terça-feira, 24 de agosto de 2010

O toque



Lembras-te do clique que o interruptor da luz fazia quando chegavas a casa e eu estava sentada no chão, encostada ao sofá? Ansiava por aquele som o dia todo. Estava de tal forma memorizado na minha cabeça que às vezes pensava que o ouvia mesmo sem ele existir. O meu coração disparava e os meus olhos voltavam-se repentinamente para a porta da sala. Depois sentia como que uma onda de frio a cobrir-me o coração quando via que os teus dedos ainda não estavam a tocar no interruptor. Voltava a encostar a minha cabeça aos joelhos e adormecia. Mas sabia que mais cedo ou mais tarde tu virias, era só uma questão de tempo. Sempre gostei dos teus olhos, acho que foram eles que me obrigaram a querer conhecer-te. Ainda me lembro do dia em que eles olharam para mim pela primeira vez, tão doces, tão calmos, tão felizes. Consigo sorrir só de pensar nisso. E o toque das tuas mão? Do teu corpo? Ganhava forças cada vez que te sentia, era capaz de enfrentar o mundo só porque sabia que teria sempre um abraço teu e, isso era alimento mais do que suficiente para mim. O teu sorriso, sim o teu sorriso, ver o teu sorriso era o equivalente a ter ar para respirar para o resto da vida. Tenho saudades tuas, as horas não passam, os teus dedos nunca mais tocam no interruptor da luz. Lembras-te do nosso primeiro beijo? Que suspiro me traz aquele beijo… penso que ele me impregnou com vida eterna, porque sei que naquele momento os ponteiros do relógio pararam.

Agora vivo uma vida infinita ao teu lado, que me agita de cada vez que acendes a luz. Assim que te vejo sei que senti a tua falta o dia inteiro mas, quando os teus olhos cheios de raiva brilham mais depois de acenderes a luz sei que afinal talvez não quisesse estar ali naquela sala e não percebo porquê. Quando as tuas mãos me agarram e empurram-me contra as paredes sei que tenho amor algures no meu coração mas afinal isso não significa que esteja no teu também. Quando os teus braços me envolvem o pescoço e sinto o meu coração a bater dentro da minha cabeça sei que já fui feliz, muito feliz e fecho os olhos para não ver o que me fazes. Quando os teus lábios me agridem com palavras cortantes, sinto que o tempo podia voltar a parar, podia ser suave novamente, mas… não. O tempo já não pára e nunca mais acaba, porque no dia em que me encheste com vida eterna essa tornou-se a minha maldição, para sempre, até ao fim. Depois, quando voltas a sair da sala e, ainda antes de desligares a luz vejo um sorriso teu e fico petrificada a olhar para ele, em apneia… aquele sorriso sufoca-me mais do que a força dos teus braços. Depois os teus dedos tocam no interruptor novamente e oiço a tua voz que lança lâminas e diz-me que amanhã irás acabar comigo de vez. A porta fecha-se, é trancada e eu volto a sentar-me no chão, encostada ao sofá e fico a pensar no que é o amor e no que ele significa. Lembras-te do clique que o interruptor da luz fazia quando chegavas a casa e éramos felizes?

3 comentários:

  1. Oh Inês...
    Deste texto digo-te: "tem pormenores que me dizem muito, apetece-me ficar com ele"
    Muito, muito bom.
    Adorei.

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  2. Inês!!muito bom!! por cada coisa que tu escreves,fazes clique no meu interruptor...como se tivesse que escolher seguir na Luz ou aqui permanecer a descerrar os véus que nos mantêm na escuridão.

    adorei!!!

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  3. Eu vejo-te Inês... tudo o que tens para dar, é fantástico! Mas sabes, quanto mais explorares esta tua faceta mesmerizante, mais podes levantar poeiras e abrir janelas perigosas... Usa este teu dom com prodígio e rédea!

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