sexta-feira, 26 de agosto de 2011
Alquimia (autora: Fernanda Guadalupe)
Nota importante: Este texto é da autoria de Fernanda Guadalupe (Lazuli), sou apenas o veículo que o traz até nós/vós
Alquimia
A minha solidão
Não é um acaso
Para enfrentar as noites e os dias
É andar e caminhar por aí nas ruas e vielas
E de súbito sentir o frémito das melodias
É este querer sem saber se se quer
No frio e no calor
Onde há sempre um espanto
E uma ausência de dor
É um sorriso repentino, súbito
Dum vagabundo sem nome
É uma chama e um fogo
Que não consome
É esta mágoa do mundo indeciso
Minha também – seria eu diferente?
A boca faminta, consciente
Serei Um só, como toda a gente!
Oiço os sons das abelhas nas colmeias de Lisboa
E o verde amarelo das árvores na avenida
É um lugar comum, o verde – eu sei
Não é de bom tom, é palavra esbatida
Mas estes lugares – tão comuns que são!
Se em vez das abelhas e árvores, talvez
Optasse por pensar no Profundo?
(lembro-me das águas do mar) – errado
Profundo é outra coisa – vês?
Quão vago este Não Ser ou Ser
Sinto que não sinto
Outro lugar comum – aceito
Mas que fazer desta solidão
Que pressinto?
Trespasso? Alugo? Vendo?
A solidão é um bem móvel ou imóvel?
Se a der, terei que fazer escritura e pagar sisa?
Cuidado com as letras maiúsculas
Fica mal escrever Mal
Mas esta solidão é da minha exclusiva propriedade
E não tem reserva de usufruto
Quero-a de raíz - fica bem este sentido tão
Radical de posse, bem evidente e actual.
O que é meu é meu – olho-te indecisa
E se ela não existe? Reparo
Neste vaso de flores, tem um perfil coerente
Falta-lhe uma pitada de sentido demente
Balbucio, politicamente correcta
Tenho pernas e braços e olhos e ventre
Dou-lhe um iogurte magro, de preferência
(ao vaso, como é evidente)
Misturado com essência de “nonsense”
Levo-o a passear, dou-lhe aspirinas
E rego-o com água corrente
Depois canto uma canção
Não de embalar – ele sempre gostou doutros temas
(o vaso, como é evidente)
Canto-lhe uma canção dos Doors
E outros poemas
Mas na verdade te digo, Solidão
Com letra maiúscula (ad infinitum)
Falo para ti – ouve-me agora
Porque convives comigo, sem bandeira
Sem nada em troca? Porque não te vais embora?
Perdão. Fica comigo. Não te quis ofender.
Só estou a escrever. Sei
Que me queres a teu lado
Dá-me a tua mão, vamos passear
Mas não me arrastes para o teu passado
Fica comigo no verde das árvores, nos azuis
E nas colmeias da cidade
Fica comigo nos lugares comuns e nos sítios sem idade
Nos poemas
Que não sei fazer
E nos antes e depois
Dos dilemas por resolver
Fica comigo aqui onde estou
Exactamente aqui, neste lugar
Onde não sei rimar
Fica comigo e ouve
O resto da melodia
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ResponderEliminarHá aqui um espírito inquieto que não se deixa domar, não esta noite, nem nunca
... e por estar só, nunca estaremos sós entre nós
"Cá dentro inquietação, inquietação... porquê não sei, porquê não sei", já dizia o Zé Mário Branco. Tratar a solidão por tu, pôr-lhe um lugar à mesa ao nosso lado, procurar nela "um abrigo no peito do inimigo" como cantava um poeta rock brasileiro, sondar a alma. Um poema que mexe connosco. Gostei muito mesmo, excelente. Queremos mais inquietações destas.
ResponderEliminarMuito bonito - uma solidão feita de sons, de sabores e cores. Gostei muito
ResponderEliminarUma solidão inevitável e ao mesmo tempo desejada... tudo a seu tempo, sempre em contraponto... como escalas dissonantes... Lindo!
ResponderEliminarColoquei de "queixo caído" porque não sei que mais posso dizer. Aceitar uma solidão, dentro da nossa alma, é um exercício doloroso, penoso, mas por vezes necessário para seguir em frente.
ResponderEliminarO medo, é inerente...e eu também tenho medo!
Um beijinho