quinta-feira, 28 de outubro de 2010
Dia Mundial da Criança (que há em nós)
Levantou-se cedo apesar do cansaço.
Há que ignorar forças que nos tolhem os movimentos e pensar que é a preguiça.
Hoje , neste dia especial em que recebia mimos dos pais, independentemente da idade, resolveu partir numa viagem pela cidade, até à sua infância.
Trajecto longo. Mas a vontade de ficar no conforto dum espaço onde foi tão feliz, era mais forte que tudo.
Vestiu branco e preto, uma túnica marroquina e calças de linho. Sentiu-se bem a recuar no tempo.
Em que as maçãs eram o doce da ternura e as cerejas colhidas das árvores.
Em tons de rubor de pureza anunciada.
São Paulo. A Igreja onde fez a primeira comunhão. A porta do prédio onde cresceu.
O Elevador da Bica estava quase a partir, esperou por ela (sempre às voltas com a mala a abarrotar de inutilidades).
A emoção de tantas viagens. Os mesmos lugares sentados e em pé. A mesma velocidade .
O regresso ao passado.
A chegada do fim da viagem. Virar à esquerda de encontro ao Jardim do Alto de Santa Catarina. Agora com esplanada. Magnífica. Quantas tostas mistas...
Prefere encostar-se ao gradeamento (onde tantas vezes tentou passar o corpo para o lado de lá) e olha o Tejo.
Quantas imagens ternas avista sobre os telhados da cidade.
Tantas andanças de triciclo, saltar à corda, jogar ao ringue.
Ecoam sons de gargalhadas, fresca, infantis, sem receio de serem escutadas.
Ouve-se a si própria a rir do joelho esfolado, quando rebolava na relva.
Nessa altura, o Adamastor era monstruosamente enorme e causava-lhe pesadelos.
A esplanada enche-se de jovens. Alguns idosos no bancos à sombra, no passeio.
Leva o livro de memórias, mas não consegue escrever.
Deslizam as lágrimas por juras de amor eterno. Naquele jardim.
Deslizam lágrimas de felicidade pelo que teve. E de tristeza do que não terá, apesar das promessas.
Sacode os pensamentos que se soltam nas lágrimas que os óculos escuros protegem de outros olhares.
O som da natureza impregna-se na alma remendada.
O corpo está firme. Antes tivesse o corpo retalhado e a alma inteira.
Mas há dias assim: em que a saudade bate e o dia ferve.
Demora o sentir naquele espaço, que sabe poder visitar quando lhe apetece.
Mas não é a mesma coisa sozinha. Tem vontade de visitar a creche-escola primária, mas não tem coragem. Tinha a promessa que a acompanhariam...
Escuta musica sem ouvir rádio.
Começa a descida pela Calçada que vai dar ao outro jardim da sua infância.
Passei-se com alguma rapidez. Muitas saudades para uma manhã.
Tem que regressar a casa. E libertar-se em palavras.
Apanha o eléctrico.
Não tirou fotografias.
Há momentos que se guardam com o coração; e para não doerem, não devem ser recordados com o olhar.
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A criança que há em mim – aliás, o jardim de infância que há em mim – reviu-se neste texto de regresso aos lugares do coração e às memórias. Ao mesmo tempo que está carregado de imagens de ternura, há aqui uma enorme melancolia e tristeza, e a criança que há na protagonista não consegue resgatar a alegria de antes.
ResponderEliminarMuito bonito e à flor da pele. Gostei muito.
Emocionante
ResponderEliminarnão foram precisas fotografias, deu para ver tudo
e eu guardei tudo no coração!!muito bonito!!:)
ResponderEliminar"Não tirou fotografias.
ResponderEliminarHá momentos que se guardam com o coração; e para não doerem, não devem ser recordados com o olhar." Este último parágrafo é perfeito. O teu texto leva-me para algo que espero nunca perder.