Passaram 2 anos, 6 meses e 28 dias que um dia não me consegui levantar da cadeira. Estranho pensei, nada de especial, horas a mais à frente do pc, estava na hora de ir para casa. A dor não passou e consegui uma consulta de emergência para o dia seguinte, uma normal consulta de ortopedia. Não era novidade que tinha artrose na coluna, devia ser uma crisesita…E vamos lá tirar um rx, para ver o que se passa.
No dia de ir mostrar o rx, a dor ainda não tinha desaparecido, era incomodativa.
Na hora o médico olhou para mim, e com aquela frieza como quem pede um pastel de nata e meia de leite, “a menina tem coxartrose bilateral. O que é isso? As 2 cabeças de fémur já não têm cartilagem a proteger os ossos…O quê???? Sim tem de colocar próteses, 2 próteses!"
Lágrimas corriam, lágrimas correm!
Parece que foi hoje que ouvi ele dizer isso. Sabia o que era, a minha mãe também tinha…mas eu tinha 33 anos, 33!!!!!!!!
“E o que tenho de fazer? Nada, espera até um dia deixar de andar. Deixar de andar?!! Pode levar meses ou anos, boa tarde menina e as suas melhoras."
Lágrimas corriam, lágrimas correm!
Apenas foram precisos 5 meses, para deixar de trabalhar e começar a andar de muletas, e sempre as dores, mesmo com vinte e muitos comprimidos diários… Apesar dos exames não o indicarem, o médico e eu tivemos de tomar uma decisão “Sandra temos de decidir, avançamos para a cirurgia? Sim!”
E assim começa a viagem pelos milhentos exames, picas, auto-transfusões de sangue e mais picas…eram sempre as agulhas e eu tenho pânico de agulhas, mas as veias fugiam, torturavam-me, os meus braços são a prova disso, notam-se as cicatrizes das inúmeras picas que levei.
As auto-transfusões não correram bem e o pânico das agulhas aumentou…entrei em hipotermia…
As cirurgias essas atrasaram sempre mais de 1 hora, pois ninguém me conseguia colocar um cateter…
Lágrimas corriam, lágrimas correm!
Na primeira cirurgia "enganaram-se" na quantidade de anestesia ( epidural + anestesia) e acordei quando acabaram de serrar o osso e eu ouvi, ouvi tudo e gritei não quero ouvir!!!! Ainda hoje não quero ouvir, o som da serra e o do osso a cair no chão… quando voltei a acordar, o som ainda estava na minha cabeça.
Tamanho era o desespero que na segunda cirurgia, decidiram ter 2 anestesistas de volta de mim, 1h e meia depois de entrar no bloco, e sem cateter, o médico decidiu iniciar a cirurgia comigo acordada, encostada, encurralada é a palavra certa, entre metal como um animal para abate, e a serra passou por mim, sim eu vi o cirurgião começar-me a serrar, gritei, espernearia se pudesse ( a epidural não deixava) e o grito deve ter sido ouvido por todo o hospital, mas ele continuou… o cheiro, o barulho, tenho de lidar com eles para o resto da minha vida.
Como não parei de gritar (não era de dor, era pela situação, sempre pedi, não queria ver…) decidiram colocar-me a máscara, e adormeci… lembro-me de sonhar com a serra, quando acordei, ainda havia sangue… A anestesista foi a única pessoa com coragem de me pedir desculpa pela situação.
Lágrimas corriam, lágrimas correm!
Depois vem a parte da recuperação… meses bons, meses maus… nada batia certo! Quiseram meter na minha cabeça que eu era a culpada de não estar a recuperar, eu não deixava diziam eles. “Pode ser o seu cérebro, o seu pessimismo…você está a fazer mal a si mesma.”
“Quem eram aquelas pessoas??? Eu??? Como???? Ok estarei mesmo doida, pois não concordava."
Mas o curioso é que era a única que não acreditava, médicos, família, amigos, ninguém acreditou em mim, ninguém!
Imaginam o quanto doi, o quanto magoa, o quanto mata, ao ponto de eu acreditar em parte, que estaria com uma depressão?!
Mas dentro de mim uma voz ensurdecedora gritava “não, não estas doida, não estas doida!!!!!”.
Lágrimas corriam, lágrimas correm!
Amigo, do amigo, do amigo, conseguiu o contacto de uma médica que pertence ao Inst. Reumatologia, e lá fui eu para Lx (sim Lx, durante demasiado tempo significou consultas, tristezas, lágrimas…)convencida que o diagnóstico seria o mesmo, chorei o caminho todo, entrei a chorar ( o que não abonava nada a meu favor) e vejo uma senhora de cara afável e voz serena, que depois de me ouvir (foi uma consulta de quase 3 horas) abraçou-me (sim a médica abraçou-me),foi inesperado, mas soube tão bem!
(custa escrever sobre isto, mas comecei vou terminar, nunca fui mulher de deixar coisas a meio…descobri que ao escrever lavo a alma e a cara…siga!)
Pensei, abraça-me porque tem a mesma opinião… agarrou na minha cara, olhou-me nos olhos e disse “Sandra, vamos descobrir o que tem e não não é doida, está muito lúcida, lúcida o suficiente para ter lutado contra diagnósticos médicos e família. Nunca vi tanta força junta!”(e assim como correm agora lágrimas, lá também correram, alguém acreditava em mim!)
E começa uma nova fase, mais exames, mais picas, e sempre resultados de pessoa completamente saudável…um dia, perguntei-lhe “Dra. Já não acredita em mim, pois não?! Vai desistir de mim…” Ela demorou a responder, os segundos pareciam horas “calma, havemos de conseguir”.
E sim, ao fim de muitos meses, a descoberta, eu tenho uma doença rara, genética, soube que em Portugal é mesmo raríssima.
Feliz por um lado (sempre estive lúcida, finalmente sabia) mas por outro, doença rara?!
Nova fase, e o corpo decide não aceitar a medicação, ou seja, não tinha apenas insuficiência de vitamina D como também intolerância à vitamina. Muda-se de estratégia clínica e eis que a doença rara começa a ficar controlada mas, tinha de haver um mas… há 2 meses surge outro problema, mais uma doença surge na equação, doença que ainda não se sabe o que é, apenas me deixa inchada como um balão, e voltei aos exames e às picas… parece que a minha vida se resume a isto!
E perguntam vocês porque estou a escrever sobre isto…preciso de escrever, preciso de dizer, preciso de gritar, faz parte do meu processo de aceitação de mim mesma.
E pela primeira vez li o que escrevi, (acabei de ler) e percebi que por vezes nem eu tenho noção do que já passei, e fico com a certeza que a vida em algum ponto, algures no tempo, terá coisas boas para me dar (para alem do que já tenho!).
Não procuro palavras de conforto, nem pena, apenas sorrisos e abraços!
Eu sei que vou conseguir perceber tudo isto, um dia… porque ainda caio, ainda choro, ainda não aceitei por completo, mas um dia vou conseguir!
Lágrimas corriam, lágrimas correm!
(um obrigado especial a todos os que me acompanharam e acompanham neste processo complicado, e acima de tudo e de todos, ao meu mano Pedro, que amo acima de qualquer coisa)