segunda-feira, 1 de março de 2010

A modelo





Desde criança que idealizava este dia,
juntando pedaços de sonho e fantasia,
o acto sublime da criação,
transformação da ideia em carne, tecido e cabelo,
da minha boneca, a minha modelo

Pele macia como a de um querubim
quero-a toda, quero-a só para mim
prende-la dentro do meu coração
cheirar sua carne, sorver com sevícia
amar com violência cada beijo ou carícia

Vou perseguir a sua boca, roubar cada beijinho
Juntar o seu fôlego dentro de um frasquinho
E não contar a ninguém do meu tesouro
saber que ela vive porque o permito
movendo seu corpo de ardor e delito

Observo-a a sair da porta da escola
de ar confiante, transportando a sacola
cheia de lápis de cor e inocência
Agora morde o lábio, ata o sapato
eu aguardo cá fora pelo momento exacto

O tempo voa para ti, minha menina adorada
O tempo mata-me a mim, facada a facada
e deixa-me morto, alma imaculada

Eu lembro-me de ti, ainda nem tinhas nascido
recordo como era meu coração partido
e do cheiro das longas noites em branco
das visitas cruéis de amor paternal
das cicatrizes na minha alma imortal

Também eu boneca, fui divertimento
nas mãos de quem esperava alimento
somente descobri mais e mais sofrimento

E quando me sento em casa a ver a TV
é a tua carinha que em cada mulher se vê
repetida vezes sem conta, vezes sem conta...
e desperta o desejo numa espiral sem fim
de te fazer só minha, só para mim

E penso e repenso em como faze-lo
moldar-te a ti, a minha modelo
feita de carne, pele, osso e cabelo

A manhã nasce, sem deformidade ou defeito
E eu abro os olhos, encho o peito
do ar frio e seco sorvo o éter
e sei que nem me devo atrever a levantar
nem ir ao portão da escola por ti esperar

Hoje o dia é para na cama ficar
e deixar a demência lentamente arrastar
esfumar os sonhos da infância que não o foi
do papá que amava seu menino adorado
e do sexo carnal de amor decepado

Lembro-me de ti, do primeiro sorriso
deste-me tudo o que era preciso
agora quero mais, o que posso e não posso
moldar-te a face, quero tocar-te,
quero sentir o que é amar-te

vejo um corpo que agora floresce
teu peito, teus lábios, tudo em ti cresce
ao ritmo que a minha saninade senesce

E ver-te perfeita, corpo de bailarina
recordo outra vez a minha menina
de como ela era, de como ela é
aproximo-me agora, com novo alento
prepara-te boneca para o teu tormento

Adoro esse sorriso no colo do papá
ver-te abraça-lo quando ele te dá
um beijo terno nas faces rosadas
na minha mente recordo outros episódios
de dor, tortura, esgares e ódios

É por isso que agora te amarro e te conto
o que te vou fazer, ponto por ponto
explicar-te maninha o que é sofrer
talhar tua face, cortar teu cabelo,
fazer de ti a minha modelo

3 comentários:

  1. incomodaste-me ... muito. quero reler mas tem que ser outro dia.

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  2. A mim não me enganas, há um psic dentro de ti.
    Imaginem só : o poeta psicótico.
    Está demais!

    ResponderEliminar

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