quinta-feira, 10 de junho de 2010

Porto de abrigo



Tentei tudo o que sei.
Naveguei todos os mares e nada encontrei.
Navego agora para os meus abismos, para o fundo da terra.
Sem histórias e sem mitos.
Navego para o fundo de mim mesma.
Navego, mas de vez em quando aparecem-me gaivotas nos olhos.
Aceito a serenidade que elas me dão.

E é quando me perco que o olhar se transfigura.
Em imaginação, em delírio, em fracasso, em desejo e em exaltação.
Quanto de azul, quanto de mar, quanto eu quereria ser o que nunca fui.
Quero gaivotas nos meus olhos.
Olho os grandes tons de azul que dominam o universo da memória.
Fragmentos de rostos que não conheço e ali ficam, impávidos, invencíveis, eternos.
Terrivelmente eternos.

Pergunto-me apenas porquê. E vejo-os. Porquê? Rostos
Vestígios de terras interditas.
E espanto-me.
Espanto-me de não os ter exorcizado.
Não quero descobrir novas terras, novos rostos.
Preciso de sair daqui. De ser rebelde.
De saber de mundos para olhar.
Olhar o mundo.

Para onde devo navegar? Como navegar neste fim de mundo?
Como escapar deste pouco ser que sinto em mim?
Quero ter olhos de gaivota, olhos livres de olhar.
Ir ao fundo da terra e voltar
Errante.
Quero ser alga, e ter olhos de alga.
Reinventar-me, sem Camilo, sem os seus amores de perdição.

Sem barcos que me levem , sem cantos de trágicas sereias.
Sem abutres enlouquecidos que me rodeiem e me comam a carne.
E é nos meus olhos cansados que quero o resto do meu destino.
E é nas minhas mãos cansadas que procuro um porto de abrigo.

E se não houver abrigo haverá um porto que me acolha.
Um rochedo, uma árvore, uma imagem de mim. Como um holograma.
E nele terei todos os sonhos acordados, e todas as minhas fantasias.
Terei a raíz. Sem abrigo, sem qualquer drama.

Apenas a raíz, desfazendo-se aos poucos.
No ar.
E voarei agarrada aos seus restos
Com as mãos enclavinhadas
Com o corpo que me resta
E esperarei pelo renascer.

6 comentários:

  1. é tão seguro quanto belo. Emocionou-me do princípio ao fim!!

    ResponderEliminar
  2. tu és assim, Natália.
    E eu emociono-me.
    É por tudo isso que um dia te conhecerei, espero...

    Fernanda Guadalupe

    ResponderEliminar
  3. libertador...

    quanto mais nos prendem, mais voamos, ouvi um dia alguém dizer

    ResponderEliminar
  4. Com "gaivotas nos olhos"... é exactamente assim que se lê este texto. Um bater de asas por cada palavra. A busca constante do "porto de abrigo"... :)

    ResponderEliminar
  5. Muito intenso, sente-se pulsar. Lazuli em tons de azul, de mar e céu. Afinal, o porto de abrigo esteve sempre cá dentro. :)

    ResponderEliminar

Impossibilidades

É onde a cabeça de uma sweet little sixteen cai, frequentemente. Rola, desespero abaixo e, pum, estilhaça-se no vazio. Foge, acelerada, do...