quarta-feira, 10 de março de 2010
Amor Maior - resposta ao Desafio 'Enredo'
(Dark Sanctuary- L´Arrogance)
Amor Maior
Senhor, ouve agora este teu servo
Eis chegado o momento da expiação
No Teu colo encontrei conforto e amparo
Ao afastar-me de Ti só conheci a desolação…
E é agora a presença do Desolado
Que faz de mim um condenado
Ao rugir das flamas do submundo
Prestes a entrar no sono profundo
Lembro-me dela, Senhor
Recordo-me de todo o seu Amor
Um Amor Maior
A cobardia, Senhor, sabeis bem
É das mais odiosas características do pecador
É daquelas que nos fazem temer, Senhor
Por tudo aquilo que virá no além
Para aquém do medo e do terror
Pecador serei eu por ter acolhido
Tanta cobardia em meu coração perdido
Por temer o amor, o amor reneguei
Mas o que é o amor de um homem sem coração
Um pobre homem fugido de vossa Lei
Um vulto atormentado em oração
Uma sombra que se perdeu no vale do esquecimento
Uma sombra envolta em dor e tormento
Uma sobra perante vós, Ó meu Senhor
Perante o assombro de um sonho d’Amor Maior
Foi pela noite calada que encontrei a donzela
Foi a noite de minh’alma que me escudou de Vossa Luz
Foi na noite que nem a Lua se aproximou da janela
Foi na profunda e negra noite que tudo seduz
Na noite cerrada que a nós nos cega
Pecadores incautos sem ordem nem regra
Pecadores que somos quando não sabemos Senhor
Reconhecer perante nós um Amor Maior
Era branca sua face, refulgindo tímido luar
Era branca sua Alma, era branco o seu olhar
Era a brancura cândida de seu fôlego cadente
Era a loucura enjaulada em meu corpo ardente
Era o som, o perfume, a pose, o caminhar
Era tudo isto que se movia por entre o tímido luar
Era por isto que eu mais temia Senhor
Pelos anos de cativeiro deste desejo e ardor
Por saber que um dia na onda me iria afogar
Do dilúvio do desejo mandado em mim aprisionar
E saber que um homem é apenas um joguete
Nas mãos do que aos fracos tudo promete
E fraco que somos, enfim aceitamos
E num acto menor concretizamos
Tudo aquilo em que não acreditamos
Mas na loucura e horror do desejo avançamos
E fui eu, Ó Senhor, que fui o causador
Da morte daquela que nos cedeu Amor Maior
Movia-se suave por entre as sombras e sussurros
Dos agrestes ventos que açoitavam
Mas a ela Senhor, pareciam que poupavam
Mas a mim soavam como ferozes urros
Que me puxavam do conforto de Vosso abraço
Para o pescoço encaixar no mortal laço
Cego era eu que deixei de ver
Que medo e luxúria estavam a crescer
Pela cega donzela que entre sombras se movia
Quieta em sua prece e melancolia
Partilhando de Vós a maior alegria
Aquela que de mim a cada hora fugia
Cego era eu, pois não quis ver
Que minha congregação em mim acreditava
Que era eu o pastor da palavra indubitável
Que meu rebanho para a mim pertencer
Teria que abraçar a coragem notável
De perante mim seus desejos prender
Pois de mim fluía Tua palavra, Palavra do Senhor
Pois diante de mim viviam teu Amor Maior
E ela era a estranha, a rapariga perdida
De mãe desconhecida e defunta nascida
Entregue às Madres fora em seu cesto de vime
Como o cordeiro que em Vós seus pecados redime
Mas a triste infanta uma triste marca trazia
E seu branco olhar nada mais havia
Cega perante o mundo que agora a acolhia
Não haveria de distinguir entre a noite e o dia
Mas sua fé a todos haveria de tocar
Pois em Vós Senhor, ela queria acreditar
Que um destino maior Lhe haveríeis de reservar
Para a todos do Inferno nos poder salvar
Mas a mim, Senhor, ao Inferno me iria condenar
Cego era eu que deixei de ver
Que medo e luxúria estavam a crescer
Pela cega donzela que entre sombras se movia
Quieta em sua prece e melancolia
Partilhando de Vós a maior alegria
Aquela que de mim a cada hora fugia
E na escura noite de minh’alma a tomei
Ao roubar seu fôlego a fiz desmaiar
E em meus braços tombar
Para a abraçar
Amar
E ao acordar
De nada se poderia lembrar
Pois na tenebrosa noite que então terminava
Em seu ventre o filho do medo e luxúria se formava
E viu o povo que se sentava na missa
Que a alva donzela cega antes submissa
Levantava a voz pela primeira vez
Para anunciar a boa nova que Deus lhe fez
Pois em seu ventre crescia o fruto do Senhor
Pois nunca jamais conhecera outro amor
Anunciava Cecília, anunciava aos pecadores
Que em seu corpo despertava o novo ungido
Anunciava Cecília, por entre os clamores
Do povo que se erguia estarrecido
Gritava Cecília por apoio do Céu
Chorava Cecília levantando o véu
De donzela pura escolhida por Gabriel
Para gerar o Salvador deste mundo cruel
Pediste a mim, Cecília, abrigo e orientação
Neguei-te Cecília, a salvação
Gritei “Atentos irmãos! Não vos deixei enganar
Pelo leão que por cordeiro se quer passar
E a todos os fiéis irá condenar
Renegai esta criatura que nas trevas se encontra
E às trevas nos condena com suas mentiras
Clamai meus fiéis pela presença do Senhor
Abri-de vossos corações para o seu Amor
E jogai Cecília para a escura cela
Para que a mim o Senhor diga o que fazer dela
Sossegai rebanho acreditai em vosso pastor
Jamais vos deixaria cair em pecado maior”
Em três dias Cecília foi condenada
Por blasfémia e pecado mortal
De se querer dar a acreditar
Com a mãe do que um dia irá chegar
Para a todos os pecadores salvar
Iria então Cecília o povo condenar
A na vergonhosa forca lentamente baloiçar
Mas na noite branca que às sombras me lançou
Chorou baixinho Cecília, por entre uma oração
Chorou Cristo na cruz, chorou meu coração
Que no silêncio da noite branca nunca perdoou
Ao que chora agora por redenção
(Dark sanctuary - L'autre Monde)
Nos momentos antes de ao cadafalso subir
Quis Cecília uma última palavra dirigir
A todo os que desejavam vê-la cair
E o povo olhava temente o altar
Onde o cordeiro iria em breve expiar
Os pecados de quem o deveria salvar
Disse Cecília a quem a ouvia
“Atentai agora no que vos digo
Por entre vós incautos circula o perigo
Vós sim, estais cegos mas porque quereis
Duro é vosso coração e negro como carvão
Jamais tereis de mim condolências ou perdão
Decidisteis aceitar a voz do engano
Escolhesteis seguir o caminho profano
Condenasteis à morte uma Mãe por ser
Destinasteis a pior sorte a quem haveria de nascer
Das profundezas Te clamo, a Ti meu Senhor
Destinai-me por fim um Amor Maior”
No dia seguinte, ao passar pelo terreiro de pó
Dei por mim a chamar, sussurrar, murmurar
Cecília a cega, aqui condenada por suprema heresia
Marcado a negro ficou em mim este dia
Para sempre saber, para a eternidade recordar
Que perante Deus me assumiria um homem só
Tal a vergonha, a ignomínia, a agonia
Decidi que até ao final desse mesmo dia
A minha função de sacerdote resignaria
Abandonado que estava o caminho do Paraíso
Mais perto chegava do Final Juízo
Faria agora tudo o que era preciso
Não conseguiria jamais de viver com tal segredo
Movido pelo pânico, terror e medo
Ao abandonar a vila em total degredo
Perante Vós, agora um estranho, me confesso
Perto que chego do terreno suspiro final
Passados sessenta anos sobre o terrível processo
De Cecília, a cega, uma herege do mal
Que afirmara em seu ventre ter o Salvador
Quando em verdade seria vítima de cobarde estupor
Perdoa-me meu Pai, porque pequei
Perdoa-me Senhor porque sei quanto errei
À morte vergonhosa meu filho condenei
Assim como a única mulher que jamais desejei
A ti, Cecília, na paz do Senhor
Rezo por ti e por nosso filho concebido
Rezo para que o Céu para sempre te acolha
Rezo para esquecer a minha demente escolha
Mas não há reza que me devolva ao Paraíso Perdido
Nem oração tão poderosa que apague esta dor
Por seis décadas fui pedinte e ladrão
Por entre pedras e espinhos fiz minha dormida
Por milénios penarei até ao Armagedão
Para por fim poder ter a minha saída
Embora deste plano esteja preste a partir
Sinto o tanto que falta para terminar esta dor
Abraço em agonia o tormento que há-de vir
Pagamento por ter condenado um Amor Maior
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Negro, negro, negro coração! Puseste-me o jacobinismo ao rubro; se eu já não era fã da classe, ainda fiquei menos... :) E julgas que não houve casos semelhantes ao longo dos séculos?
ResponderEliminarInspirado, negro, inteligente, absorve até ao último parágrafo. É para ler como um mergulho em apneia. Cinco estrelas como sempre.
Nuno, ainda não fechei a boca:...parece uma prece, um resgate divino!em que o assassinado afia o punhal do assassino e ambos desferem o golpe fatal.EXCELENTE!!
ResponderEliminarContigo já falei :)
ResponderEliminarMuito original!