domingo, 30 de maio de 2010

As lentes da cor



Ao fundo do corredor vive uma janela. Antes do nascer do sol, ele já está encostado à parede que fica no sentido oposto à janela, e aí espera pela luz. Quando a lente escolhida é verde, ele tem vontade de correr.

Correr por aquele prado fechado em direcção ao sol que brilha e ilumina toda aquela via, e que por isso mesmo ofusca os olhos de quem vive na noite.
Quando a lente escolhida é azul, ele tem vontade de nadar.

Nadar por aquele rio fechado em direcção ao sol que brilha e ilumina toda aquela via, e que por isso mesmo…
Quando a lente escolhida é amarela, ele tem vontade de voar.

Voar por aquele céu fechado em direcção ao sol que brilha e ilumina toda aquela…
Quando a lente escolhida é branca, ele tem vontade de saltar.

Saltar por aquelas nuvens fechadas em direcção ao sol que…
Quando a lente escolhida é vermelha, ele tem vontade de rastejar.

Rastejar por aqueles cadáveres fechados em direcção…
Quando a lente escolhida é negra, ele perde a vontade e fica na cama que conhece a sua cegueira de nascença. Fica o resto do dia a ver mexer os dedos dos pés que pertenciam às suas pernas amputadas. Fica o resto do dia a limpar as lentes dos outros óculos com as mãos que pertenciam aos seus braços e que vivem no mesmo sítio das suas pernas.

Nesse dia ele tira folga para dormir por entre os lençóis fechados…

… que ofuscam os olhos de quem vive no dia.

(Hoje, se eu pudesse escolher, queria ter uns óculos sem lentes)

4 comentários:

  1. O lado lunar da Inês.... Mais poderoso e igualmente belo. Pouco te conheço e não deveria dar palpites mas acho que tens quase o dever moral de tentar ser publicada... em livro.

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  2. eu escolho a lente branca...mais uma vez... excelente Inês!!!

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  3. Fiquei muito sensibilizada com a tua escrita, lembrei-me do vídeo que vi esta tarde...um jovem idêntico ao teu personagem, que nunca desistiu e que é uma verdadeira licção de vida para todos!Excelente Inês!

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