quinta-feira, 17 de março de 2011

Colar de bolhas aos pés da cama



As pessoas descrevem-me como sendo uma cabeça que deixa escapar entre fios de cabelo areia de praia. Para quem tem o mar aos pés da cama sabe que mergulhar e tocar com o nariz no fim do colchão implica uma perícia de ar afogado nos pulmões e a garantia que a fada Almo, menina almofadada com os pés pequeninos e dedos de bolinhas serve um beijo de sopro.
Ficar com o quinto dedo preso numa dobra apertada de lençol torna-se gratificante até que a anóxia dispara os olhos.
Nessa noite, de dedo garrotado, não houve onda, nem brisa, nem bolhas que fizessem o percurso descendente até ao meu nariz. Já com a assistolia presente no meu pensamento comecei a arquivar recordações e a reciclar outras porque não gosto de morrer e deixar encargos para os outros. De testamento enviado à fada Almo entreguei o corpo ao mar e esperei sem nada esperar.
Quando o nada se interrompeu e o susto apareceu espreitei de coronárias encolhidas e, sem saber se o fôlego seria aliado tive outros olhos a murmurar para mim:

Peixe sardinha
Sou vizinha
Ar não tenho
Mas dou-te empenho:
Uma morte calma
Ao som das marchas palma
Só para ti
Porque és dali.

E enquanto a sardinha me apontava para o ali e o ali era na cabeceira, pertinho da fada Alma, reparei como estava longe dos bordados dos lençóis, aqueles que se dobram para fora da colcha e ficam sempre bem na cama de uma menina… nunca mais os vou ver e esperei sem nada esperar (mais um bocadinho).
Quando esse bocadinho se esqueceu e o medo sofreu, espreitei de lábios cianosados e, sem saber se o corpo seria unido tive outra boca a mirar para mim:

Peixe espada
Sou aliada
Ar não tenho
Mas de lâmina te desenho:
Uma morte sorridente
Ao toque do brilho atraente
Só para ti
Porque já não sais daqui.

E enquanto a espada me apontava para o aqui e o aqui era a morte certa, pertinho das rochas de borboto, reparei como estava longe do candeeiro, aquele que se acende com um toque e fica sempre bem no quarto sombrio de uma menina… nunca mais o vou ver e esperei sem nada esperar (mais um terço do bocadinho).
Quando esse terço se verteu e o terror gemeu espreitei de pestanas coladas e, já a saber que os pulmões não retribuiriam tive outra orelha a expirar para mim:

Peixe balão
Sou artesão
Ar tenho muito
Mas só por pertuito
Deixa os meus lábios nos teus tocarem
Para nunca mais os abandonarem
Um colar de bolhas deslizará
E a mim presa ficarás

E enquanto o balão me acariciava os pulmões com bolhas de ar e apontava para o meu quinto dedo e o quinto era a necrose viva, pertinho já da amputação, reparei como estava mais próxima da fada Almo, aquela que serve beijos de sopro e fica sempre bem como madrinha de uma menina… nunca mais a vou ver… Agora:
Um colar de bolhas que sai da tua boca e entra na minha agarra-me debaixo do mar doce. Tenho os meus nove dedos dos pés no fundo do mar, aos pés da cama e sei que b(olhas) para mim. Sempre.

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