Quando se está vazia, as correntes de ar fazem-se sentir de uma forma muito oca. Batem nas paredes e voltam sempre ao mesmo sítio. Depois, como a imunidade custa muito tempo, a constipação é inevitável. Faz frio dentro de mim e, tudo o que sai são letras a precisar do aconchego das palavras. Hoje de manhã estava frio, outra vez, pelo que vesti o casaco de texto e fui para a rua, para cima da tinta que forma a linha que me leva até ao fim do parágrafo. Ponto.
Passei pela loja de chocolate e, com as bochechas cheias de doce por dentro, fiz um ponto e vírgula, para a pausa durar mais tempo. Continuei e fiquei a achar que já tinha ido longe demais, que nem devia ter saído de casa. Não sei se por culpa do chocolate me ter feito muito feliz ou, se por o doce já estar a chegar aos pés e, neste momento fazer o barulho de quem já está preso. Pegajosamente fui até ao fim do parágrafo e ao saltar fiquei pendurada pelos pés, de cabeça para baixo, na linha. Estas coisas só devem acontecer aos azarados de vida. Esperneei, balancei, chamei nomes aos sete ventos, contorci-me e cansei-me. Agora nada há a fazer. Adormeci. Ponto.
Acordei sobressaltada com o som das palavras dele. Ponto.
Travessão. Ele perguntou se eu queria ajuda. Comecei por dizer que não, que não merecia ajuda nenhuma. Ele protestou. Eu calei-me. Ponto.
Após muitas horas de silêncio a baloiçar ao sabor da folha de papel, resolvi voltar a dirigir-lhe outra palavra, mas o doce voltou à boca e no meio de um engasgo respondi. Dois pontos.
Travessão. Amo-te. Exclamação.
Travessão. Ele respondeu que o frio tem destas coisas. Ponto.
Fiquei tão corada que a folha ficou com uma mancha vermelha. Ponto.
Ele sorriu. Reticências.
Abre parêntesis. Ainda bem que as borrachas não conseguem apagar estas manchas. Fecha parênteses.
Não vale a pena, não iria dizer nada que tu já não saibas e não te tenham dito mil vezes. Palavras, só as tuas.
ResponderEliminarE tu e as tuas palavras. São um não dois. Mil obrigados por te deixares ler.
ResponderEliminarespirituoso e de uma imaginação pródiga. Ponto final, parágrafo.
ResponderEliminaradorei ponto de exclamação :)
ResponderEliminar"Quando se está vazia..." é coisa que não acontece contigo, felizmente, porque dentro de da tua escrita moram toda a beleza, toda a originalidade, um espírito inquieto mas sempre enfeitado de luz e poesia. Soberbo, adorei. Abre parentesis: Ainda bem que as borrachas não conseguem apagar as tuas palavras. Fecha parentesis. :)
ResponderEliminarO primeiro texto que calhou ler e...deliciei-me.
ResponderEliminarParabéns. E que os dois pontos permaneçam numa continuidade desta escrita tão cativante
(estive mesmo para não usar pontuação mas tenho a mania das reticências e este teclado não tem vírgulas :-)