segunda-feira, 27 de setembro de 2010
A Filha do Meio (Parte II de II)
Em silêncio, Elisa dirige-se para seus aposentos, frios e distantes, como a sua paixão pela vida. Na cama do meio, com todo o espaço vazio deste mundo que a separa de suas irmãs, a seu lado. Tão perto que lhes sente o bater do coração, o pulsar das suas asas, pois, ao contrário de si, Elisa, filha do meio, suas irmãs voam e espalham sonhos, por entre lírios e poças de água, trazem alegria e sorrisos. Elisa apenas tem pó e sabor a metal para oferecer, perdida no espaço vazio, um inominável monstro se esconde entre duas fadas. No meio, a fealdade, em cada lado, a virtude.
Elisa contempla, sua irmã mais velha brinca às médicas com as suas bonecas, dá-lhes injecções e receita-lhes dias nas termas, para rejuvenescerem a pele, como faz a mamã, sempre que os seus medos lhe mostram no espelho o passar dos anos e o desgaste da rotina. Ela inveja sua irmã mais nova, que a todos maravilha com cabriolices e ‘coisas de menina’, enche a sala de ‘oooohhhhh’s e suspiros.
Elisa suspira, suspira por um momento de felicidade, algo que lhe roube o fôlego e a deixe de pernas a tremer. Algo que a entusiasme para um novo dia, algo que a desperte e a faça sentir viva…
Hora após hora, negra noite após branco dia, meio triste, meio ausente, Elisa finalmente sente onde está o seu momento de felicidade. Tal como Alice, é chegada a hora de crescer e a solução está dentro de um frasco.
Perdida num sentimento de pesar, a filha do meio ira decidir que nada mais há neste mundo que a faça sentir e decide engolir.
Meio frasco, para ser exacto. Acordou meio dia depois, meio perdida, meio espantada. Meio dorida da lavagem ao estômago, ficou meio estupefacta quando viu toda a sua família, mãe, pai e irmãs, completamente felizes de a ver meio desperta.
Elisa sentiu então, no meio da sua inconsciência, o que tanto procurava. Plena paixão para redescobrir a sua vida…
Publicado originalmente em:
http://www.gustaveeiffel.pt/Downloads/Publicacoes/RevLumiar02-Agosto2010.pdf
Uma excelente edição, com textos originais e estimulantes. Se mesmo assim não descobrirem esta revista... you're doomed, doomed!
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Afinal é mesmo no meio que está a virtude. Meio poesia, meio prosa... muito bem elaborado, excelente jogo de palavras. Já o tinha lido na "Máquina de escrever" e agora foi um prazer encontrá-lo aqui.
ResponderEliminarExcelente, claro.
ResponderEliminarJá agora aproveito para esclarecer que o Nuno ofereceu este texto fantástico para ser publicado na tal "Máquina de escrever", uma simples revista escolar, dando assim prova da sua enorme generosidade. E não foi só ele. A Cristina Correia, a Inês, o João Guiomar e o Rui Barroso também aceitaram o pedido das "profs" e escreveram textos igualmente fabulosos. Agradeço a todos em meu nome, da Susana Fonseca e dos nossos alunos.
excelente sem duvida!! ao ler te só pensei que:"Felicidade é uma atitude"
ResponderEliminargostei muito,obrigado!!
Belíssimo texto.
ResponderEliminarE na concordância que ...não sei viver sem paixão ;-))