quarta-feira, 14 de abril de 2010

Neo Crustáceo



Se pudesse escolher não ia. É um daqueles apertos que não passa nem com uma inspiração profunda. Inspirar ainda faz doer mais. Às vezes consigo algum consolo quando suspendo a respiração mas depois é bem pior, o ar que esteve cá fora impaciente para poder entrar ainda faz mais estragos. Penso “respira com cuidado, suavemente, sem presa”, mas cada vez que penso tenho lágrimas a atropelarem-se dentro de mim para conseguirem sair.
E se um raio caísse em cima de mim? O “ir” deixava de ser uma decisão minha, já não era eu que desistia. Ia ser uma espécie de “chegou a hora mas como podem ver, não estou em condições de ir, por isso, não vou!” Mas não, estas coisas não são assim e a bem ou a mal, eu sei que vou. Eu sei.
Posso falar contigo? Tens alguns minutos? Não precisas de dizer nada, escuta, só te peço que escutes.
Está cada vez mais perto, sinto isso. Depois, vai ser sempre assim, sempre esta ansiedade, sempre este aperto e eu… eu nem queria isto. Nem sei porque estou aqui. Posso voltar para casa? Levas-me para casa?
Leva-me para longe deste caranguejo. Lá em casa não o vejo tão nitidamente, mas aqui não sei como fugir dele. E agora? Luto de mim para mim? Ele conhece as minhas fragilidades, sabe onde atacar, sabe onde dói mais.
Leva-me daqui! Não te peço mais nada… Eu sei que não posso fugir, mas não tenho de estar aqui hoje, amanhã volto. Leva-me…

Um dia disseste-me que íamos viver para sempre. Eu concordei contigo, mas agora já não quero. Já não quero viver para sempre. Assim não. Leva-me para casa e deixa-me viver lá a minha não eternidade.

3 comentários:

  1. este neo crustácio é um incentivo fascinante, um desarmamento de alma... ADOREI:))

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  2. essa carapaça Inês, já não existe
    e os pequenos caranguejos, já não se espalham

    mas nada vive para sempre...
    nada?
    a arte, essa é eterna!

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  3. Tu fazes-me lembrar o Lobo Antunes: a tua profissão dá-te a matéria-prima para a tua arte ganhar uma forma que supera e transcendende tudo. Dás voz aos silenciosos. E ainda bem que podes ser a voz das (nossas?) não-eternidades porque escreves divinamente. :)

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