quarta-feira, 1 de junho de 2011

Para a criança mais linda do mundo…



Para não fugir ao inicio de qualquer historia de encantar, era uma vez uma menina, que um dia recebeu uma noticia que a deixou muito feliz, ia ter uma mano!

Mas o mano nuca mais nascia, o tempo demorava a passar, como seria o mano, como se chama o mano…a ansiedade crescia de dia para dia.
Dizem os pais, pois com 3 anos ela não se lembra, que foi ela quem escolheu o nome.
E, num belo dia de Agosto, o Pedro Miguel nasceu, o menino dos papás e a alegria da mana.

Mas um dia (e deste dia, ela tem vagas recordações) depois de irem com o Pedro a uma consulta, os pais desataram a chorar, e a tristeza invadiu aquela casa. E ela não percebeu, demorou algum tempo até que a tristeza desse lugar à alegria de outros tempos… mas a alegria voltou a inundar aquela casa.
Ela continuava sem perceber o que se passava, mas tinha um mano que adorava, uns pais que adorava, logo estava feliz e não queria saber de mais nada, coisa de adultos pensou!

O tempo foi passando, e os manos vão crescendo sempre juntos. E ela continuava a não perceber porque é que olhavam para o mano de maneira diferente, porque falavam baixinho quando ela passeava com ele, porque é que algumas pessoas viravam a cara. Ela não percebia mesmo, mas isso deixava-a irritada, completamente irritada.

Um dia na escola, os meninos gozaram com ela, dizendo que o mano era deficiente, mongolóide, riram, fizeram gestos, imitaram vozes estranhas e mais uma vez não percebeu…mas ficou tão chateada que partiu para a violência, violência de quem protege aquele que ama, mesmo sem perceber o que se esta a passar.
Aquilo não lhe saiu da cabeça o dia todo, e quando chegou a casa, não resistiu e perguntou à mãe “Mãe o mano é mongolóide?” (sem fazer a mais pequena ideia do que isso era) e a mãe desata a chorar, o rosto lavado em lágrimas (aquela imagem ficou-lhe gravada na memória) apenas soluçava, as palavras não saiam.
Sem respostas exigiu à mãe uma explicação.
A mãe suspirou, respirou fundo e explicou à menina que o mano era um menino diferente dos outros pois sofria de uma doença chamada trissomia 21.
A menina, na sua inocência, disse “se o Pedro está doente vamos ao médico e ele fica bom”a mãe, já em desespero, explica que não era assim tão simples, a doença não tinha cura.

Mais uma vez ela não percebeu, nem tentou perceber, não sentiu nada…era o mano dela e ela gostava dele, e reclamou com a mãe dizendo “o Pedro não tem doença nenhuma!”.

Os anos foram passando, e os manos crescendo juntos, inseparáveis.

E o tempo fez com que essa menina percebesse o que era a trissomia 21.

Passou a proteger e a defender ainda mais o mano, pois o mano já não era só mano era como um filho. Um dia num restaurante um casal olhava com repulsa para o Pedro, e ela levantou-se, dirigiu-se ao casal e fez uma cena. Ela não admitia, nem admite, que tratassem e olhassem para o mano de forma diferente, era o mano dela!

Os manos continuam a crescer juntos, até ao dia em que a mana vai para a faculdade.

Durante 15 anos o Pedro nunca tinha estado longe da mana, e ficou magoado com ela. A Covilhã ficava tão longe. Sofreram horrores de saudades, saudades essas matadas por telefone, e assim continuaram, juntos, sempre juntos!
E eis que a mana acaba o curso e começa a trabalhar, mas não havia fim de semana que não o fosse visitar. Continuavam inseparáveis!

Mas o dia fatídico estava para chegar e a irmã nunca pensou que fosse ela que o fosse despoletar.

O Pedro nunca se apercebeu que era diferente, nunca (algo pelo qual os pais, a mana e os amigos sempre lutaram).

A mana compra o seu primeiro carro e quando chega a casa, o Pedro olha para ela, olha para o carro, a cara modificou-se e ela percebeu que nesse segundo o mundinho dele se tinha desmoronado.
Nunca ninguém o viu chorar (a não ser em pequenino) mas os olhos brilhavam cheios de água e com uma voz de tristeza avassaladora pergunta “ Porque é que tu tens um carro e eu não?”.
Ela morreu naquele instante e não faz a mais pequena ideia de quanto tempo levou a reagir, se minutos, segundos ou fracções de segundos. Virou a cara e as lágrimas corriam pela face, pelo coração, pela alma… ela tinha destruído o mundo encantado do Pedro. Ela estava a fazer o mano sofrer, ela, logo ela… não o mano não podia estar a sofrer!

Mas o amor tem coisas engraçadas, e eis que ela teve uma ideia (ele adora formula 1, lembrou-se ela), em milésimos de segundos, limpou as lágrimas e disse-lhe “Pedro este carro é teu, eu apenas sou o piloto e tu o co-piloto, pode ser?”. Abre-se um sorriso, a tristeza já não mora naquela cara, agarra-se à mana e diz-lhe “vamos dar uma volta no meu carro novo?”.

E naquelas palavras ela percebeu que o Pedro tinha voltado ao seu mundo encantado!

E mais anos passaram e o Pedro sempre uma criança feliz, até ao dia em que novamente è a mana (que tanta luta pela sua protecção) que faz novamente o seu mundo encantado desmoronar-se.

A primeira vez que o Pedro viu a mana numa cadeira de rodas, os olhos dele brilharam, mas de um sentimento estranho, raiva talvez. E começaram as perguntas “porque estas sentada nessa cadeira, sai dai, anda brincar comigo, não gosto de ti sentada ai, levanta-te” mas a mana não se podia levantar. Ele estava tão chateado, que ninguém soube lidar com aquele sentimento. No meio do silêncio ele grita para a irmã “ficas feia nessa cadeira, não gosto de ti”.
Nesse momento fez-se luz para a irmã, ela tinha de lutar, tinha obrigação de lutar, por ela e pelo irmão e prometeu-lhe que em breve sairia da cadeira de rodas, ao que ele sorriu e lhe deu um beijo (ela nunca irá esquecer o sabor desse beijo).

A cadeira de rodas desapareceu dando lugar a umas muletas azuis, o que novamente provocou uma reacção no Pedro. “Não gosto dessas muletas, são azuis e eu sou do Benfica. Ficas feia de muletas e assim não podes dançar comigo.” E mais uma vez a irmã promete que vai deixar de andar de muletas.

O dia em que ele viu a irmã a andar sem as muletas, agarrou-se a ela, encheu-a de beijos e disse “eu gosto muito da minha mana”. (ela ainda ouve essas palavras, quando fecha os olhos..)

E foi nesse dia, que a mana percebeu, não era ela que protegia o Pedro, era o Pedro que a protegia e lhe dava força, força que mais ninguém conseguia dar, não daquela forma.

Os manos continuam inseparáveis e neste momento o Pedro é um menino/homem de 31 anos, feliz, feliz no seu mundo de encantar, feliz no seu mundo perfeito.

E a mana olha para ele e pensa “Pedro tu é que tens razão…”

7 comentários:

  1. A única diferença palpável entre as pessoas é que algumas têm um sonho (um mundo próprio, um objectivo, uma pancada forte, o que lhe queiras chamar) e vivem a sua vida lá. As outras contentam-se com a realidade. Tu e o Pedro pertencem ao primeiro grupo. Escrita totalmente submersa no amor que tens pelo teu irmão.

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  2. Um texto comovente, genuíno e puro. Como o amor e como as pessoas que mais importam nas nossas vidas. O Pedro e a irmã têm muita sorte em serem os guardiães um do outro. :) Parabéns, gostei muito.

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  3. um amor maior, mais cúmplice,
    uma história, verídica, das que doem na pele,é caso para me deixar com um nó na garganta...obrigado Sandra, gostei muito:)

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  4. Ainda bem, Sandra. Há estórias a serem partilhadas porque não existem no mundo de olhos fechados (ou serrados por vontade própria). Cada palavra escrita com um brilhante, uma impressão digital, um sopro, uma folha, uma gota de chuva, um sorriso pendurado nas pestanas, um toque, uma memória, um grão de açúcar, uma sombra, uma letra bordada todos os dias, um sei que não podia ser melhor, um porque sim. :)

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  5. a minha escrita não é brilhante nem "decorada" apenas coloco no papel o que sinto, o que me vai na alma...obrigado!

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  6. Há histórias que vivem (vida de carne e osso e alma)... vi (vivi) os sorrisos, as lágrimas e a cumplicidade. Muito obrigado, mais uma vez, por te partilhares.

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  7. E nesta partilha de amor, ficamos todos mais ricos.
    tantas crianças lindas, assim, que nos ensinam o amor mais puro.

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