando comparados com ele, porque de imediato percebemos que ele e eu e tu somos o mesmo, somos reflexos de reflexos de luzes que nascem das trevas, das trevas em que somos concebidos e nos desenvolvemos, quentes e inseguros, no ventre de nossa mãe. Temos medo porque não temos limites, somos seres sociais, projectamo-nos uns nos outros, nos nossos pais, nos nossos filhos, dos nossos desejos, anseios, ansiosos por desejos que nos façam sentir menos nada, menos que nada.
Vivemos no outro lado do espelho, porque é mais confortável, não é real, nada é real e podemos ser o epicentro da nossa própria ascensão e autodestruição. Porque nos esquecemos dos limites e porque temos medo da luz que destrói as sombras elegemos o homem-espelho como ícone, líder, como Príncipe e nosso Salvador.
Por isso adorámos a criança-espelho, a ignorámos quando cresceu e aprendeu a ser homem-próprio. E porque nos falou dos limites e do fim das sombras, porque projectou a luz que nos fez perceber que não estávamos no lado de lá do espelho, porque nos falou de amor, como o oposto de zero. Porque somos zero partimos o espelho e crucificámos o Homem.
Este foi o primeiro dia da nossa gloriosa Civilização, refulgente, sem erros de paralaxe porque para sempre tínhamos um zénite para nos compararmos e para sempre sermos zeros felizes, em profunda miséria e desconfiança, com medo, muito medo, crentes no grande espelho da religião, fieis ao reflexo distorcido de um Messias que nos deixou perdidos no lado de cá do espelho.
Todos os grandes homens foram antes sábias crianças. E, muito raramente, a luz desses Homens vem para nos guiar, inspirar, fazer crescer.
Por vezes a luz é de tão forte que nos cega…
“Dorme, dorme, meu pequeno
Que a noite está a chegar
Fica perto da tua mamã
Para a escuridão não te levar
E se uma luz de madrugada vires
Do outro lado a piscar
Não a queiras seguir, meu querido
Que de onde vem a luz
Não há mamã para te amar”
A criança dorme na paz dos anjos, embalada na cantilena de sua mãe, entre versos e murmúrios entra no submundo dos sonhos e perde-se na sua memória por formar. Vai explorando os recantos onde fotogramas do dia-a-dia se confundem com os sons flutuantes que escutava quando ainda submerso no ventre, seguro, longe muito longe do alto da montanha…
Todos os grandes carvalhos nascem de uma pequena bolota. Todos os grandes homens foram antes néscias crianças. Mas nem sempre a luz desses homens vem para nos guiar, inspirar, fazer crescer. Por vezes a luz, de tão forte que nos cega, afasta-nos do caminho e desesperamos por um lugar escuro, a salvo, salvos, esquecidos, sem que a luz nos detecte, nos projecte a sombra e nos assuste com vultos dançantes e que nos segredam: “nós somos o teu espelho, o prolongamento dos teus medos, as tuas falhas, oh mortal, somos o que sobra quando toda a luz é detida, somos a penumbra, a noite da alma”.
O homem-espelho ascende entre os seus iguais, discreto e benévolo, envolto em beneplácito acordo de que ele somos nós e nós sou ele. Ele está entre nós. Ele está dentro de nós. Não conhecemos limites à nossa própria descontinuidade, pois isso seria auto-destrutivo, a contemplação do fim do eu, o abismo para o inominável devir das coisas, um desígnio de morte em vida, os restos pungentes de um cadáver por descobrir, escondido na carne falante e andante que sorri quando está entre pares, que cogita quando só perante a parede, onde nada vê para além da sombra do seu ser, tal é o seu tamanho, enorme como Deus, minúsculo como um grão de nada, um pingo de coisa nenhuma, um suspiro vazio emerso pelo peso indizível dos dias que já nada nos dizem. Iguais. Entre os seus pares. O homem-espelho é vazio, porque está cheio de tudo o que temos dentro de nós para oferecer, que é nada, pois nada queremos oferecer, só sugar, como quando fincávamos as gengivas na teta de nossa mãe, que nos alimentava de sonhos e expectativas. Uma mãe-espelho. Um pai-espelho, que em nós se revê, que em nós projecta as suas memórias de fantasia do que não foi, do que queria ser, da menina que não beijou e que agora nos transforma em cobardes porque não a beijamos, nunca da forma como ele a beijaria. Do poder que não teve e sempre impôs, cruel pai-todo-poderoso que castiga os seus filhos para que eles brilhem sobre o fogo duro da autoridade cega. O pai dono da decisão que não tomou, porque se a tomasse aqui não estaríamos. Somos espelhos da frustração, da acção, das sombras dos nossos pais, projectadas sobre o infinito que agora é a nossa memória para o futuro, onde as sombras são raios de luz que nos assustam e nos cegam. Temos medo, muito medo, muito medo…
O homem-espelho é a criança-espelho que brilha entre seus pares, pois é o zénite de seus desejos, sem nada ser, sem nada ter para oferecer tem contudo dentro de si um universo infinito de pequenos nadas. Nós somos esses pequenos nadas que iluminam o espelho, refulgem sobre a sua superfície prateada, infinita, lisa, perfeita, zero de erro, zero de paralaxe, zero de sujidade, zero. Zero. Perante a criança-espelho somos zero, um enorme zero, porque quando nos vemos ao espelho vemos tudo o que somos, a superfície irregular, mortal, com defeitos inaceitáveis, zero de segurança, zero de confiança. Zero. Anulamo-nos quando comparados com ele, porque de imediato percebemos que ele e eu e tu somos o mesmo, somos reflexos de reflexos de luzes que nascem das trevas, das trevas em que somos concebidos e nos desenvolvemos, quentes e inseguros, no ventre de nossa mãe. Temos medo porque não temos limites, somos seres sociais, projectamo-nos uns nos outros, nos nossos pais, nos nossos filhos, dos nossos desejos, anseios, ansiosos por desejos que nos façam sentir menos nada, menos que nada.
Vivemos no outro lado do espelho, porque é mais confortável, não é real, nada é real e podemos ser o epicentro da nossa própria ascensão e autodestruição. Porque nos esquecemos dos limites e porque temos medo da luz que destrói as sombras elegemos o homem-espelho como ícone, líder, como Príncipe e nosso Salvador.
Por isso adorámos a criança-espelho, a ignorámos quando cresceu e aprendeu a ser homem-próprio. E porque nos falou dos limites e do fim das sombras, porque projectou a luz que nos fez perceber que não estávamos no lado de lá do espelho, porque nos falou de amor, como o oposto de zero. Porque somos zero partimos o espelho e crucificámos o Homem.
Este foi o primeiro dia da nossa gloriosa Civilização, refulgente, sem erros de paralaxe porque para sempre tínhamos um zénite para nos compararmos e para sempre sermos zeros felizes, em profunda miséria e desconfiança, com medo, muito medo, crentes no grande espelho da religião, fieis ao reflexo distorcido de um Messias que nos deixou perdidos no lado de cá do espelho.
Todos os grandes homens foram antes sábias crianças. E, muito raramente, a luz desses Homens vem para nos guiar, inspirar, fazer crescer.
Por vezes a luz é de tão forte que nos cega…
5.
0.
Um, só um de nós viverá para contar
Dois homens que subiram à montanha
Três versões para cada história, a minha, a tua e a verdade
Quatro dias bastarão para tudo revelar
Cinco passos para a viagem terminar
…e o Mundo para sempre mudar
Um, só um de nós viverá para contar
Dois homens que subiram à montanha
Três versões para cada história, a minha, a tua e a verdade
Quatro dias bastarão para tudo revelar
Cinco passos para a viagem terminar
…e o Mundo para sempre mudar
sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011
Briófita em sol maior
No primeiro degrau de baixo
quando faltavam três colcheias para a hora
bebias chá de rizóide
e eu, de pensamentos pianíssimos
fazia soar o desequilíbrio
(mas o teu modo fixo não te deixava cambiar o olhar).
No primeiro degrau de cima
muitas pulsações antes da hora
ao paladar da brisa matinal
doei a minha fotossíntese à escada
mas, quando o sol aconteceu
sorveste chá de filóide
perfuraste as gotas de orvalho
e eu, olhando para cima
de pensamentos fortíssimos
soube que não podia acompanhar-te.
Esperei.
No degrau do meio
antes de ouvir o acorde da primeira gota
aqueci entre as mãos chá de caulóide
“Queres?”
Quando as escadas tinham musgo
e os pés eram de orvalho
a troca de olhares fazia parte da queda
a nódoa negra era entendida
e eu via-te através do acumular de sangue.
Doía o levantar
o fingir a ofensa
sacudir a clorofila e dizer indiferenças à desculpa.
Na verdade
o molde do degrau do meio fazia parte do beijinho
(aquele que corta os pulsos à mágoa aguda).
quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011
O preço do amor
(poema da autoria de Joaquina Vieira)
Minha vida entreguei
Numa feira, a mercadores
Com eles negociei
O custo dos meus amores
O preço era tão alto
Que hesitei, por momentos
Teria que deixar no asfalto
Desilusões, sofrimentos
Nada tinha a perder
Tudo era novidade
Queria com meus olhos ver
Se era amada, de verdade
Minhas armas depositei
Quando encontrei o amor
Tão desarmada, fiquei
Que esqueci até a dor
Apareceu perante mim
Outro anjo sofredor
Trazia um ramo de alecrim
Para a vida inteira, um amor
Cansados, abri meus braços
Entreguei-me com paixão
Numa noite de abraços
Ele encheu meu coração
E nada me prometeu
Mas persiste preso a mim
Ele está, no mundo meu
E nos meus lençóis de cetim
Minha vida entreguei
Numa feira, a mercadores
Com eles negociei
O custo dos meus amores
O preço era tão alto
Que hesitei, por momentos
Teria que deixar no asfalto
Desilusões, sofrimentos
Nada tinha a perder
Tudo era novidade
Queria com meus olhos ver
Se era amada, de verdade
Minhas armas depositei
Quando encontrei o amor
Tão desarmada, fiquei
Que esqueci até a dor
Apareceu perante mim
Outro anjo sofredor
Trazia um ramo de alecrim
Para a vida inteira, um amor
Cansados, abri meus braços
Entreguei-me com paixão
Numa noite de abraços
Ele encheu meu coração
E nada me prometeu
Mas persiste preso a mim
Ele está, no mundo meu
E nos meus lençóis de cetim
terça-feira, 22 de fevereiro de 2011
Grito mudo
Quedam-se as mentes dormentes na esteira
Volve-se a quente a gente esterqueira.
Falta-nos alma
na calma a pesar
Sobra-nos mágoa
de água a gelar.
Povo sem veias, não creias que sim!
Povo em teias de um nome ruim.
Basta-te o pouco
de um louco rufião
Clamas por nada
sem voz ou razão.
Céus incolores com dores de mudez
Ouvem as vozes dos burros talvez…
Mas outras em grito
não rasgam o céu.
Abram gargantas!
Levantem o véu!
Cesse a vontade do homem tirano
E vença a justiça deitada pelo cano!
Vivam-se os dias
Em digna bonança
Ilumine-se a noite
Conquiste-se a esperança.
segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011
FÓRMULA
Quis provar-te a mecânica dos seres
Quando em mim provaste a fórmula do entendimento
Confirmámos os dogmas da química improvável
De nós dois
Para depois
Testarmos a dinâmica inegável
Apostas na certeza do que somos
Apostas na memória do que fomos
E dizes-me
Ao ouvido
Meu querido
A soma de um mais um faz sentido
Simetria de dois corpos encontrados
União elevada ao quadrado
Não percebes? Eu explico.
E eu fico...
Pões-me doido
[Uma do fundo do baú.]
Espreito pelo buraco na lona
e vejo-te nua e lânguida,
parada e mexida.
Vou e mordo de raiva os teus lábios,
e perco-me a endireitar linhas
quando ergo as tuas mãos que são minhas.
Toco os teus lábios encerados,
e absorvo o perfume leitoso
enquanto olho o teu queixo charmoso.
Espreito pelo buraco na lona
e vejo-te nua e lânguida,
parada e mexida.
Vou e mordo de raiva os teus lábios,
e perco-me a endireitar linhas
quando ergo as tuas mãos que são minhas.
Toco os teus lábios encerados,
e absorvo o perfume leitoso
enquanto olho o teu queixo charmoso.
sábado, 19 de fevereiro de 2011
Instantes seguintes
II
Ou não se foge, ou se esquece.
Esquecer?
(continuo a fuga)
de repente
os espelhos desabaram
apressados
intactos
e sem ruído
a musica desfolha as pétalas
o sol inunda o meu quarto
a claridade evidencia a dor
navego num lago
sem fundo
a montanha reclama-me
o sal no olhar
verde
azul
castanho-terra
as lágrimas
deslizam dentro do peito.
Uma árvore despida de medo
em dias cinzentos
as flores misturam-se
numa desordem
de aromas
pueris
os gestos
a(c)tos de uma
representação
ímpar
a apologia da loucura?
Ou o abandono
nos prados
percorrendo os sentidos
portas fechadas
tranco-me por dentro
até mim
a dor chega
insinua-se
no respirar
o orvalho
refresca
o tentar esquecer
quem fica comigo?
calor impuro
d
e
s
c
o
n
h
e
c
i
d
o
no Verão
as cerejas
são o fruto
proibido
o medo nas ondas
o mar
nas carícias
de areia e sal
segredos do vento
não fujas
permanece
esquece.
Murmúrios
estranho pe(n)sar.
The end.
Regressa o arco-íris o ruído da cidade as imagens poeirentas o desejo sem nome o momento sem data música esquecer
terça-feira, 15 de fevereiro de 2011
Xadrez
Neste Jogo de Palavras Cruzadas...
Jogo o Xadrez das Incógnitas...
Neste Cruzamento de Palavras Soltas...
Faço Xeque Mate á Coerência...
Rasurar uma Frase com Ideias Anacrónicas...
Romper o Poema com Letrinhas Antagónicas...
Assassinar um Esteriótipo com Perfume e Glória...
Silenciar Vozes com Falsetes Embriagados de Vitória...
Sou o Poeta Naïf que se Esconde do Escuro na Escuridão...
O Escritor que Mente na Mente da Solidão...
O Redactor de Histórias que faz Historinhas por entre Linhas...
O Interlocutor Demente que Sorri Amiúde Felizmente...
Não tenho Credibilidade nos Resquícios dos meus Indícios...
Não tenho Atitude por Desconhecer a Senhora Virtude...
Neste Jogo de Palavras Cruzadas...
Jogo o Xadrez das Incógnitas...
Neste Cruzamento de Palavras Soltas...
Faço Xeque Mate á Coerência...
Faço Vénias quando Dobro o Estigma da Compreensão...
Assumo Mea Culpa quando a Memória me Projecta a Desilusão...
Não Sou meu Aliado...
Estou demasiado Cansado...
Sinto-me Circunspecto e Rarefeito...
Rarefeito e simplesmente Mortificado...
Sou a Canção que Embala o Trilho Errante...
O Fazedor de Sonhos que Vagueia na Estratosfera...
Sou a Glória Incógnita...
O teu Perfume Anacrónico...
O Xadrez Direccional do Desencontro...
O Xeque Mate Vestido de Victoria...
O Peão que Subornou a Rainha...
Fim do Jogo...
domingo, 13 de fevereiro de 2011
Magnificat
Ainda deve ser um exímio dançarino apesar da idade e da doença, não bailarino como dantes era numa conhecida companhia, nota-se na leveza dos passos e nos suaves movimentos do corpo, naquele sentar-se como uma anémona nas rochas costeiras, nos braços fortes ondulando formas, nas mãos delicadas em gestos do quotidiano. Sei que foste um dos melhores, o corpo suado abraçando os aplausos, o nome nos cartazes, o homónimo da beleza, e olho as paredes vazias da tua sala, não, não há fotografias por aqui, nem troféus, nem louvores, minha amiga, fui um homem a gostar do que fazia, voando na música, tenho orgulho, aquele orgulho guardado cá dentro do prazer e da alegria que dei. Ele sorri, sabes que não gosto de exibir grandezas inexistentes, nem glórias efémeras, tudo é esquecido, a grandeza são os afectos, não é isto, ela anda por aí sentada nos bancos dos autocarros e nas ruas de gente comum, nos cafés onde ao teu lado está alguém a beber uma bica ou outra coisa qualquer, a grandeza está ali, repara naquela mulher velha que por aqui passou com a vida nos olhos, subindo escadas cinco vezes por dia pelo menos a tratar do filho, a amá-lo, a pentear-lhe os restos de cabelo, isto é um exemplo.
São esses os heróis, os grandes desconhecidos, os que oferecem o seu amor, os que nasceram sem o estigma da maldade. Não é bem assim, digo-lhe, vou fingir que me esqueço que foste famoso e vejo-te aqui nesta casa isolada onde vives só, com uma reforma miserável, sem os amigos que te abandonaram porque, como tu dizes, “têm a sua vida”, não há tempo, há pouco tempo para olhar o amor, embora tu fales deles com carinho, às vezes telefonas mas é tudo muito rápido, estás melhor, pá? Epá, cá se vai andando, desculpa, pá, tenho umas coisas a tratar, mas já sabes quando quiseres aparece, apareces onde? E sorris, não ligues, estou óptimo, inscrevi-me via internet num curso de Matemática, estudo muito, tenho os meus livros, a música, o computador, há ali ao lado um talho com uns hamburgers bestiais, 50 cêntimos cada um, por vezes faço uma sopinha, só preciso por vezes de conversar, gostava tanto, às vezes ligo-te e à Florbela também, era bom repetirmos aquele encontro na esplanada de Belém de há 4 meses, conversávamos um bocadinho, olha, queres que te leve uns livros de história? Sei que gostas, ficas com eles, tenho aqui tanto livro. Olha, também tenho aqui um telefone absolutamente novo que não uso, eu dou-to, ficas com 2 até pode dar jeito, o teu filho instala-te isso num instante.
Olha, se quiseres podemos ir beber uma imperial na próxima semana, tenho que ir à consulta e ainda demoro, vais ver que estou muito mais magro, pareço um jovem e ri-se, sim vamos, liga-me quando estiveres despachado.
Pousei o auscultador, fiquei sentada imóvel . Nessa noite o sono não veio. Nessa noite estive ocupada a pensar na urgência dos meus afectos.
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