quarta-feira, 11 de agosto de 2010

O remo




Tenho tudo tão apertado cá dentro. Abro os olhos e com uma certa mágoa levanto-me. Eles ainda ardem, mas mesmo assim olho para o horizonte e penso que nunca vou chegar a ele. Começo a andar à beira-mar. De repente oiço o meu nome a ser chamado e volto-me para trás. O corpo continua onde estava e com um sorriso irónico diz-me “cobarde”.
Só quando a espuma da onda chegou à ponta dos meus dedos é que reparei que…
Lembro-me do toque suave das tuas mãos e apetece-me agarrar a onda como se por segundos pudesse entrelaçar os meus dedos nos teus.
É que reparei que... continuo sempre no mesmo sítio. Por mais que ande, tenho sempre o corpo preso, à beira-mar, àquela areia e a suplicar por algo que quero, mas nem para isso tenho coragem. Nunca vou chegar a ele.

“Cobarde”

Cala-te!

“Que linda falua,
que lá vem, lá vem.
é uma falua que vem de Belém…”

Não há faluas em alto mar. Cala-te, cala-te!

“Eu peço ao Senhor Barqueiro
que me deixe passar,
tenho filhos pequeninos
não os posso sustentar…”

Não os posso sustentar, não posso! Eu sei que não posso! Ele é tão pequenino, tão grão de areia que nem sei se tenho realmente sonho…

“Passará, não passará,
algum deles ficará,
se não for a mãe à frente,
é o filho lá de trás.”

Cala-te monstro! É tão pequenino, não fiques com ele também. Maldito sejas, maldito corpo do inferno!
Lembro-me do toque suave das tuas mãos e apetece-me agarrar a onda como se por segundos pudesse entrelaçar os meus dedos nos teus.

“Cobarde”

Voltei-me e continuei a andar, sem olhar para trás, enquanto ele continuava a cantar a mesma música com o mesmo sorriso de nojo. Cobarde, por não saber realizar os meus sonhos, cobarde, por não saber viver, cobarde, por não saber morrer, cobarde, por… por…
Olhei de novo o horizonte. Não vou chegar a ele. Mas quero-o tanto, tanto, tanto… Talvez se correr, talvez se suster a respiração, talvez se nadar com muita força, talvez se… tivesse um barco. Desvio o olhar de novo para o corpo. Parou de repente de cantar e ficou com um ar muito sereno a olhar para mim. Tão sereno que até nem parecia o mesmo corpo. Naquele instante senti que tinha conseguido alguma coisa… um barco. Como pude ser tão ignorante… um barco! Quando me voltei de novo para o horizonte ouvi nas minhas costas um novo sorriso irónico.

“Cobarde, não sabes remar…
Um barquinho ligeiro andava
ligeirinho andava no mar.
a nuvem passou,
o mar se agitou…”

Lembro-me do toque suave das tuas mãos e apetece-me agarrar a onda como se por segundos pudesse entrelaçar os meus dedos nos teus.

3 comentários:

  1. "brilhante, límpido, claro, preciso. Que demonstra pleno uso das palavras que lanças como sementes!gosto tanto Inês!!!

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  2. Ui... sensitivo desta vez. Ainda muito bonito, como sempre.

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