sábado, 2 de outubro de 2010

Bilhete de volta



Desdobro-me em pensamentos e, nenhum me cativa. No canto do céu da minha cabeça, vive Hipérbato e, que fazer não sei já. Naquela noite, rainha dos crepúsculos, todas as estrelas brilhavam ao som do sol e, a lua sentia-se vaidosa por conseguir destacar os seus continentes e mares lunares. Naquela manhã, todo o sol, gabava-se dos seus feitos nocturnos e, o céu azul claro espelhava o mar. Naquela tarde, à sombra da sétima árvore do terceiro jardim, da primeira rua da cidade, o meu canto ficou habitado repentinamente e, outra noite como a anterior, nunca mais viram, os meus dias.
Ainda não tenho noção da gravidade do meu alojamento, digamos que a cabeça já não faz tanto eco, mas os pensamentos estão trocados… quando o meu tempo se confunde, batem os ponteiros, os minutos querem seguir, os segundos preferem parar… e estou a olhar para o relógio… apesar de já serem horas de dormir, a noite nunca mais chega. Não há estrelas, a lua não brilha. Resolvi meter-me para dentro e falar com o novo inquilino. Bati à sua (minha) porta, esperei. Espreitei pelo buraco da fechadura, esperei. “Já paguei a renda, não voltes mais aqui, estou a almoçar os teus sonhos.”
A almoçar os meus…? Fiquei a pensar durante algum tempo sobre o que eram sonhos. Não me lembro da palavra. Resolvi responder que não estava aqui para cobrar a renda, só queria saber o que se passava e, já agora, o que eram os sonhos. “Péssimo canto, muito mau, cheio de humidade, nunca fizeste obras por aqui?”
Se fechar os olhos talvez tudo isto desapareça. É imaginação minha. Foi do desdobramento, depois passa.
“Um sonho é aquilo que pensas que, mas quando vais, já deixou de.”
Naquele dia, passei da tarde para a manhã e o mesmo aconteceu nos restantes. No canto da minha cabeça, nunca é de noite… e, sei não dormir eu de dia.
Resolvi ocupar o meu outro canto da minha cabeça e ser vizinha de Hipérbato. De manhã, Hipérbato canta, à tarde escreve em alto, de manhã almoça sonhos, à tarde limpa a humidade, de manhã abre a porta e olha em frente, à tarde fala baixo, de manhã acerta o relógio, à tarde olha as palavras, de manhã troca tudo…
E que fazer não sei já. Um som invertido soou à minha porta. Quem é? “Vizinha, posso trocar umas palavras contigo?” Não! “Tenho noites em promoção, queres?”
No dia em que Hipérbato foi viver para o canto do céu da minha cabeça (lembro-me como se tivesse sido ontem), comprei um bilhete de ida e, gastei todo o dinheiro que tinha nele.

5 comentários:

  1. Alguém te chamou complexa ultimamente? Brilhante complexidade, como sempre.

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  2. Quando abandonamos a casa da alma, quem fica a tomar conta do prédio? Glutões de sonhos, de esperança, de memórias?...
    Gostei muito deste teu lado lunar; Mar da (in)Tranquilidade, águas profundas. “Um sonho é aquilo que pensas que, mas quando vais, já deixou de.” Não deixes de. :)

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  3. Não andes atrás de mim, talvez eu não saiba o caminho... Não andes na minha frente, talvez eu não te queira seguir...Deixa me ir ao teu lado para que possamos caminhar juntas:)

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  4. Nunca desistasde perseguir os sonhos. Nem de continuar a escrever...

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