quinta-feira, 15 de abril de 2010

mudança de estado


Pareceu-me sempre fácil.

As conversas entre nós eram água de nascente, fluíam naturalmente, sempre. Alimentavam-se de memórias, saberes, cumplicidades, viveres mútuos e escorriam, sempre. Umas em queda abrupta. Convertiam-se em farpas de gelo, estalactites de palavras agudas. Rasgavam as minhas certezas, derrubavam os meus sólidos confortos e, ao derreterem, inundavam-me de tristeza e desassossego.

Outras não. Nos momentos em que o calor de dois corpos acolhia tépidas vontades, a sintaxe anatómica do amor expressava-se em frases de entendimento. E as verbalizações de dentro de ti enchiam o ar vazio, para num voo se aninharem aqui, dentro de mim, e escreverem textos de paixão.

As conversas entre nós não se deixavam pensar. Tudo era instinto, impulso, resposta a estímulos que a razão não compreende.
Tacteaste os meus sentidos, lambeste as minhas palavras, sugaste-me as emoções. Levaste a receita dos genuínos amantes, e obrigaste-me a esquecê-la.

Parece-me tão difícil agora. Como um dia cinzento nas ruas lavadas de lama ou uma noite em que o tecto negro da insónia nos esmaga.

Difícil.

E não encontro o caminho de volta.

4 comentários:

  1. É sempre tão bom ler-te, Sandra. Quando o faço tenha a mesma sensação de quando vejo a cidade subitamente iluminada pelo sol naqueles dias em que o céu parece chumbo, sabes? Não sei descrever de outra forma. E dá-me sempre vontade de ir buscar um livro do Lorca.

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  2. fiquei agarrado à tua dialéctica, um fio condutor de muito alta tensão...

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  3. A antítese: Memórias, queda, tristeza, desassossego,... Amor, entendimento, paixão,... Aqui está outra receita difícil de esquecer, a da tua escrita :)

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  4. nada dificil ficar rendida a tua escrita!! gostei muito:)

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