terça-feira, 7 de setembro de 2010

Resposta ao desafio " Brinca comigo" 2ª parte



Depois da experiência do homem luminoso e do filme, que na verdade era uma sugestão para viver numa eterna juventude e responsabilidade com a nossa felicidade, numa eterna reflexão sobre como se manter verdadeiro o tempo todo. Depois desse filme, depois do encontro com esse homem, João caminhou a pé até a sua casa. Lembra se de ter chegado e observado o seu cachorrinho de estimação que se chamava Toti. Ao olhar nos seus olhos, teve a estranha sensação de que nunca tinha olhado de facto para ele. Teve a certeza de jamais ter percebido aquele ser e que o brilho naqueles olhos era o mesmo que ele tinha acabado de perceber em tudo à sua volta. A diferença entre o brilho dos olhos do animal e o dos homens na rua, com quem trocara olhares, é que o Toti era presente. Sempre se colocava numa condição de afecto, de companheirismo.

Naquele dia, antes do filme, pegou o cachorrinho e colocou o no colo. Cortou lhe o pêlo da forma mais intuitiva possível... e realmente ele ficou horrível. Mas estava quente e deu para perceber que ele tinha ficado feliz. Quando regressou da rua, Toti veio ter com ele a porta : trocaram um olhar profundo... e parecia que era o primeiro "oi, tudo bem?" na vida deles e ele mostrou lhe a patinha direita, apontou em sua direcção e puxou, no meio da pata, com o dente, um pêlo que ele se tinha esquecido de cortar.

"Toti, esqueci me de cortar o pêlo de dentro da tua patinha? Que falta de educação!" João viu se conversando de verdade com um ser, igual ao ser que reconhecia dentro dele, com a mesma sensação. Só que era um ser dentro de um cão.

Um cachorrinho que eu tinha apanhado na rua...porque não tinha mais nada e o tempo inteiro emitia a gratidão das pessoas que são salvas - porque ele latiu tanto na porta da casa até conseguir entrar um dia... e ser adoptado...
A porta estando aberta, ou não, ele sempre ficava na parte de dentro e parecia que, com aquele tamanho minúsculo, queria dar a vida para defender a casa de qualquer tipo de invasão. Aquele cachorrinho estava a porta para mostrar a gratidão que tinha. Foi assim que ele sentira. Mas não foi só com o Toti que isso aconteceu.

Naquela noite, João não dormiu, não conseguia chorar mais, nem falar. Não havia vontade de conversar ou de olhar para ninguém. Parecia até que era fácil sentir os sonhos das pessoas, os sentimentos, as vontades... pelos gestos, pelo tom de voz...

Ele trancou se no quarto, sentou se e passou uma noite isolado olhando para o nada.

Dia seguinte, foi até ao parque, sentou se por baixo de uma árvore e ficou olhando para tudo a volta. Para os pássaros, as pessoas andando de bicicleta, outras correndo e, pela primeira vez, acreditou que existia o paraíso, ali, agora, no presente.

Na sua infância, lembrava se das histórias de Adão e Eva, do paraíso, das pessoas a vir para a Terra serem expulsas do Éden porque cometeram o pecado original. E nunca entendeu isso e achava uma tristeza enorme as pessoas estarem aqui porque um casal errou... Nem sabia ao certo... Não tinha muita reflexão sobre isso...historias que a mãe lhe contava. Mas, naquele dia, entendeu que o paraíso era aqui e as pessoas simplesmente não viam... ou não vêm. O pecado original é as pessoas não perceberem que estão no paraíso...

Aquela reflexão era tão intensa e verdadeira que, por conta dessa percepção, João passou três dias em silêncio absoluto. Um silêncio que envolvia o corpo e os sentidos, que parecia que ia conseguir ouvir até o som do próprio silêncio. Era profundamente extenso. Uma sensação de paz que dava a capacidade de se olhar para cada pessoa e não pensar nada deles. Era a sensação de uma criança que tinha acabado de nascer no corpo de um pré-adulto. Era tudo tranquilo, pacífico e sem julgamento. Não havia julgamento porque não havia ideia da nada. Ele estava vendo tudo e as pessoas pela primeira vez!

Os efeitos especiais do dia do carroceiro, na terceira vez em que viu o filme, desapareceram, mas ficou uma coisa melhor no ar. Ficou uma sensação de vida. Que toda aquela vida tinha um significado, tinha um porquê.

Ele também não era mais o miúdo pobre que só tinha o seu cão a quem dizia Toti vamos brincar ! corriam pelos campos e a liberdade era tão grande que nem se lembrava do barulho que o seu estômago fazia...era fome,nem tão pouco era mais o jovem que tinha entrado no cinema. E aí, começa uma busca, uma busca pela mente para tentar entender o que eram aquelas luzes, o que era aquela paz infinita e o que era aquela sensação de unidade que produzia um êxtase quase que ininterrupto. Um viver quase como se estivesse olhando tudo pela primeira vez....voltei a ser menino num corpo de um novo rapaz,vamos brincar.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Impossibilidades

É onde a cabeça de uma sweet little sixteen cai, frequentemente. Rola, desespero abaixo e, pum, estilhaça-se no vazio. Foge, acelerada, do...