segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Cocaine




COCAINE

-OH YEAHHHH!!!!!- quase que grito enquanto sinto uma a coca a entrar pela narina esquerda à velocidade de um TGV.
Pois é pá, hoje em dia um gajo precisa de uma ajudinha extra e não há melhor forma de viver a night do que com um cochezinho de coca nas ventas. Tás a ver?
Devo dizer que a merda da coca está bué cara e eu nem sei porque uso palavras como bué e cochezinho porque na verdade eu tenho uma licenciatura em Direito e devia estar a usar expressões como ónus da prova etc e tal.
A pior cena da coca é o ranho, um gajo fica a produzir tanto ranho como um puto alérgico em plena Primavera, mas o preço também é um grande problema.
A noite tá bacana, eu tou todo acelerado e tou mesmo numa de divertir. O primeiro obstáculo é o porteiro da famosa discoteca que eu costumo frequentar, cujo nome não digo mas digo já que começa com uma letra pouco usada em português tipo o K. O cabrão do porteiro é uma espécie de cão pisteiro que sente o uso de substâncias alteradoras do humor, sejam elas álcool, coca e haxe
Eu abro muito os olhos para que ele possa ver que não tenho nada de errado.Para mostrar que estou concentrado coloco os braços para baixo, com as mãos abertas, para funcionarem como lastro para me equilibrarem. Não que eu esteja aos tombos, simplesmente apetece-me andar mais rápido e quero parecer normal.
- São dez euros - diz me o animal.
Coloco-lhe discretamente a nota de dez na mão, como se fosse uma operação ilegal, enquanto observo o físico hipertrofiado obtido á conta de milhares de litros de esteróides cósmico radioactivos da união soviética e pergunto:
- Andas na musculação? Levantas ferro? Tomas alguma cena? Pareces bué grande…- e fico a olhar para ele a sorrir enquanto sinto arrepios na espinha que me impelem para a frente e quero abraçar este gajo, dar-lhe uma grande palmada nas costas , convid- lo para almoçar comigo. Quero ser padrinho de casamento dele, quero conhecer a família dele. Ahhhhh meu granda filho da puta…
- Pode entrar - diz me o gorila com cara de parvo após eu parar.
"Cuidado a cocaína provoca diarreia verbal" era o que devia dizer nos pacotinhos, mas os cabrões do colombianos estão a lixar-se para os clientes.
Adoro esta discoteca, um gajo entrae é só gajas decotadas, penteadas, ensaboadas, enceradas, bem cheirosas de classe média alta.
Mamas plásticas em peles massacradas pelo solário que mais parecem sofás de cabedal marroquino.
A primeira coisa que faço é tropeçar no degrau e só não me espalho porque consigo manter o equilíbrio num voo que me parece de 3 metros e acabo por me agarrar a uma perna enorme e musculada.
- Então pá?- pergunta-me um desses betinhos, com um cabelo de puto de 5 anos, que veste sempre um fato para sair à noite.
- Então pá? Vê lá se aprendes a falar como dever ser- ataco imediatamente e vejo o miúdo a encolher-se como um ninja que entrou na casa do Chuck Norris por engano
- Peço desculpa já venho.
Desato a correr para a casa de banho no piso de cima, tranco-me num dos cubículos próprios para quem consome “cenas”. Não acredito que estes cubículos metalizados da era pós conquista espacial tenham sido feitos para o pessoal cagar .
Saio da casa de banho e sinto-me o Butch Cassidy e o Sundance Kid, os dois ao mesmo tempo , mas desta vez eles não morrem porque eu sou invencivel.
Observo o espaço à minha volta. Betos, velhos,putas e pré putas.
Não é complexo de classe este sítio é mesmo um antro de podridão e decadência. Num estado normal este sítio talvez me provocasse nojo, alergia moral. Mas hoje não, agora não…
Dirijo me ao bar.
- Whisky cola!- grito acima da multidão, para o paneleirote que está do outro lado a servir bebidas. Quando me viro choco com uma rapariga e ela sorri para mim. Eu sorrio para ela e viro-me de costas...
Eh pá!!!
Viro-me de novo e vejo cerca de 7 raparigas naquele espaço e não reconheço nenhuma. Sorrio para uma de cada vez até reconhecer o sorriso daquela que me sorriu. Algumas sorriem mas eu não encontro aquela que me sorriu.
Fim do round 1. Perco aos pontos e regresso ao canto.
"Cus não aguento este combate"
"Tens que largar a coca pá, foi isso que deu cabo do Mike"
"Eu sei pá, mas só mais uma linha para me aguentar, as luzes são fracas e sem ela não vejo nada"
Mando abaixo mais uma linha e sinto-me o Hulk. Sinto-me um couraçado grande e verde.
- Então pá ?!- toca a sair daí - grita me um gajo do lado de fora da porta.
- Que foi? - pergunto ao deparar com um betinho magricelas.
- Tou à rasca pra cagar meu.- diz ele segurando a barriga, para acentuar a demonstração da vontade de arrear o calhau.
Não acredito...
- Pá isto não serve pra cagar meu.
- Tou-me a foder pá - diz ele empurrando me.
Merda do puto, meto-lhe um pé à frente e faço com que ele caia numa enorme poça de mijo tóxico.
- Seu filho da .... - não oiço o resto porque saio da casa de banho e regresso à disco propriamente dita.
Continuo a beber, fumo um maço de tabaco, meto mais umas linhas e já começa tudo a bater com força. Sinto a cara cada vez mais dormente, os lábios estão moribundos e sinto não os conseguir controlar, as minhas palavras ficam imperceptíveis aos outros.
No entanto nestes momentos de decadência física, em que me torno numa massa de carne entorpecida quase que fico iluminado num momento puro de lucidez, como se a mente se sobrepusesse a um corpo fraco.
Mas que raio faço nesta discoteca cheia de gente que nada tem a ver comigo? Com os seus sorrisos distorcidos e aberrantes, que olham para mim com desdém.
Pessoas com vícios, promíscuas, alcoolicas...bem não sou melhor que eles e como tal deviam me abraçar todos e dizer:
-Tá tudo fixe meu...
Mas não, eu sou o espelho daquilo que eles são. Que se foda vou-me embora.
Saio para a rua com as pernas bambas. O ar está gelado e a primeira inspiração de monóxido carbono e dióxido de carbono, com um pequeno travo de rio Tejo, fazem com que os meus pulmões se sintam aliviados.
Caminho pela rua em direcção ao carro e oiço putos novos a falarem alto, devido à excitação das primeiras saídas.
-É aquele ali - grita uma voz atrás de mim.
Vejo o beto que eu fiz tropeçar e também vejo os seus 4 amigos. Quatro anormais, desfigurados e embrutecidos do rugby.
Um punho acerta-me em cheio na boca e eu caio na calçada.
Cai sobre mim uma chuva de pontapés e murros. Acertam-me na boca, na cabeça, no tronco. Tento encolher-me para proteger a cara e o tronco, mas um dos betos começa a dar-me pontapés na base da espinha para que eu desenrole e consegue.
Tenho o corpo entorpecido e os sentidos embotados por isso nada me dói mas sei que amanhã vou estar todo rebentado.
s gritos dos putos chamam a atenção dos seguranças da discoteca que quando chegam ao pé de mim ajudam-me a levantar.
- Quer chamar uma ambulância, senhor?- pergunta-me um deles.
Respondo um não arrastado e disforme, enquanto sinto sangue a sujar-me a camisa.
Dirijo me para o carro, uma merda de um BMW , conseguido com a merda do ordenado ganho devido ao meu emprego como advogado a defender traficantes de droga e burlões autorizados.
Abro o porta bagagens e tiro aquela cena que serve para mudar os pneus, subo ao capot e começo a bater com toda a força no pára-brisas.
- Que se passa aqui?- grita um policia gordo e de bigode - Saia já daí.
- O carro é meu!!!- grito atirando os documentos contra o polícia. Mas quando atiro os documentos sinto os pés escorregarem e caio da capota do carro directamente para o chão.
Oiço o meu pescoço estalar ,fico a olhar para o céu escuro e para o rosto gordo do polícia que me segura mão diz:
- Tenha calma, vai ficar tudo bem…

8 comentários:

  1. Dava o meu dedo mindinho para saber os pensamentos das pessoas que carregaram no "que diabo"

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  2. Grande entrada, muito hardcore e aflitiva, fez-me lembrar o célebre 'Bright Lights Big City'

    welcome, tens livre passe, não precisas de pagar 10 euros

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  3. Um flash delirium entre o "Smack my bitch up" e o Trainspotting à tuga, com um olhar muito à Burroughs sobre a decadência própria e do outro, não faltam os cromos da noite muito bem descritos. Um conto a mil à hora, visceral, auto-destrutivo, eufórico, com um final interessante e incerto. Venham mais.

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  4. Gostei muito. Colocar as personagens sob o efeito de drogas dá a quem escreve o poder de distorcer a realidade sem ter de perder tempo com explicações, uma sensação total de liberdade que se nota no teu conto...Final aberto, claro. Quanto ao texto em si.... a rush of blood to the head....

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  5. Com estes elogios todos vou largar o meu emprego e dedicar-me só á escrita

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  6. Contra relógio... com o pêndulo párado. Aquela ideia que se tem onde tudo vai voltar ao primeiro grito. Sinto as letras e as palavras a suplicarem... não têm calma e sabem que não vai ficar tudo bem. Mesmo assim, escritor, não páres o teclado.

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